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Processo nº 523/98
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1- Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra (Secção Social), em que é recorrente J... e recorrido o Estado Português, representado pelo Ministério Público, apresentou a recorrente alegações neste Tribunal Constitucional, fazendo-as acompanhar de um requerimento subordinado à epígrafe
'Questão Prévia – Da dispensa da multa devida pela interposição no terceiro dia
útil após o termo do prazo do presente requerimento', sustentando que
'encontra-se carenciado de meios económicos que lhe permitam custear as despesas com o pleito' e requerendo a dispensa 'do pagamento dessa multa', ou, em alternativa, 'a sua redução ao montante mínimo possível, nos termos facultados pelo disposto no art. 145º, nº 7 do C.P.C., atenta a sua situação económica, e/ou diferir no tempo o seu pagamento'.
2- Relativamente a esse requerimento, manifestou-se o Ministério Público no sentido de que 'deverá ser rejeitado o pedido', invocando o seguinte:
'A circunstância de uma das partes beneficiar de apoio judiciário não faculta, só por isso, ao respectivo mandatário, a automática concessão da prorrogação de prazo, decorrente do preceituado no art. 145º, nº 5, do CPC sem pagamento da sanção pecuniária ai prevista – sendo aliás, manifesto que a faculdade, outorgada ao Tribunal pelo nº 7 de tal preceito tem natureza claramente excepcional. Limitando-se o mandatário da A. a invocar o referido benefício do apoio judiciário sem curar de alegar e indiciar circunstâncias excepcionais que impliquem a pretendida redução ou dispensa da multa devida, deverá ser rejeitado o pedido'.
3- Foi este entendimento do Ministério Público acolhido no despacho do Relator, indeferindo-se, por consequência, o requerido pela recorrente, 'à semelhança do processado nas instâncias', e ordenando-se à Secretaria o 'cumprimento do disposto no nº 6 do mesmo artigo 145º'.
4- Feita a liquidação e notificada a recorrente, esta não pagou o devido e, não se conformando com aquele despacho, veio 'interpor reclamação para a Exmª Conferência', nos termos a seguir transcritos:
'1-Conforme resulta dos autos e apenso, designadamente dos arts 28º ao 33º da p.i., a ora requerente encontra-se carenciado de meios económicos que lhe permitam custear as despesas com o pleito, pelo que,
2-Em tempo foi-lhe concedido o benefício do apoio judiciário, designadamente na modalidade de nomeação de patrono. razão porque,
3-A interessada podia ter optado por requerer o patrocínio judiciário do Ministério Público.4-Nestas circunstâncias. a ora reclamante, se estivesse representada em juízo pelo Digmº Magistrado do Mº Pº. estava dispensada do pagamento da multa prevista no art. 145º nº 5 ou 6 do CPC (V. neste sentido o Ac. da RL. de 12.12.1973, in BMJ 232º/164, o Ac. da RL. de 02.07.1991, in BMJ
409º/863, o Ac. do STJ de 13.01.89., i n BMJ 329º/723. e o Ac. do STA de
26.04.88. in BMJ 376º/627).
5-Assim sendo, não se vislumbra razão plausível para que a ora reclamante, estando representada por defensor oficioso, não possa beneficiar de idêntico benefício, ainda que por interpretação analógica ou extensiva.
6-Conforme sustenta J. Pereira Baptista in 'Reforma do Processo Civil – Princípios Fundamentais', 1997, pág. 51. nota 94, o disposto no art. 145º nº 7 do CPC não tem natureza excepcional ao contrário do considerado no douto Despacho sob reclamação, mas sim uma «emanação do princípio geral do art. 3ºA e. por consequência. será aplicável a todas as situações processuais congéneres».
7-Por outro lado, a jurisprudência dos Tribunais Superiores tem considerado que a assistência judiciária pode abranger a dispensa de pagamento imediato da multa prevista no art. 145º nº 5 do C.P.C. em virtude de corresponder a uma regra de direito natural e por estar de harmonia com o disposto nos arts. 13º nº 2 e 20º nº 1 da C.R.P. (V. neste sentido o Ac. do STA de 07.05.92. in rec. nº 30.171) e art. 145º nº 7 do CPC (V neste sentido o Acórdão do STJ de 22.10.97, in rec. nº
62/97. da 4ª Secção).
8-Seja como for, o certo é que a ora reclamante, no seu requerimento de fls ... dos autos. invocou de forma iniludível a situação de carência económica em que se encontra. tendo inclusive solicitado em alternativa à dispensa do pagamento da multa em causa a redução do seu montante ao mínimo possível e/ou diferir no tempo o seu pagamento, nos termos facultados pelo disposto no art. 145º nº 7 do C.P.C., o que foi liminarmente indeferido.
