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Processo nº 807/01 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I
1. - L..., invocando a qualidade de candidato pela CDU – Coligação Democrática Unitária, às eleições dos titulares do órgão autárquico Assembleia de Freguesia de Lagos (Santa Maria), de 16 de Dezembro de 2001, dirigiu-se ao Presidente do Tribunal Constitucional, em requerimento entrado na respectiva Secretaria no dia 20 desse mês, com o pedido de “anulação dos resultados do Apuramento Geral da Eleição dos Órgãos Autárquicos da referida freguesia, uma vez que de acordo com o artigo 5º do Decreto-Lei nº 169/99, de 18 de Setembro [...] o número de mandatos deverá ser de 13 e não 9, conforme se apresenta no Edital da referida Assembleia de Apuramento [...] porque o número de eleitores desta freguesia é superior a 5.000 [...]”.
Juntou, com o requerimento, cópias simples do texto pertinente da Lei nº 169/99, do edital de apuramento geral do concelho de Lagos e, bem assim, do Mapa nº 36-A/2001, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Setembro de 2001, no que lhe é relevante.
2. - O requerimento foi considerado como expressão idónea da vontade de interpor o recurso previsto no artigo 156º da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais – doravante, LEOAL – aprovada pelo nº 1 do artigo
1º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 Agosto.
Como tal, deu-se cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 159º desse diploma legal e, por iniciativa do relator, diligenciou-se no sentido de se obterem cópias autenticadas das actas do apuramento local da eleição dos órgãos da assembleia de freguesia de Lagos (Santa Maria) e da referente ao apuramento geral, bem como da relação completa de todas as listas admitidas a que se refere o nº 5 do artigo 29º da LEOAL.
3. - O Partido Social Democrata – PPD/PSD e o Partido Socialista responderam oportunamente.
Considera o primeiro que se violou o disposto no artigo
5º da Lei nº 169/99, uma vez que, tendo em conta o número de eleitores inscritos, os mandatos devem ser treze e não nove, enquanto o segundo argumenta que, não obstante assim dever ser, o certo é que as listas foram organizadas com vista a nove mandatos efectivos, como tais admitidas e publicadas, sem que tenha ocorrido qualquer reclamação, como o artigo 29º da LEOAL prevê, pelo que, transitada em julgado a decisão judicial que as aceitou e esgotada a fase processual de apresentação de candidaturas, deve negar-se provimento ao recurso.
4. - Em face do elementos constantes dos autos, verifica-se, no que ora interessa:
O resultado do apuramento geral da Assembleia Municipal de Lagos foi publicitado por afixação, no edifício dos Paços de Concelho, do edital a que se refere o artigo 150º da LEOAL no dia 19 de Dezembro de 2001 – dando o requerimento dirigido ao Tribunal Constitucional entrada, como se disse, no dia 20, ou seja, no decurso do prazo fixado pelo artigo 158º do mesmo diploma.
Na referida assembleia- e como consta da respectiva acta
– “o mandatário da CDU – (PCP/PEV) questionou o número de mandatos a atribuir
[no que respeita à Assembleia de Freguesia de Lagos – Santa Maria] em face do artigo quinto da Lei número cento e sessenta e nove barra noventa e nove, de dezoito de Setembro, tendo-se consultado o STAPE telefonicamente, que emitiu opinião no sentido de que a Assembleia de Apuramento Geral não detinha competência para sanar a irregularidade de processo de candidatura competindo-lhe apenas atribuir os mandatos (nove) em função do número de candidatos efectivos”.
Posteriormente, procedeu-se à distribuição dos mandatos pelas diversas listas, ficando a constar, no tocante àquela Assembleia de Freguesia:
“FREGUESIA DE SANTA MARIA:
.................................................................... Número de inscritos ............................................. 5144
................................ Número de votantes ............................................. 3163
................................ Número de votos em branco ................................ 80
................................ Número de votos nulos ........................................ 33
................................
Votos atribuídos: PPD/PSD ............................................................. 1262
................................ CDS/PP ............................................................... 79
................................ PS ........................................................................
1464 ................................ CDU .................................................................... 245
.................................
Distribuição dos Mandatos pelas diversas listas:
................................................... PPD/PSD ............................................................. 4
(2º, 4º, 6º, 8º) ......... PS ........................................................................
