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Processo nº 149/98 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
1.- M... e outros, na invocada qualidade de membros do
'Grupo do Partido Socialista com assento na Assembleia de Freguesia de Vila Nova de Anha, concelho e distrito de Viana do Castelo, decorrente do último ato eleitoral', dirigiram-se ao Presidente do Tribunal Constitucional, mediante requerimento entrado na respectiva secretaria em 5 de Março de 1998, impugnando
'as eleições para os órgãos competentes da mesma Assembleia'.
Segundo descrevem, no dia 12 de Janeiro último realizou-se o acto de instalação da assembleia de freguesia oriunda do último acto eleitoral autárquico e, de harmonia com o disposto no artigo 7º do Decreto-Lei nº 100/84, de 29 de Março, procedeu-se à verificação da legitimidade e da identidade dos eleitos.
No entanto, após a presidência ter sido assumida pelo cidadão que encabeçara a lista mais votada - a do Partido Social Democrata - este declarou não fazer parte da Assembleia, como futuro Presidente da Junta de Freguesia, pelo que deveria ser substituído imediatamente pelo primeiro suplente da lista vencedora.
Posta em causa pelos impugnantes a legalidade deste procedimento, foi deliberado, por unanimidade, suspender os trabalhos por 48 horas com o objectivo de se esclarecerem as dúvidas surgidas, reunindo-se novamente a assembleia no dia 14, mantendo-se a posição inicialmente assumida pelo primeiro candidato da lista mais votada.
Assim, a Assembleia de Freguesia de Vila Nova de Anha que, nos termos do artigo 5º do Decreto-Lei nº 100/84 é constituída por nove membros, passou a ser formada por dez: nove provenientes da eleição, mais um enquanto primeiro suplente da lista mais votada.
Acompanham o requerimento vários documentos, em fotocópia simples:
a) das actas de instalação da assembleia de freguesia, referentes às reuniões dos dias 12 e 14 de Janeiro;
b) 'parecer sobre a instalação da Assembleia de Freguesia eleita e eleição dos vogais da Junta de Freguesia', alegadamente subscrito por jurista;
c) manuscrito datado de 14 de Janeiro, assinado pelos membros do 'Grupo do Partido Socialista', formalizando o seu protesto pelo procedimento ocorrido, informando, designadamente, que de imediato accionarão os mecanismos ao seu dispor, impugnando desde logo a assembleia e lamentando que da minuta da acta não tenha ficado menção das 'anomalias processuais' para as quais logo alertaram;
d) ofício emanado do Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral (S.T.A.P.E.), dirigido ao primeiro impugnante, em resposta a um fax deste, de 23 de Janeiro, descrevendo o procedimento correcto a adoptar face ao disposto no mencionado artigo 7º, acrescentando-se que eventual ilegalidade poderá ser invocada junto do tribunal
(artigos 88º e 89º do Decreto-Lei nº 100/84 e 133º a 136º do Código de Procedimento Administrativo);
e) ofício de 16 de Fevereiro, do Procurador da República junto do Tribunal Administrativo do Círculo do Porto, dirigido ao Governador Civil do Distrito de Viana do Castelo, em resposta a ofício de 11 desse mês, do seguinte teor:
'Em referência ao ofício de V.Exa. acima identificado, cumpre-me informar que o mesmo vai ser arquivado por virmos entendendo que o tribunal competente para conhecer da impugnação de actos eleitorais para os órgãos das autarquias locais é o Tribunal Constitucional (cfr. Acds. do T.C., de 04/02/86, nº 25/86, no B.M.J. nº 361, pág. 441, e do S.T.A. de 03/04/90, Rec. nº 26 107), sendo também aquele o tribunal materialmente competente para conhecer dos recursos do acto de instalação da Assembleia de Freguesia (cfr. Ac. do T.C. nº
20/90, no D.R., II, de 30/06/90 e al. f) do artº 8º da Lei nº 28/82, de 15/11).
Mais informo V. Exa. que o prazo para interposição de qualquer recurso é de 7 dias e a legitimidade para o interpor radica nas pessoas que, na eleição em causa, sejam eleitores ou elegíveis (cfr. artº 59º, nº 1, da L.P.T.A., Dec-Lei nº 267/85, de 16/07).'
f) ofício de 26 de Fevereiro, do Governador Civil do Distrito de Viana do Castelo dirigido ao primeiro dos impugnantes comunicando-lhe o teor do anterior ofício.
2.1- Ao Tribunal Constitucional compete, por imposição constitucional,
'julgar em última instância a regularidade e a validade dos actos do processo eleitoral, nos termos da lei', como decreta a alínea c) do nº 2 do artigo 223º da Lei Fundamental.
Remetendo-se a fixação da respectiva disciplina jurídica para a lei ordinária, é a Lei nº 28/82, de 15 de Novembro que a vem estabelecer, a partir da competência fixada na alínea d) do seu artigo 8º, nos termos da qual, e no que ora interessa, compete ao Tribunal Constitucional julgar os recursos em matéria de contencioso eleitoral relativamente às eleições para os órgãos de poder local, explicitando, por sua vez, o artigo
102º do mesmo diploma que das decisões sobre reclamações ou protestos relativos a irregularidades ocorridas no decurso das votações nos apuramentos parciais ou gerais respeitantes a eleições para aqueles órgãos cabe recurso para este Tribunal, que decide em plenário (nº 1), sendo o processo relativo ao contencioso eleitoral regulado pelas leis eleitorais (nº 3).
Como se observou no acórdão nº 88/94, publicado no Diário da República, II Série, de 13 de Maio de 1994, a competência do Tribunal não se circunscreve ao acto eleitoral em si, mas estende-se a todas as operações jurídicas que decorrem ao longo do processo eleitoral em sentido amplo considerado, iniciado com os actos preparatórios, desde a marcação das eleições até à fase, situada a jusante, dos apuramentos parcial e geral dos resultados
(cfr. também, v.g., os acórdãos nºs. 165/85, 266/85 e 9/86, publicados no Diário da República, II Série, de 10 de Outubro de 1985 e de 21 de Março e 21 de Abril de 1986, respectivamente).
O que está para além destes apuramentos já não é da competência do Tribunal Constitucional.
Assim, vem o Tribunal entendendo, atestando-o não só o citado acórdão nº 88/94 como, recentemente, reiterando-o os acórdãos nºs.
14/98 e 19/98, publicados no Diário da República, II Série, de 12 e 16 de Fevereiro último, respectivamente.
Não significa o exposto que fique desprotegida qualquer fase posterior do mesmo processo, como a respeitante à instalação dos
órgãos locais eleitos, visto que cabe aos tribunais administrativos a apreciação dos pedidos de impugnação de ilegalidades porventura cometidas nessa fase (como a ora denunciada), no domínio do contencioso eleitoral administrativo
[cfr. artigos 51º, nº 1, alínea i) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais - ETAF (Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril), 59º e segs. e 114º da Lei de processo nos Tribunais Administrativos - LPTA (Decreto-Lei nº 267/85, de
16 de Julho)].
2.2.- É certo que, na sua argumentação, os impugnantes aludem aos
'despacho produzido pelo Tribunal Administrativo do Círculo do Porto' que lhe foi comunicado pelo Governador Civil - transcrito supra - de onde se pode inferir ser o Tribunal Constitucional o competente para conhecer dos recursos dos actos de instalação das assembleias de freguesia, citando-se, a propósito, o acórdão nº 20/90 (publicado no referido jornal oficial, II Série, de 30 de Junho de 1990).
Convém, a este respeito, esclarecer não ter havido qualquer decisão do mencionado tribunal mas tão só uma informação do Procurador da República respectivo ao Governador Civil sobre o destino concedido a um ofício que esta entidade lhe terá enviado sobre o assunto, cumprindo registar que aquele acórdão nº 20/90 respeita a uma situação diferente, ainda articulada com o acto eleitoral em si, não sendo observável no presente circunstancialismo:
o caso aí versado respeitava a um plenário de cidadãos eleitores, o que é ainda uma forma de realização de eleição popular directa.
De qualquer modo, sempre se observará ser o próprio Tribunal Constitucional quem tem competência para decidir definitivamente sobre a sua própria competência: desde logo, como se observou no acórdão nº 316/85
(publicado no Diário citado, II Série, de 14 de Abril de 1986) é o próprio Tribunal Constitucional quem decide sobre a sua própria competência, dizendo -
e dizendo-o definitivamente - se as questões que sobem até ele para serem julgadas são ou não questões de inconstitucionalidade ou de ilegalidade que se inscrevam no seu poder jurisdicional; semelhantemente, a decisão que proferir sobre a questão de fundo não só não pode ser alterada por qualquer outro tribunal como tem de ser acatada no julgamento do caso a propósito do qual aquela questão foi suscitada.
Sem embargo da aplicabilidade desta doutrina ao processo em causa, certo é não ser caso de a aplicar.
2.3.- Não competindo ao Tribunal Constitucional apreciar a eventual ilegalidade ocorrida na fase de instalação da Assembleia de Freguesia de Vila Nova de Anha, torna-se inútil apreciar a congregação dos vários pressupostos processuais exigíveis para conhecimento do recurso, nomeadamente os relativos à tempestividade deste e à suficiência da documentação junta.
3.- Em face do exposto, decide o Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do presente recurso.
Lisboa, 6 de Março de 1998 Alberto Tavares da Costa Maria da Assunção Esteves Armindo Ribeiro Mendes Bravo Serra Luis Nunes de Almeida José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa