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Proc. nº 86/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. V... interpôs recurso contencioso para a 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo do Acórdão da Secção Disciplinar do Conselho Superior do Ministério Público, de 26 de Maio de 1993, que converteu o inquérito contra si instaurado em processo disciplinar.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 5 de Maio de 1994, rejeitou o recurso, por manifesta ilegalidade da sua interposição.
2. V... interpôs recurso para o Pleno da Secção do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão de 5 de Maio de 1994.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 7 de Maio de 1996, negou provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, o acórdão recorrido.
3. V... interpôs recurso para o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão de 7 de Maio de 1996, em virtude de a decisão recorrida se encontrar em manifesta oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Outubro de
1991.
O Relator junto do Supremo Tribunal Administrativo indeferiu o recurso, por despacho de 20 de Setembro de 1996, em virtude de não se verificarem os pressupostos processuais previstos no artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
V... reclamou para a conferência do despacho de 20 de Setembro de
1996, sustentando a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por violação do disposto no artigo 20º da Constituição.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 27 de Novembro de
1996, confirmou o despacho reclamado.
4. V... interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Novembro de 1996, ao abrigo do disposto nos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, para apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou alegações, sustentando a inconstitucionalidade da norma impugnada. O recorrente sustentou ainda que o Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro, publicado dois dias após a prolação da decisão recorrida, deu nova redacção ao preceito impugnado, tornando admissível o recurso rejeitado. O recorrente afirmou, por último, que o Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro, deve considerar-se em vigor a partir da data da sua publicação, sob pena de violação do artigo 168º, nº 2, da Constituição.
A entidade recorrida não contra-alegou.
5. Corridos os vistos, cumpre decidir.
II Fundamentação A Delimitação do objecto do recurso
6. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, só pode ter por objecto a apreciação da conformidade à Constituição de normas que tenham efectivamente sido aplicadas pela decisão recorrida (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº
155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Assim, a questão da eventual aplicação das normas contidas no Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro, não pode ser apreciada no âmbito do presente recurso de constitucionalidade, em virtude de a decisão recorrida
(acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Novembro de 1996) não ter decidido sobre tal questão, uma vez que foi prolatada antes da publicação daquele diploma, e de tal questão, singularmente considerada, consubstanciar tão somente um problema de aplicação da lei no tempo, e não uma questão de constitucionalidade normativa.
Nessa medida, o Tribunal Constitucional apenas apreciará a conformidade à Constituição da norma contida no artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tal como foi interpretada e aplicada pela decisão recorrida, pois só tal dimensão normativa é susceptível de integrar o objecto do presente recurso de constitucionalidade.
B Apreciação da conformidade à Constituição da norma contida no artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais
7. É a seguinte a redacção da norma impugnada:
Artigo 22º
(Competência do plenário)
Compete ao plenário do Supremo Tribunal Administrativo conhecer:
a) Dos recursos de acórdãos das secções que, rela-tivamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão de diferente secção ou do plenário;
(...)
As duas Secções do Tribunal Constitucional já apreciaram a conformidade à Constituição de tal norma, tendo sempre decidido no sentido da sua não inconstitucionalidade (cf. Acórdãos nºs 673/95 e 365/97, D.R., II Série, de 20 de Março de 1996, e inédito, respectivamente).
Com efeito, nos arestos mencionados, o Tribunal Constitucional considerou que o direito de acesso aos tribunais, constitucionalmente consagrado
(artigo 20º da Constituição), não garante necessariamente, em todos os casos e por si só o direito a um duplo ou a um triplo grau de jurisdição, havendo que reconhecer ao legislador uma certa liberdade de conformação quanto ao estabelecimento de requisitos condicionantes dos recursos, desde que sejam respeitados determinados limites (não poderia o legislador infraconstitucional suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou limitar de tal modo o direito de recorrer, que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos).
Por outro lado, o Tribunal Constitucional entendeu que o princípio da igualdade não aponta no sentido de esta corresponder a igualitarismo, apenas impondo que situações substancialmente iguais tenham tratamento igual e que situações substancialmente dissemelhantes sofram tratamento diverso. O Tribunal considerou, ainda, que todas as 'partes' intervenientes em processos do contencioso administrativo são, no que respeita à forma de impugnação com fundamento em oposição de julgados, tratadas de maneira igual, à luz da norma contida no artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Em consequência, o Tribunal Constitucional concluiu que a norma impugnada não viola o disposto nos artigos 20º e 13º da Constituição.
8. É este o entendimento que cabe agora adoptar.
Uma vez que o recorrente não apresentou argumentos novos que devam ser apreciados pelo Tribunal Constitucional, cumpre apenas remeter para a fundamentação dos Acórdãos mencionados, concluindo-se que a norma impugnada não viola o direito ao recurso nem o princípio da igualdade (artigos 20º e 13º da Constituição, respectivamente).
III Decisão
9. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso relati-vamente à aplicação das normas contidas no Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro;
b) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 22º, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais;
c) Negar provimento ao recurso, confirmando, consequente-mente, a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 2 de Junho de 1998 Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Paulo Mota Pinto Luis Nunes de Almeida