5 (1º, 3º, 5º, 7º, 9º) ....
Candidatos eleitos:
.................................................................................................
1º P... .......................... PS ...................................
2º C ............... PPD/PSD ........................
3º R... .......... PS ...................................
4º P.... ........................... PPD/PSD ........................
5º L.... .. PS ...................................
6º M.... ........................... PPD/PSD ........................
7º S... ......................... PS
....................................
8º M................. PPD/PSD.........................
9º J... ...................... PS ....................................”
O mandatário da lista da CDU apresentou uma reclamação do seguinte teor:
“JA..., mandatário das candidaturas da C.D.U. do Conselho de Lagos, vem reclamar ao abrigo do artº 143º da Lei Orgânica nº 1/2001, pelo facto de a mesma ter considerado como legal o apuramento final respeitante à Assembleia de Freguesia de Sta. Maria. Com efeito contrariamente ao previsto pela Lei, quer os partidos políticos quer o Tribunal (artº 25º e 26º da Lei nº 1/2001) consideraram como legal o número de candidatos apresentados – nove (9) – ao sufrágio, quando este número dever ser de – treze (13) -. Resulta desta situação uma ilegalidade perante a Lei em vigor, pelo que consideramos dever ser repetido, nesta freguesia o acto eleitoral, em conformidade com a Lei. Assim, apresentamos esta reclamação solicitando que a mesma seja enviada aos órgãos de decisão competentes.”
Foi, no entanto, entendido e deliberado o seguinte:
“A presente reclamação tem por objecto e com base numa irregularidade resultante de, no processo de apuramento das candidaturas não ter sido dada conformidade pelo Tribunal ao disposto no artigo quinto, número um da Lei número cento e sessenta e nove barra noventa e nove, de dezoito de setembro, no que concerne à Freguesia de Santa Maria e nos termos do artigo vigésimo sexto da Lei Orgânica, número um barra dois mil e um, de catorze de Agosto não ter convidado os mandatários das listas concorrentes a corrigirem as listas de candidatos aumentando os candidatos efectivos de nove para treze, vem pôr em causa o acto eleitoral no que respeita a esta Assembleia de Freguesia e solicitar que a mesma reclamação seja enviada aos órgãos de decisão competentes. Como resulta do teor da Lei Orgânica número um barra dois mil e um acima referida a presente Assembleia não tem competência para decidir a pretensão do reclamante nem tão pouco pode nesta fase sanar a irregularidade cometida, como aliás foi o entendimento do STAPE na informação transmitida exarada em acta. Pelo exposto foi deliberado proceder ao envio da presente reclamação ao STAPE cujo teor ficou exarado em acta, para os fins tidos por convenientes. Finalmente o Senhor Presidente proclamou os resultados do apuramento geral, dando cumprimento ao disposto nos artigos centésimo quinquagésimo e centésimo quinquagésimo primeiro da Lei Orgânica número um barra dois mil e um, de catorze de Agosto. Todas as deliberações foram tomadas por unanimidade, tal como aconteceu com a presente acta, que depois de lida, vai ser assinada por todos os membros da Assembleia de Apuramento Geral cujos trabalhos foram encerrados pelas vinte horas.”
5. - Nos termos do nº 2 do artigo 12º da LEOAL:
“2 – Para as eleições gerais o número de mandatos de cada órgão autárquico será definido de acordo com os resultados do recenseamento eleitoral, obtidos através da base de dados central do recenseamento eleitoral e publicados pelo Ministério da Administração Interna no Diário da República com a antecedência de 120 dias relativamente ao termo do mandato.”
Com este preceito – sem correspondência no diploma anteriormente vigente sobre esta matéria, o Decreto-Lei nº 701-B/76, de 29 de Setembro – pretendeu-se pôr termo às dúvidas então suscitadas a respeito do universo de eleitores a ser considerado para determinar a composição de cada
órgão autárquico (cfr., neste sentido, Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis – in Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais anotada e comentada, Lisboa, 2001, pág. 27).
Como se ponderou em recente acórdão deste Tribunal sobre uma situação similar – nº 599/01, de 28 de Dezembro último –, a variabilidade do número de eleitores recenseados impunha a fixação de uma data de referência e a publicação de um quadro oficial que, independentemente das actualizações verificadas, permitisse a definição daquele universo e, consequentemente, o número de mandatos a eleger.
Obviamente, essas data e quadro – ou mapa – devem anteceder a data que assinala o início do prazo para a apresentação das candidaturas, desde logo para permitir que as forças políticas concorrentes possam cumprir a obrigação de indicar candidatos em número igual ao dos mandatos a preencher no respectivo órgão e de suplentes.
Assim, como se escreve no citado acórdão nº 599/01, o nº
2 do artigo 12º prevalece, para efeito da composição dos órgãos autárquicos,
“sobre o número eventualmente diferente, que conste dos cadernos eleitorais de que dispõem as assembleias de apuramento; e nada em contrário resulta do disposto do artigo 146º, nº 1, alínea a), da mesma lei que limita a estabelecer, como uma das operações do apuramento geral, a verificação do número total de eleitores inscritos, não havendo aqui que atender ao referido mapa”, não sendo, na verdade, da competência da Assembleia de Apuramento Geral decidir sobre a composição (número de mandatos) do órgão autárquico em causa.
Ora, acontece que, no caso vertente, verifica-se que não foi tomado em consideração, no processo que culminou na publicação das listas de candidaturas, o Mapa nº 36-A/2001, que tornou público o número de eleitores inscritos no recenseamento eleitoral com vista às eleições para os órgãos das autarquias locais realizadas no passado dia 16 de Dezembro, número esse que é obtido através da base de dados central do recenseamento eleitoral, apurados de acordo com as circunscrições de recenseamento do território nacional, definidas nos termos do artigo 8º da Lei nº 13/99, de 22 de Março.
Com efeito, no tocante à freguesia de Lagos (Santa Maria) o total de eleitores constante do aludido Mapa é de 5105, pelo que, por força do já citado nº 1 do artigo 5º da Lei nº 169/99, a respectiva assembleia de freguesia deve ser constituída por 13 membros e não por 9, como foi, número esse correspondente a um corpo eleitoral igual ou inferior a 5000 e superior a
1000 eleitores.
O que significa que assiste razão ao recorrente.
Circunscrevendo-nos, sempre, ao caso dos autos, mostram-nos ainda estes, atentos os elementos que oportunamente se requisitaram, que as forças políticas concorrentes às eleições para a freguesia em causa, apresentaram listas de candidatos com nove efectivos e três suplentes.
A conversão dos votos expressos em mandatos fez-se de acordo com o método de representação proporcional correspondente à média mais alta de Hondt, de acordo com o disposto no artigo 13º da LEOAL, o que deu, para um colégio de 9 membros, uma distribuição de mandatos que originou a atribuição de cinco mandatos para o Partido Socialista (1º, 3º, 5º, 7º e 9º) e quatro para o Partido Social Democrata (2º, 4º, 6º e 8º).
No entanto, a distribuição de mandatos é diferente, se se considerar o número legal de 13.
Sem competir ao Tribunal Constitucional proceder às operações que à Assembleia de Apuramento Geral pertencem, de distribuição de mandatos por 13, o certo é que a observância do método legal de distribuição de mandatos repercute-se no resultado geral da eleição para o órgão autárquico em causa, cabendo um mandato à coligação eleitoral pela qual o recorrente é candidato e cabeça de lista.
O que implica a anulação do anteriormente deliberado de modo a proceder-se à distribuição de mandatos, tendo em conta ser de 13 o número de mandatos a distribuir na composição da Assembleia de Freguesia.
E nem se diga que a decisão de admissão de candidaturas constitui caso julgado quanto à questão que agora se está a tratar na medida em que ela apenas faz caso julgado quanto à admissibilidade das candidaturas com um número irregular de membros.
6. - Em face do exposto, decide-se, concedendo provimento ao recurso, anular a deliberação da Assembleia de Apuramento Geral das Eleições para os Órgãos das Autarquias Locais na área do município de Lagos, na parte em que fixou em 9 o número de mandatos a distribuir na eleição para a Assembleia de Freguesia de Lagos (Santa Maria), devendo a mesma proceder a nova distribuição, tendo em conta que aquele órgão autárquico é composto por 13 membros.
Lisboa, 3 de Janeiro 2002 Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa