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Proc.º n.º 865/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. De fls. 172 a 178 proferiu o relator decisão sumária com o seguinte teor:-
'1. Por sentença lavrada em 16 de Junho de 1998 pelo Tribunal Judicial de Coruche foram E. O., A. M. e F. B. condenados, pela prática, em co-autoria material, de um crime de furto simples, na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º, 203º, números 1 e 2, do Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei nº 400/82, 29 de Setembro, na redacção resultante do Decreto-Lei n.º
48/95, de 15 de Março, na pena de 90 (noventa) dias de multa.
Do assim decidido recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação de Évora, tendo, na alegação que produziram, formulado as seguintes
«conclusões»:-
'1ª. – A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2ª. – Os arguidos mostram-se bem integrados no seu meio sócio-econó- -mico e cultural.
3ª. – O cumprimento das penas aplicadas provocará certamente desequilíbrio nos seus já parcos orçamentos familiares.
4ª. – Não se vislumbra nexo de causalidade entre as penas aplicadas e as necessidades de prevenção do crime e reintegração dos agentes.
5ª. – Os arguidos sempre mantiveram boa conduta (sem antecedentes criminais), sendo certo que são estimados entre os seus.
6ª. – Cremos que a pena de admoestação, nos casos em concreto, é a mais adequada
à satisfação dos valores juridicamente protegidos.'
De referir é, ainda, que no teor da aludida alegação os recorrentes não suscitaram qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental tocantemente a norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
No parecer emitido no Tribunal da Relação, o Ministério Público suscitou a questão prévia da rejeição do recurso, porquanto, sendo ele restrito à matéria de direito, não teriam sido observadas pelos recorrentes as prescrições do n.º 1 e das alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 412º do Código de Processo Penal.
Por acórdão de 16 de Junho de 1998, o Tribunal da Relação de Évora rejeitou o recurso, com os seguintes fundamentos:-
'........................................................................................................................................................................................................................................
2. O presente recurso versa matéria de direito, sendo certo que não foi pedida a documentação dos actos da audiência e que não vem assacado à sentença qualquer dos vícios aludidos no n.º 2 do art.º 410º do Código de Processo Penal.
Segundo o n.º 1 do art.º 412º do citado código, o recorrente termina a motivação do recurso pela formulação de conclusões, estabelecendo o n.º 2 do mesmo preceito legal que, ‘versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição:
a)As normas jurídicas violadas;
b)O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia Ter sido aplicada; e
c)Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada’.
Estamos perante ‘uma norma imperativa, que tem de ser observada rigorosamente na motivação, para se não prejudicar a celeridade que caracteriza o processo penal’- (...)..
Das conclusões da motivação apresentada pelo recorrente não consta nem a indicação de qualquer norma jurídica violada nem qualquer das restantes indicações impostas pelo n.º 2 do sobredito art.º 412º, razão porque se impõe a aplicação legal de rejeição do recurso.
.........................................................................................................................................................................................................................................'
Desse aresto recorreram os arguidos para o Tribunal Constitucional, dizendo no requerimento de interposição do recurso:-
'.........................................................................................................................................................................................................................................
- pretendem ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos art.ºs 410º e
412º n.º 2 do Código de Processo Penal, com a interpretação que lhes foi dada na decisão recorrida;
- a interpretação/aplicação das citadas normas viola os artigos 20º e 205º n.º 1 da Constituição da República – acesso do direito, tutela jurisdicional efectiva e decisões dos Tribunais;
-a questão da inconstitucionalidade não foi suscitada nos autos nem o podia ter sido, pois a interpretação daquelas normas, ora impugnada, foi vertida no Acórdão sem que os recorrentes contassem, constituindo uma autêntica surpresa; assim, o momento processualmente próprio e adequado para suscitar a questão da inconstitucionalidade é este;
.......................................................................................................................................................................................................................................'
O recurso veio a ser admitido por despacho de 14 de Julho de 1998, proferido pelo Desembargado Relator do Tribunal da Relação de Évora.
2. Sabido que é que o despacho de admissão de recurso não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), e porque se entende que a presente impugnação não deveria ter sido admitida, efectua-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão sumária, por intermédio da qual se não toma conhecimento da vertente impugnação.
Na realidade, como deflui do relato supra efectuado, o ora recorrente, ao impugnar a sentença lavrada pelo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coruche, não suscitou qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de norma ou normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Por outro lado, há que sublinhar que a situação in specie nunca se configuraria, como pretende o recorrente, como um daqueles casos de todo anómalos e excepcionais em que se deveria postar a dispensa do ónus de suscitação, antes da decisão desejada recorrer, da questão de inconstitucionalidade (e de que é exemplo a versada no Acórdão deste Tribunal n.º 61/92, publicado na 2ª Série do Diário da República de 18 de Agosto de
1992).
De facto, tendo os recorrentes invocado no presente recurso a desconformidade da interpretação que foi dada na decisão recorrida aos art.ºs 410º e 412º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o que é certo é que o Tribunal da Relação de Évora não fez qualquer interpretação normativa, no sentido defendido pela doutrina (ou seja, uma 'operação técnico-jurídica, uma actividade do espírito humano que nos conduz a apreender o sentido que no acto se encontra veiculado pela respectiva manifestação externa' - cfr. J. Dias Marques, in Introdução ao Estudo do Direito, Lisboa, 1986, pág. 134); antes, e pelo contrário, se limitou a fazer a aplicação das normas dos artigos 410º, n.º
2, e 412º, ambos do Código de Processo Penal em face do seu mero sentido literal.
Não se pode, assim, dizer que os recorrentes foram surpreendidos com a aplicação das citadas normas, porquanto, ao interporem recurso da decisão da 1ª instância, não podiam deixar de se verem confrontados com as mesmas, por se reportarem ao próprio acto de interposição de recurso e definição do objecto deste.
O Tribunal da Relação de Évora, ao decidir como decidiu, seguramente que não veio a acolher qualquer interpretação normativa anómala ou de mui difícil previsibilidade com a qual não contassem os arguidos, pois que, repete-se, a aplicação que efectuou dos preceitos em causa se limitou a uma subsunção ao respectivo teor literal.
De onde se não poder, de todo em todo, figurar que, no caso vertente, poderia haver lugar à mencionada dispensa do ónus de suscitação da questão de inconstitucionalidade.
E, de todo o modo, como este Tribunal tem realçado, ao ser questionada a inconstitucionalidade de uma dada interpretação de uma norma jurídica, mister é que o recorrente indique, clara e perceptivelmente, o modo interpretativo que reputa desconforme ao Diploma Básico, pois que só assim, na realidade, será possível, de um lado, ao Tribunal a quo equacionar essa questão, pronunciando-se sobre a mesma e, de outro, possibilitar ao Tribunal Constitucional, no caso de vir a concluir pela inconstitucionalidade de uma determinada interpretação, que a possa 'apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito, ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, desse modo, afrontar a Constituição' (palavras do Acórdão deste Tribunal nº 367/94, publicado na 2ª Série do Diário da República de 7 de Setembro de 1994).
2.1. Adite-se ainda que, mesmo a admitir-se a regularidade da interposição do recurso, aos recorrentes não assistiria razão, pois que tem já este Tribunal perfilhado uma jurisprudência firme - embora não unânime por parte dos juizes que têm subscritos as decisões que a constituem – segundo a qual a norma constante do art.º 410º do Código de Processo Penal
[recte, os seus números 1, 2 e 3] não enferma de contraditoriedade com quaisquer normas ou princípios constitucionais.
Essa jurisprudência, iniciada pelos Acórdãos números
322/93 (que analisou tal norma em conjugação com a ínsita no art.º 433º do mesmo diploma adjectivo), publicado na 2ª Série do Diário da República de 29 de Outubro de 1993, e 356/93, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 25º vol., 505 a 532, sempre permitiria perspectivar como simples a questão a decidir neste ponto e, em consequência, a, sobre ela, poder ser proferida decisão sumária, nos termos do n.º 1 do art.º 78º-A da Lei n.º 28/82, decisão essa que seria a de negar provimento ao recurso interposto pelos arguidos, na parte em que se reportam à apreciação do art.º 410º do Código de Processo Penal,
E idêntica sorte mereceria o recurso na parte relativa ao art.º 412º do citado código, quanto à exigência de indicação de normas jurídicas violadas nas conclusões da motivação de recurso que verse matéria de direito, na medida em que não foi julgada inconstitucional pelo Acórdão n.º 38/97, de 21 de Janeiro de 1997, relatado pelo ora relator no processo número 831/96, da 2ª secção, ainda inédito.
3. Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se os recorrentes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta'.
Dessa decisão reclamaram os recorrentes para a conferência, o que fizeram por intermédio de requerimento onde se limitaram a dizer:-
'E. O. e OUTROS, recorrentes nos autos de recurso à margem mencionados, tendo sido notificados da douta decisão sumária de fls. 172 e segs., vêm dela, ao abrigo do disposto no nº. 3 do artigo 78º.-A da LTC (redacção da Lei nº. 13-A/98 de 26 de Fevereiro), reclamar para a conferência'
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da manifesta e liminar rejeição da reclamação, já que os reclamantes não cumpriram, sequer, 'o ónus de impugnar a decisão reclamada, aduzindo razões ou argumentos que permitam pôr em causa o que nela se decidiu.' Cumpre decidir.
2. Talqualmente realça o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, os ora reclamantes não invocaram quaisquer razões, fundamentos ou considerações de onde, ao menos, se pudessem extrair os motivos da sua discordância com o que se consta da questionada decisão sumária, designadamente o seu conteúdo dispositivo. E, de outro lado, não vislumbra o Tribunal – suposto que isso lhe era permitido fazer em face de um requerimento consubstanciador da reclamação tal como o em apreço – que o que se contém naquela decisão, seja passível de censura.
Termos em que se indefere o solicitado, condenando-se o requerente nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 2 de Dezembro de 1998 Bravo Serra Maria Fernanda Palma Pereira José Manuel Cardoso da Costa