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Processo nº 36/99 Conselheiro Messias Bento
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. Empreendimentos H..., Ldª reclama do despacho de 12 de Novembro de 1998
(confirmado pelo acórdão de 15 de Dezembro de 1998), que não admitiu o recurso, que interpôs, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Outubro de
1998, a fim de que neste Tribunal fosse 'declarada a inconstitucionalidade do artigo 2º do Código Civil com referência ao Assento do STJ de 12/06/92 repercutido na interpretação do artigo 70º da Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças, interpretação essa materialmente inconstitucional por infringir o artigo 112º, nºs 1 e 6 da CRP na parte em que dá aos assentos força obrigatória geral'.
O Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação, dado que ela é – disse – manifestamente infundada, pois 'é evidente que o segmento normativo questionado pelo ora reclamante (já declarado, aliás, inconstitucional, com força vinculativa genérica) – o art. 2º do CC, enquanto conferia aos assentos carácter normativo e força vinculativa genérica – não foi aplicado na decisão que se pretendeu impugnar. A tese do reclamante funda-se, aliás, num evidente equívoco, que se traduz em supor erroneamente que a
‘inconstitucionalidade’ do instituto dos assentos teria determinado a impossibilidade de o STJ, na dirimição dos litígios submetidos à sua apreciação, aderir e aplicar soluções interpretativas que, ao longo dos anos, tinham sido consagradas em assento.
'Ora, limitando-se a decisão impugnada a valorar a doutrina contida no assento de 12/6/92 como ‘factor de uniformização jurisprudencial’, atribuindo-lhe o valor que lhe resulta do preceituado nos arts. 732º-A e 732º-B do CPC revisto, é evidente que lhe não está a conferir a ‘força obrigatória geral’, colidente com o preceituado no art. 112º, nºs 1 e 6, da CRP'.
2. Cumpre decidir.
II. Fundamentos:
3. A reclamação só deve ser deferida no caso de se verificarem os pressupostos do recurso interposto. Caso contrário, deve ela ser indeferida. Ou seja: a reclamação só deve deferir-se, se o artigo 2º do Código Civil ('com referência ao Assento do STJ de 12/06/92 repercutido na interpretação do artigo 70º da Lei Uniforme sobre as Letras e Livranças') tiver sido aplicado pelo acórdão recorrido, como sua ratio decidendi, 'na parte em que dá aos assentos força obrigatória geral', não obstante a recorrente ter suscitado a sua inconstitucionalidade, durante o processo.
Ora, tal como sublinha o Ministério Público, aquele normativo não foi aplicado pelo acórdão recorrido naquela dimensão considerada inconstitucional. De facto, nesse acórdão, escreveu-se: No caso, afirma-se emergir a inconstitucionalidade do facto de, no acórdão recorrido, se haver atribuído 'vinculação interpretativa' ao assento que cita. Ora, a este propósito, apenas se afirmou, no aresto, que desde o referido assento, 'deixou de haver dúvidas de que o prazo fixado no art. 70º da LULL está sujeito a interrupção, nos termos da lei civil geral'. Resulta daqui a ilação de que foi atribuído àquele acórdão, tirado pelo pleno, força obrigatória geral? Claro que não. Os assentos passaram a valer como factores de uniformização jurisprudencial. É nessa medida que deixou de haver as mencionadas dúvida quanto ao prazo do referido art. 70º.
E, em nota, acrescentou-se: Os assentos já proferidos têm o valor dos acórdãos proferidos nos termos dos artigos 732º-A e 732-B (art. 17º, 2, do DL nº 329-A/95).
Significa isto que a norma, que se pretende ver apreciada sub specie constitutionis, não foi aplicada pelo acórdão recorrido na parte em que atribuía aos assentos força obrigatória geral, ou seja, na medida em que estes eram fontes de direito, qualidade que perderam a partir do acórdão nº 743/96
(publicado no Diário da República, I série A, de 18 de Julho de 1996), que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 2º do Código Civil, 'na parte em atribui aos tribunais competência para fixar doutrina com força obrigatória geral'. (Este artigo 2º acabou por ser revogado pelo artigo 4º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro). O assento de 12 de Junho de 1992 tão-pouco foi aplicado enquanto instrumento dotado de força vinculativa – de uma força vinculativa que, após a prolação daquele acórdão nº 743/96, apenas obrigava os tribunais judiciais de 1ª e 2ª instâncias, enquanto tribunais que se integram numa hierarquia que tem na cúpula o Supremo Tribunal de Justiça. Tal assento foi aí aplicado com o valor dos acórdãos previstos nos artigos 732-A e 732-B do Código de Processo Civil, ou seja, dos acórdãos com que se visa a uniformização de jurisprudência, pois esse foi o valor que eles unicamente passaram a ter (cf. o artigo 17º, nº 2, do Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro). Dito de outro modo: o referido assento foi aplicado como mero precedente judicial qualificado, pois, como a outro propósito se sublinhou no acórdão nº 575/98 (por publicar), os acórdão que visam a uniformidade da jurisprudência passaram a ser obrigatórios apenas nos processos em que são tirados; fora dos respectivos processos, eles 'têm a autoridade e a força persuasiva que lhes advém do facto de serem decisões do Supremo Tribunal de Justiça, tiradas num julgamento ampliado de revista, isto é, feito pelo plenário das secções cíveis'.
Não tendo o acórdão recorrido aplicado a norma questionada com o sentido que a reclamante reputa inconstitucional, não se verifica o pressuposto do recurso que interpôs.
Há, por isso, que indeferir a reclamação.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, decide-se:
(a). indeferir a reclamação;
(b). condenar a reclamante nas custas, com quinze unidades de taxa de justiça.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1999 Messias Bento José de Sousa e Brito Luís Nunes de Almeida