9-Não obstante, o montante da multa a liquidar é o prescrito no art. 145º nº 5 do CPC e não o descrito no art. 145º nº 6 do CPC. ao contrário do decidido no douto Despacho sob reclamação. porquanto,
10- Foi a interessada que tomou a iniciativa de requerer a dispensa do pagamento da multa em causa, a solicitar a redução do seu montante ao mínimo possível e/ou a peticionar o diferimento no tempo do seu pagamento, nos termos facultados pelo disposto no art. 145º nº 7 do CPC, e não a Secretaria do processo a detectar a falta de pagamento dessa multa nos termos previstos no art. 145º nº 6 do CPC.
11- Não faria qualquer sentido que a ora reclamante tivesse de requerer a dispensa do pagamento da multa em causa. de solicitar a redução do seu montante ao mínimo possível e/ou de peticionar o diferimento no tempo do seu pagamento, nos termos facultados pelo disposto o art. 145º nº 7 do CPC, e, simultaneamente, tivesse de proceder ao pagamento imediato da multa prescrita no art. 145º nº 5 do CPC como forma de evitar o seu agravamento nos termos do art. 145º nº 6 do CPC.
12-Nesta eventualidade, a sua pretensão certamente acabaria por ser indeferida com fundamento no facto de, afinal. poder pagar a multa em causa, tanto assim que tinha efectuado esse pagamento.
13-Assim sendo, o montante da multa devido in casu é o previsto o art. 145º nº 5 do CPC e não o previsto no art. 145º nº 6 do CPC. ao contrário do decidido no douto Despacho sob reclamação, pelo que padece nesta parte, de nulidade que ora vem arguir.
14-Caso assim não se entenda, o que se considera por mera cautela e sem conceder, a notificação da Secretaria do processo de 6.11.981, para proceder ao pagamento da multa em causa através de guias que devem ser solicitadas na respectiva Secção, padece também de nulidade em virtude de com ela não terem sido remetidas as necessárias guias de depósito nos ternos prescritos no art.
126º nº 2 do C.C.J. (Doc.A), o que constitui nulidade que ora vem arguir nos termos previstos nos arts. 161º nº 6, 201º e 205º nºs l e 2 do CPC. Nestes termos e com o douto suprimento de V. Exªs, requer se dignem dar provimento à presente reclamação, revogando o douto Despacho sob reclamação e dispensando a requerente do pagamento da multa em causa ou, em alternativa, requer se dignem determinar a sua redução ao montante mínimo possível, nos termos facultados pelo disposto no art. 145º nº 7 do C.P.C., atenta a sua situação económica, e/ou diferir no tempo, o seu pagamento, bem assim, julgar procedentes as arguidas nulidades'.
5- Em resposta à reclamação veio o Ministério Público dizer que 'o simples facto de certa parte gozar do benefício do apoio judiciário não lhe outorga, sem mais, o direito de praticar actos processuais para além do respectivo prazo peremptório, estando automaticamente dispensada das sanções processuais genericamente aplicáveis', não se vendo 'qualquer razão para alterar o decidido'
('atento designadamente o montante da multa e a ausência de concreta invocação de factos que demonstrem estar o recorrente efectivamente impossibilitado de a poder satisfazer sem sacrifício desproporcionado'). E acrescenta o Ministério Público:
'3º - Afigura-se, porém, que a multa a liquidar será efectivamente a prevista no nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil: na verdade, a improcedência do pedido de dispensa ou redução da multa não deve conduzir ao seu agravamento, funcionando a situação prevista no nº 6 daquele preceito para os casos em que a parte terá procurado 'ocultar' que pratica o acto para além do prazo peremptório.
4º - Termos em que deverá, a nosso ver, proceder parcialmente a reclamação deduzida, mantendo-se a decisão de cominar ao recorrente a multa a que alude o nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil'.
6- Vêm agora os autos à conferência, nos termos do disposto no artigo 700º, nº
3, do Código de Processo Civil, cumprindo decidir. Não tendo sido postergados na presente reclamação os fundamentos em que assentou o decidido no despacho reclamado, quanto a saber se a recorrente teria o direito de apresentar as alegações de recurso nas circunstâncias em que o fez, sem pagar a multa cominada na lei, há apenas que confirmar esse despacho neste ponto. Aceita-se, porém, como razoável, talqualmente sugere o Ministério Público, e pelas razões que invoca, que aquela multa 'será efectivamente a prevista no nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil', deferindo-se neste aspecto a reclamação sendo certo que o decidido no despacho reclamado nunca constituiria nulidade.
7- Termos em que, DECIDINDO, atende-se parcialmente a reclamação e determina-se o cumprimento do artigo 145º, nº 5, do Código de Processo Civil, quanto ao pagamento da multa. LX.16.12.98 Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa