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Proc. nº 559/98 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
Recorrente(s): M. M. Recorrido(s): C. B. e Ministério Público
I. Relatório:
1. A recorrente, notificada da decisão sumária de não conhecimento do recurso, vem dela reclamar para a conferência. Diz o seguinte, para o que aqui importa:
(a). 'Nas conclusões 2ª, 3ª, 4ª, 8ª e 9ª das alegações apresentadas na Relação a fls. 1048 a 1060, a recorrente suscitou a questão da ilegalidade/inconstitucionalidade normativa / arts. 1038º/ g/, 1060º, 1061º do CC e art. 308º/1/ do CP';
(b). 'A conjugação das conclusões 2ª e 8ª é inequívoca quanto à referida suscitação';
(c). 'Essa referência envolvente é perceptível, concreta e precisa';
(d). 'Está bem indicado e sabe-se perfeitamente que o núcleo da inconstitucionalidade/ilegalidade imputada à norma do art. 308º/1/ do CP está na interpretação/sentido redutor emprestado ao conceito de ‘coisa alheia’, já que essa expressão deve abranger o instituto do arrendamento e da propriedade';
(e). 'Tais normas foram violadas na sua legalidade e na sequência desse vício, por arrastamento, violaram também os arts. 18º, 20º, 202º/2/ e 205º da Constituição';
(f). 'A recorrente suscitou, indubitavelmente durante o processo, a inconstitucionalidade/ilegalidade das normas que constituem objecto do recurso, pelo que dele deve conhecer-se'.
2. O Ministério Público respondeu, dizendo que é manifesta a improcedência da reclamação, pois que é 'evidente que não serão seguramente os excessos de linguagem da recorrente – produzidos com clara e indesculpável violação do dever de recíproca correcção proclamado pelo artigo 266º-B do Código de Processo Civil
– que serão susceptíveis de alterar a indesmentível realidade processual que consta dos autos: a recorrente não curou efectivamente de suscitar, de forma idónea e adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que possa servir de suporte ao presente recurso'.
3. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
4. Escreveu-se na decisão sumária reclamada o seguinte: O presente recurso vem interposto, ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Fevereiro de 1998. Pretende a recorrente que este Tribunal aprecie a constitucionalidade e a legalidade das normas dos artigos 1038º, alínea g), 1060º e 1061º do Código Civil e do artigo 308º, nº 1, do Código Penal, interpretados em termos de reduzir 'o seu alcance ao proprietário', 'eliminando o arrendatário' quanto ao pedido de indemnização civil, o que, em seu entender, viola frontalmente os direitos fundamentais consignados nos artigos 18º, 20º, 202º, nº 2, e 205º, da Constituição. Só estas normas constituem objecto do recurso – e não também a norma do artigo
72º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, que a recorrente veio indicar no requerimento de fls. 1529 a 1535, em resposta ao convite que lhe foi feito para dar cabal cumprimento ao artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional -, uma vez que esse objecto ficou delimitado no requerimento de interposição de fls. 1374 (cf. artigo 684º, nº2, do Código de Processo Civil). O Tribunal só poderia conhecer do recurso interposto, desde logo, se a recorrente tivesse, como diz, suscitado a inconstitucionalidade e a ilegalidade das referidas normas legais nas alegações para a Relação de Lisboa, pois que a imputação de inconstitucionalidade e de ilegalidade, no requerimento de interposição do recurso para este Tribunal, é feita em momento processualmente inadequado. Acontece, porém, que, nas conclusões por ela indicadas (2ª, 3ª, 4ª, 8ª e 9ª das alegações apresentadas na Relação e juntas a fls. 1048 a 1060), a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade normativa, e só destas o Tribunal pode conhecer, pois que não lhe é lícito ajuizar da inconstitucionalidade (ou da ilegalidade) de outros actos do poder público, maxime, de decisões judiciais. Efectivamente, o que, a propósito das referidas normas legais, a recorrente disse de interesse para o que aqui importa foi o seguinte:
(a). 'foram violados os artigos 1038º/g/, 1060º e 1061º do Código Civil e interpretados com ofensa dos princípios básicos constitucionais' (conclusão 2ª);
(b). 'a 1ª instância ao interpretar ‘coisa alheia’ no sentido em que o fez, com o reducionismo ilegal que lhe imprimiu, sendo certo que essa expressão abrange o instituto do arrendamento e da propriedade, proferiu uma sentença nula, violando o autêntico conteúdo do artigo 308/1/ do Código Penal' (conclusão 8ª). Como se vê, a única alusão à inconstitucionalidade de normas consta da expressão
'interpretados com ofensa dos princípios básicos constitucionais'. Mas essa referência, que é vaga e imprecisa e feita com referência aos artigos 1038º/g/,
1060º e 1061º do Código Civil, surge a par da afirmação de que estes normativos foram violados. Ora, para além de se ficar sem se saber em que medida ou em que sentido tais normas são inconstitucionais, elas não podem ser violadas e, ao mesmo tempo, violar a Constituição. Quanto à ilegalidade, a única afirmação é a de que a sentença imprimiu um
'reducionismo ilegal' ao conceito de coisa alheia, assim violando o artigo 308º, nº 1, do Código Penal. Ora, essa ilegalidade, para além de ser imputada à sentença, e não a qualquer norma legal, nunca seria uma ilegalidade das previstas na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. Não tendo a recorrente suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade, nem a ilegalidade das normas que constituem objecto do recurso, não pode dele conhecer-se.
5. Nada há a acrescentar ou a alterar a quanto consta da decisão sumária acabada de transcrever. Resta, por isso, indeferir a reclamação e confirmar a decisão sumária.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação apresentada, confirmando a decisão sumária;
(b). condenar a reclamante nas custas, com quinze unidades de conta de taxa de justiça;
(c). ordenar a remessa à Ordem dos Advogados de cópia da reclamação de fls. 1550 a 1555 e do presente acórdão.
Lisboa, 2 de Dezembro de 1998 Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida