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Processo nº 819/01 Plenário Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
1. - H..., invocando a qualidade de mandatário do Partido Socialista às eleições autárquicas de 16 de Dezembro último, no município da Lousã, interpôs recurso contencioso, previsto no artigo 156º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (doravante, LEOAL), aprovada pelo nº 1 do artigo 1º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, dos resultados finais do acto eleitoral, obtidos na respectiva Assembleia de Apuramento Geral, por considerar que esta teve como nulos vários votos que, no entanto, em seu entender, foram expressos de forma inequívoca, desde logo tendo lavrado os respectivos protestos.
Para o recorrente, não foram considerados como válidos, conforme decorre da documentação que junta, vários votos no Partido Socialista, relativos à mesa nº 1 da assembleia de voto da freguesia de Foz de Arouce
(eleição para a assembleia de freguesia), mesa 1 da mesma freguesia (para a Câmara Municipal), mesa 1 de Levegadas (Câmara Municipal), mesa 1 da freguesia das Gândaras (Câmara Municipal), mesa 1 da mesma freguesia (Assembleia Municipal) e mesa 1 da freguesia da Lousã (Assembleia Municipal).
Com efeito, defende, os respectivos boletins de voto –em número de 6 – evidenciam o “claro propósito de votação nas listas do Partido Socialista [...] pese embora o facto de a cruz que assinala a vontade do eleitor se encontra[r] fora do quadrado destinado a tal fim, mas pelo contrário se encontrar aposta sobre o símbolo do próprio partido”.
Esta invalidação, “que altera os resultados finais”, deve ser considerada de modo a terem-se como validamente expressos os votos em referência.
Com o pedido, juntou o recorrente: certidão emitida pelo notário privativo da Câmara Municipal da Lousã, da acta da assembleia de apuramento geral das eleições autárquicas, na área do município, prevista nos artigos 141º e seguintes da LEOAL, acompanhada de fotocópia autenticada dos seis protestos dirigidos à Presidente daquela Assembleia, relativos aos mencionados votos que esse órgão considerou inválidos” o que altera o resultado eleitoral decorrente dos apuramentos parciais” para os órgãos autárquicos citados; certidão emitida pela mesma entidade dos seis votos considerados nulos, com menções de protesto exaradas no verso deles; cópia autenticada dos editais de apuramento local das Assembleias de Freguesia de Serpins, Vilarinho, Lousã, Gândaras, Foz de Arouce, Casal de Ermio e, bem assim, do edital do apuramento geral do concelho da Lousã.
2. - O edital contendo os resultados do apuramento geral foi afixado, no átrio do edifício da Câmara Municipal, pelas 14 horas do dia 20 de Dezembro.
O requerimento de interposição do recurso deu entrada na Secretaria do Tribunal Constitucional pelas 14,40 horas do dia 21 de Dezembro, ou seja, no prazo previsto no artigo 158º da LEOAL.
Foi dado cumprimento ao disposto no nº 3 do artigo 159º deste diploma legal sem que tivesse havido resposta alguma.
3. - Resulta dos autos que, na reunião da Assembleia de Apuramento Geral do concelho da Lousã, ocorrida em 18 de Dezembro de 2001, ficou maioritariamente estabelecido, como critério de apreciação da validade dos boletins de voto, que “a aposição de uma cruz sobre o símbolo partidário poderá eventualmente ter um sentido depreciativo, e, como é possível verificar em alguns dos votos nulos, frequentemente tal acontece [pelo que se entende] que a cruz deverá de alguma forma tocar o quadrado inserido no boletim de voto de forma a se considerar que existe uma vontade inequívoca da expressão de voto em determinado sentido”, razão pela qual se consideraram nulos os votos protestados em referência.
Ora, do exame dos seis boletins de voto, protestados na oportunidade, apura-se que nos mesmos não se encontra aposta, na quadrícula correspondente ao Partido Socialista, qualquer cruz, sendo esta assinalada – ou um mero traço – sobre o símbolo desse partido político.
Coloca-se, assim, o problema da validação de boletins de voto em que a intenção do eleitor foi expressa mediante a aposição de uma cruz sobre o símbolo do partido coligação ou grupo de cidadãos concorrente.
O que já foi objecto de decisões deste Tribunal.
4. - Nos termos do disposto no nº 4 do artigo 115º da LEOAL, o eleitor “assinala com uma cruz, em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota”, deste modo exprimindo a sua vontade.
E, de acordo com o artigo 133º, no seu nº 1, é considerado nulo o voto correspondente ao boletim no qual tenha sido assinalado mais de um quadrado, no qual haja dúvidas quanto ao quadrado assinalado, no qual tenha sido assinalado o quadrado correspondente a uma candidatura que tenha sido rejeitada ou desistido das eleições, no qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura, no qual tenha sido escrita qualquer palavra.
O que significa, como se observou em acórdão deste Tribunal, que a lei não deixa à liberdade do eleitor o modo de assinalar o seu voto (cfr. acórdão nº 326/85, publicado no Diário da República, II Série, de 16 de Abril de 1986), sendo a declaração de vontade em que se traduz o voto feita através da aposição de uma cruz no quadrado que se deseja assinalar, assim se cumprindo a função identificadora do boletim (cfr. acórdãos nºs. 319/85 e
320/85, publicados no citado jornal oficial, II Série, de 15 de Abril de 1986).
Assim, e de acordo com a jurisprudência uniforme deste Tribunal, a função identificadora da cruz só será cumprida se esta se encontrar no quadrado correspondente à candidatura concorrente e não em qualquer outro local do boletim (cfr. acórdãos citados e, entre outros, os nºs. 614/89, 862/93,
864/93, 725/97 e 734/97, publicados no Diário citado, II Série, de 9 de Abril de
1990, 10 de Maio e 31 de Abril de 1994, 4 e 5 de Fevereiro de 1998, respectivamente). Nomeadamente, quando a cruz é aposta no próprio símbolo do partido, coligação ou grupo de cidadãos concorrente, em que se pretende votar
(sobre a situação similar à dos autos versaram os acórdãos nºs. 863/93 e 734/97, já citados, e o recente nº 602/01, votado em 28 de Dezembro último, ainda inédito).
Como se escreveu no citado acórdão nº 734/97, a lei estatui de forma rigorosa o modo de expressar o voto de cada eleitor, sendo certo que é constitucionalmente lícito condicionar o exercício do direito de sufrágio, como direito fundamental de natureza política, a certos formalismos, desde que previstos na lei (como ocorre com o artigo 133º da LEOAL), importando observar que a aposição da cruz sobre o símbolo do partido concorrente é ambígua, uma vez que pode ser interpretada “depreciativamente”, para utilizar os termos usados na deliberação da Assembleia Geral de Apuramento, ou, mais claramente, como sinal de repúdio e eliminação dessa força política.
5. - Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa,3 de Janeiro de 2002- Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa