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Processo n.º 41/02
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. M..., recorrente nos autos de processo crime com o n.º 3258/01, interpôs a presente reclamação, da decisão do relator no Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Dezembro de 2001, que (por as normas em causa não haverem sido aplicadas na decisão que se pretendia impugnar) não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto em 30 de Novembro de 2001, no termos do qual se pretendia ver apreciada a constitucionalidade dos artigos 433º, 410º, n.º2 e
430º, n.º1 do Código de Processo Penal,
“(...) na medida em que dispõem que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, violando-se assim o princípio do duplo grau de jurisdição, A aplicação dos arts. 433º, 410º, n.º2 e 430º, n.º1 do CPP colide com a norma prevista no art.º32º, n.º1 da CRP.” A reclamação vem fundamentada nos seguintes termos:
“(...)
7 – A inconstitucionalidade suscitada nestes autos decorre dos poderes de cognição em matéria de facto do S.T.J.. Assim,
8 – Tais normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada – artºs 433º, 410º, n.º
2 e 430º, n.º1 do CPP – foram efectivamente aplicadas no acórdão, Porquanto,
9 – Tais normas delimitam os poderes de cognição do S.T.J. e, nessa medida, o próprio âmbito do recurso. Pelo que,
10 – A inconstitucionalidade não é colocada em sede teórica, nem se visa a fiscalização abstracta de tais normas.
11 – A recorrente, em virtude dessas normas, vê coarctada a possibilidade de recorrer em matéria de facto para o S.T.J.,
12 – Em violação clara do artº 32º, n.º 1 da C.R.P. que garante ao recorrente o duplo grau de jurisdição.
(...)
14 – O entendimento perfilhado na decisão ora reclamada, na medida em que sustenta a ilegitimidade da recorrente para suscitar a inconstitucionalidade invocada, viola, de igual modo, o disposto no artº 32, n.º 1 da C.R.P., Uma vez que,
15 – Não garante à recorrente uma defesa plena dos seus direitos.”
2. O representante do Ministério Público neste Tribunal pronunciou-se sobre a reclamação nos seguintes termos:
“Independentemente da questão de saber se o acórdão proferido pelo STJ terá, porventura, aplicado, de forma implícita, as normas que regem acerca do regime de recursos em processo penal e fixam os poderes cognitivos desse Tribunal, o recurso interposto pela ora reclamante configura-se como manifestamente infundado, o que – só por si – dita a improcedência da presente reclamação. Na verdade, no caso dos autos, a arguida teve plena oportunidade processual para questionar – perante o Tribunal da Relação – a decisão sobre a matéria de facto, proferida na 1ª instância em seu desfavor. Tendo, aliás, exercitado tal direito de impugnação, resulta verdadeiramente ininteligível o argumento de que as normas cuja constitucionalidade pretende controverter precludem o “duplo grau de jurisdição” quanto à decisão atinente à matéria de facto, sendo manifesto que tal duplo grau de jurisdição foi efectivamente exercitado no caso dos autos, embora naturalmente pela 2ª instância ( e não pelo Supremo). Na verdade, o que o sistema de recurso vigente não consente é o exercício de um terceiro grau de jurisdição sobre a matéria de facto, a exercer por um Tribunal que – como o STJ – está configurado como tribunal de revista – e sendo inquestionável que o princípio constitucional das garantias de defesa não dá a mínima cobertura a tal pretensão.” Cumpre decidir. II. Fundamentos
3. A questão de inconstitucionalidade em causa nos recurso, intentado ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, que não foi admitido foi suscitada durante o processo, tendo-se, aliás, o tribunal recorrido – o Supremo Tribunal de Justiça – pronunciado sobre tal questão de constitucionalidade (fls. 18 e 19). Contudo, não pode deixar de entender-se que a questão de constitucionalidade normativa suscitada nas conclusões da alegação para o Supremo Tribunal de Justiça, assenta num equívoco: o de que, no sistema de recursos vigente, a Constituição imporia que o Supremo Tribunal de Justiça pudesse conhecer de matéria de facto, sob pena de violação do direito fundamental ao recurso em matéria de facto, e do princípio do duplo grau de jurisdição na mesma matéria. Na verdade, a apreciação de uma eventual inconstitucionalidade por infracção do direito ao recurso em matéria de facto pressuporia, antes, impugnar as normas que, no actual sistema, visam assegurar tal recurso – as normas relativas ao recurso para o Tribunal da Relação em matéria de facto –, já que é certo não decorrer da Constituição um direito ao triplo grau de jurisdição, ou ao duplo recurso em matéria de facto – o único que, esse sim, poderia estar em causa na alegação de que a Constituição impõe que o Supremo Tribunal de Justiça possa conhecer em matéria de facto. Recorde-se, aliás, que os limites aos poderes de cognição do Tribunal da Relação, constantes do n.º1 do artigo 430º do Código de Processo Penal se referem à renovação da prova (alínea c) do artigo 431º ), e não à limitação dos seus poderes de cognição da matéria de facto em geral, pois “as relações conhecem de facto e de direito” (n.º1 do artigo 428º), o que leva a que possa ser modificada a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto “se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base”
(alínea a) do artigo 431º), ou “se, havendo documentação da prova, esta tiver sido impugnada, nos termos do artigo 412º, n.º3” (alínea b) do mesmo artigo), para além da hipótese de renovação da prova, já referida (alínea c) do mesmo artigo).
4. No caso dos autos, a recorrente teve a possibilidade processual de impugnar a matéria de facto, e não se compreende agora que venha questionar a constitucionalidade das normas que lhe permitiriam aquele mesmo exercício, quando se sabe bem que o sistema de recursos vigente admite apenas um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, esgotado neste caso com o recurso para o Tribunal da Relação. A invocação pela recorrente de um direito, resultante da Lei Fundamental, ao duplo grau de jurisdição, para sustentar a atribuição, por imposição constitucional, de poderes de cognição em matéria de facto ao Supremo Tribunal de Justiça não podia, pois, nestas circunstâncias, deixar de configurar um caso de manifesta falta de fundamento do recurso, como refere o Ministério Público. Pelo que, por o recurso ser manifestamente infundado, a presente reclamação não pode ser deferida. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se, nos termos do artigo 77º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, com 15 ( quinze) unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa