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Processo n.ºs 803/01 e 806/01 Plenário Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam, em sessão plenária, no Tribunal Constitucional: I. Relatório
1.Em 20 de Dezembro de 2001, R..., na qualidade de mandatário do Partido Socialista (PS) às eleições autárquicas de 16 de Dezembro de 2001, no município de Idanha-A-Nova, interpôs, ao abrigo do artigo 158º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais (LEOAL, aprovada pela Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto), recurso contencioso, para o Tribunal Constitucional, da deliberação tomada pela assembleia de apuramento geral do dito município, quanto à consideração como nulos de 22 votos (4 para a Assembleia de Freguesia de Zebreira, 1 para a Assembleia de Freguesia de Monfortinho, 1 para a Assembleia de Freguesia de Segura, 6 para a Assembleia Municipal e 10 para a Câmara Municipal de Idanha-A-Nova). Segundo o recorrente, “não obstante em tais boletins de voto não terem sido exaradas, dentro do respectivo quadrado, cruzes perfeitamente marcadas, o que é certo, é que tais boletins demonstram perfeitamente um inequívoco assinalamento da vontade dos eleitores em votarem a favor do Partido Socialista.” Juntou cópia da acta da assembleia de apuramento geral do referido município, com cópia autenticada dos votos controvertidos, procuração e duplicados. Na mesma data, também João Paulo Sousa e Silva Zbyszewski, na qualidade de representante do Partido Social Democrata (PPD/PSD) às mesmas eleições autárquicas, interpôs, invocando o disposto nos artigos 156º e 157º da mesma Lei, recurso da decisão da dita assembleia de apuramento geral no sentido de considerar como nulos 18 votos (1 para a Assembleia de Freguesia de Monfortinho,
14 para a Câmara Municipal e 3 para a Assembleia Municipal de Idanha-A-Nova), por motivos diversos, mas que se podem agrupar da seguinte forma: boletins de voto assinalados no quadrado reservado ao PPD/PSD, mas sem uma intersecção de linhas; boletins de voto assinalados no quadrado reservado ao PPD/PSD e com um pequeno traço noutro quadrado; boletins de voto assinalados no quadrado reservado ao PPD/PSD e com um traço junto ao símbolo do PS; boletins de voto assinalados fora do quadrado, mas na linha correspondente ao PPD/PSD; boletins de voto assinalados sobre o símbolo do PPD/PSD. O recorrente afirma que em todos os boletins de voto em causa se encontrava “assinalada inequivocamente a vontade do eleitor”, e que deve ser este “o elemento central da decisão de validação de um voto.” Juntou cópia do edital de afixação do resultado da assembleia de apuramento geral de Idanha-A-Nova e requereu ao Tribunal Constitucional que, nos termos do n.º 1 do artigo 159º da LEOAL, solicitasse os votos reclamados, bem como o edital de afixação do resultado da assembleia de apuramento geral de Idanha-A-Nova.
2.Por despacho do Ex.mº Consº Presidente deste Tribunal, foram os autos do segundo recurso incorporados no primeiro. Notificados os representantes dos partidos políticos e grupos de cidadãos eleitores concorrentes, nos termos do n.º 3 do artigo 159º da LEOAL, nada vieram dizer. Recebidos os elementos solicitados pelo representante do PPD/PSD, e analisados estes e os demais dados do processo, cumpre decidir. II. Fundamentos A) O recurso do Partido Socialista
3.Os recursos foram interpostos tempestivamente e por quem dispunha de legitimidade para o fazer, na sequência de protestos atempadamente apresentados e lavrados em acta. Resulta da acta da assembleia de apuramento geral que a reclamação relativa aos votos controvertidos num dos recursos foi apresentada por R..., “na qualidade de representante da candidatura do Partido Socialista à Câmara Municipal de Idanha-A-Nova” (sublinhado aditado), sendo certo, porém, que foram igualmente objecto de protesto votos para assembleias de freguesia e para a Assembleia Municipal de Idanha-A-Nova. Considerando que o artigo 143º da LEOAL confere o
“direito de assistir, sem voto, aos trabalhos da assembleia de apuramento geral, bem como de apresentar reclamações, protestos ou contraprotestos” aos
“representantes das candidaturas”, poderia questionar-se se a reclamação foi, nessa parte, apresentada por pessoa para tal legitimada, e com direito a assistir aos trabalhos da assembleia de apuramento geral relativa às eleições para os órgãos daquelas autarquias, e se, consequentemente, se verifica o correspondente pressuposto para o presente recurso (cfr. o artigo 157º da LEOAL). Todavia, entende-se que a análise desta questão está precludida pelo facto de as reclamações apresentadas pela pessoa em questão terem sido aceitas, também relativamente às eleições para a Assembleia Municipal e para as assembleias de freguesia. Importa, pois, apreciar o recurso do PS, em toda a sua extensão.
4. Começando pela parte relativa a votos para a Câmara Municipal (10 votos reclamados), a sua análise permite distinguir as seguintes situações: a) boletins de voto assinalados com um único traço no quadrado reservado ao PS (assim, os de fls. 89, 93, 94 e 95, em anexo à acta da assembleia de apuramento geral); b) boletins de voto assinalados com uma cruz no espaço em branco, na linha correspondente ao PS (fls. 90 do mesmo documento); c) boletins de voto assinalados com uma cruz sobre o símbolo do PS (fls.
91, 92, 96 e 97 do referido documento); d) boletim de voto assinalado com duas cruzes, uma das quais no quadrado reservado ao PS, e outra no espaço em branco, na linha correspondente ao mesmo partido (fls. 98 do mesmo documento). Ora, o artigo 115º, n.º 4, da LEOAL estabelece que o modo de votação de cada eleitor consiste em assinalar “com uma cruz, em cada boletim de voto, no quadrado correspondente à candidatura em que vota” (itálicos aditados). Assim, pode concluir-se que o recurso não pode receber provimento em relação aos boletins de voto correspondentes às alíneas a), b) e c), nas situações acabadas de elencar. E no mesmo sentido depõe o artigo 133º, n.º 2, da mesma Lei, a contrario: se a cruz imperfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado não determina a nulidade do boletim de voto, desde que assinale inequivocamente a vontade do eleitor, a inexistência de uma cruz, ou a sua colocação no exterior do quadrado, ainda que pudesse revelar inequivocamente a vontade do eleitor, não deixa de acarretar a nulidade do voto, sob pena de se estar “a fazer uma interpretação correctiva da lei”, “subvertendo-se o princípio aceite de que «a lei não deixa à liberdade do eleitor o modo de assinalar o seu voto» (formulação do [...] Acórdão n.º 326/85”, como se pode ler no acórdão n.º 734/97, in DR, II série, de
5 de Fevereiro de 1998, e já antes se decidira no citado acórdão n.º 326/85, sendo certo que a doutrina destes arestos, muito embora referidos ao disposto no Decreto-Lei n.º 701-B/76, de 29 de Setembro (a anterior lei eleitoral dos órgãos das autarquias locais), permanece válida, dada a similitude das disposições normativas relevantes. Quanto ao boletim de voto na situação referida supra na alínea d), dispõe o artigo 133º, n.º 1, alínea d), da LEOAL (correspondente ao disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 85º do citado Decreto-Lei n.º 701-B/76), que se considera
“voto nulo” o correspondente ao boletim “no qual tenha sido feito qualquer corte, desenho ou rasura”. A inclusão de qualquer desenho no boletim de voto torna, pois, este nulo. Ora, como se decidiu no acórdão n.º 438/2000 (DR, II série, de 20 de Novembro de
2000), invocando, aliás, o anteriormente decidido no acórdão n.º 614/89 (DR, II série de 9 de Abril de 1990), “as cruzes adicionais assinaladas nos votos agora em apreciação não podem deixar de ser consideradas desenhos para os efeitos previstos no referido preceito, já que, pelo menos objectivamente, retiram ao boletim de voto a função exclusiva de manifestação do voto e da correspondente intencionalidade. (...) Em suma, não se pode inferir de modo inequívoco qual é o significado do desenho de duas cruzes num boletim de voto ainda que elas se circunscrevam ao espaço global do mesmo partido.” E isto, note-se, ainda que se esteja perante circunstância – como poderão ser as dos autos – em que não se afigura que está em causa a protecção apenas do secretismo do voto. O voto referido não pode, pois, deixar de ser considerado nulo. Conclui-se, pois, que improcede o recurso interposto pelo mandatário do PS em Idanha-A-Nova, no que toca a votos para a respectiva Câmara Municipal.
5. No que toca aos votos para a Assembleia Municipal de Idanha-A-Nova objecto de protesto e de recurso (seis votos, cuja cópia consta de fls. 83 a 88 do anexo à acta da assembleia de apuramento geral), podemos distinguir as seguintes situações: a) dois boletins de voto assinalados com um único traço no quadrado reservado ao PS (assim, os de fls. 84 e 85, em anexo à acta da assembleia de apuramento geral); b) um boletim de voto assinalado com uma cruz sobre o símbolo do PS (fls.
86 do referido documento); c) três boletins de voto assinalados no quadrado reservado ao PS, com figuras diversas constantes de linhas (circulares e rectas) que se intersectam
(fls. 83, 87 e 88 do mesmo documento). Ora, pelas razões aduzidas no número anterior, logo se deixa ver que o recurso não pode proceder no que respeita aos votos descritos nas alíneas a) e b) – ou seja, marcados com um único traço no quadrado do PS ou com uma cruz sobre o símbolo deste partido. Quanto aos votos referidos na alínea c), impõe-se considerá-los individualmente. O primeiro boletim de voto referido (fls. 83, do referido anexo) apresenta uma linha circular , que no seu lado direito, todavia, fecha intersectando a parte inferior da linha e passando para além dela. Independentemente de se entender que a figura em causa não corresponde a qualquer forma convencional de cruz, o que é certo é que contém duas linhas que se intersectam. Afigura-se, por outro lado, que, apesar desta imperfeição de desenho, a intenção do eleitor está inequivocamente assinalada. Este voto deve, pois, ser considerado válido. No boletim de voto cuja cópia se encontra a fls. 87 do citado anexo reconhece-se uma cruz, embora na sua parte superior se encontre um conjunto de riscos, tudo ainda dentro do quadrado correspondente ao PS. Afigura-se também ainda que a intenção do eleito foi inequivocamente assinalada, apesar da imperfeição do desenho. E o mesmo se pode dizer ainda da do boletim de voto de fls. 88 do anexo referido, em que existe também uma cruz, embora composta de pelo menos três traços verticais e outros tantos horizontais (como se fossem várias cruzes quase sobrepostas). Este dois votos são, pois, de considerar válidos (aliás, segundo o próprio critério adoptado a fls. 2 da acta da assembleia de apuramento geral:
“serão considerados válidos todos os boletins de voto que estejam assinalados com uma cruz situada no interior do respectivo quadrado, seja qual for a sua forma e extensão”). O recurso do PS relativamente a votos para a Assembleia Municipal merece, pois, provimento quanto a 3 votos, cuja cópia consta de fls. 83, 87 e 88 do anexo à acta da assembleia de apuramento geral.
6. Restam, como objecto do recurso do PS, os votos para as assembleias de freguesia de Zebreira (quatro votos), Segura (um voto) e Monfortinho (um voto), cuja cópia se encontra de fls. 77 e 82 do anexo à acta da assembleia de apuramento geral. Destes, porém, o recurso não merece provimento relativamente aos boletins de voto para as duas primeiras assembleias de freguesia referidas. Trata-se, na verdade, ou de boletins de voto assinalados com um único traço oblíquo dentro do quadrado correspondente ao PS, mas sem qualquer outra linha ou intersecção que permita ainda divisar uma qualquer forma de cruz (assim, os três boletins de voto para a Assembleia de Freguesia de Zebreira e o boletim de voto para a Assembleia de Freguesia de Segura, respectivamente a fls. 78, 79, 80 e 81 do referido anexo), ou de um boletim de voto assinalado com uma cruz sobre o símbolo do PS (o boletim de voto para a Assembleia de Freguesia de Zebreira cuja cópia consta de fls. 77). Pelas razões já referidas, tais votos devem ser considerados nulos. Já o mesmo, porém, não pode dizer-se do boletim de voto para a Assembleia de Freguesia de Monfortinho, cuja cópia se encontra a fls. 82, assinalado, dentro do quadrado correspondente ao PS, com uma espécie de “V” inclinado, em que as pontas de ambos os segmentos de recta se intersectam. Apesar da manifesta imperfeição do desenho por comparação com uma cruz típica, ainda neste se deve considerar inequivocamente assinalada, dentro do quadrado respectivo, a intenção do eleitor. Este voto deve, pois, ser considerado válido. Podendo, assim, concluir-se que o recurso do PS relativo a votos para as Assembleias de Freguesia de Zebreira, Segura e Monfortinho apenas merece provimento quanto ao boletim de voto para esta última assembleia. B) O recurso do Partido Social Democrata
7. O recurso interposto pelo representante do PPD/PSD diz respeito a 18 boletins de voto que se podem agrupar da seguinte forma: a) boletins de voto assinalados no quadrado reservado ao PPD/PSD, que não correspondem a uma cruz perfeitamente desenhada (fls. 59, 61, 62, 64, 65, 69,
70, 73 e 76 do anexo à acta da assembleia de apuramento geral e anexo III do recurso); b) boletins de voto assinalados no quadrado reservado ao PPD/PSD e com um leve traço no quadrado reservado a outro partido (fls. 71, 72 e 75 do anexo à mesma acta e anexo IV do recurso); c) boletim de voto assinalado no quadrado reservado ao PPD/PSD e com um traço junto ao símbolo do PS (fls. 67 do anexo à referida acta e anexo V do recurso – que o próprio recorrente admite que pode ser incluído na categoria descrita na alínea anterior); d) boletins de voto assinalados fora do quadrado (fls. 60, 63, 68 e 74 do anexo à acta da assembleia de apuramento geral e anexo VI do recurso); e) boletim de voto assinalado sobre o símbolo do PPD/PSD (fls. 66 do anexo à referida acta e anexo VII do recurso)
8. Para os boletins de voto nas situações acabadas de indicar nas alíneas d) e e), valem integralmente as considerações feitas a propósito do recurso apresentado pelo mandatário do PS (cfr. também o acórdão n.º 725/97, in DR, II série, de 4 de Fevereiro de 1998). Pelo que tais votos devem ser considerados nulos.
9. Só não é assim também em relação aos boletins de voto na situação referida no número anterior na alínea a), porque se deve distinguir nestes entre aqueles em que não existe qualquer intersecção de linhas dentro do quadrado (o caso dos votos de fls. 61, 64, 65 e 69 do anexo à acta de apuramento geral) e os restantes. Em relação aos primeiros, vale igualmente o que se disse supra, não podendo considerar-se que exista uma cruz, e, portanto, que o voto seja válido. Já em relação aos restantes – os de fls. 59, 62, 70, 73 e 76 do anexo à acta da assembleia de apuramento geral –, impõe-se uma apreciação mais detalhada, caso a caso. Assim, o primeiro boletim de voto referido (fls. 59, do referido anexo) apresenta um segmento de recta de inclinação positiva, mas dois traços de inclinação negativa, paralelos, que intersectam aquele segmento, formando no conjunto como que um sinal de desigualdade todo ele inclinado. Uma das intersecções fica no limite do quadrado, enquanto a outra se situa claramente no seu interior. Pode admitir-se, assim, que o eleitor tenha querido corrigir a imperfeição do primeiro traço. Em todo o caso, existe uma intersecção de segmentos de recta dentro do respectivo quadrado, e a vontade do eleitor está inequivocamente assinalada. Tal voto, para a Assembleia de Freguesia de Monfortinho, deve, pois, ser considerado válido, de acordo com o artigo 133º, n.º 2, da LEOAL (e, aliás, segundo o próprio critério adoptado a fls. 2 da acta da assembleia de apuramento geral: “serão considerados válidos todos os boletins de voto que estejam assinalados com uma cruz situada no interior do respectivo quadrado, seja qual for a sua forma e extensão”). O segundo boletim (fls. 62 do mesmo anexo) está assinalado com uma espécie de
“V” inclinado, em que as pontas de ambos os segmentos de recta se intersectam dentro do quadrado correspondente ao PSD, prolongando-se para fora deste uma das extremidades do sinal nele aposto. E, também aqui, se deve considerar inequivocamente assinalada, dentro do quadrado respectivo, a intenção do eleitor. Este voto deve, pois, ser considerado válido. O terceiro boletim (fls. 70 do mesmo anexo) apresenta um feixe de traços de inclinação negativa, convergentes, porém, num traço comum. Ainda que tal não corresponda a qualquer forma típica ou convencional de cruz, é possível divisar pelo menos um ponto de intersecção entre as linhas, estando a vontade do eleitor também inequivocamente assinalada. Também neste caso, portanto, o critério adoptado pela lei deve conduzir ao reconhecimento como válido deste voto para a Câmara Municipal. O quarto boletim (fls. 73 do dito anexo) apresenta um conjunto de riscos, que só marginalmente se estende para o exterior do quadrado reservado ao voto no PPD/PSD. No centro desse conjunto – embora com uma menor nitidez – divisa-se mesmo uma cruz, e a parte superior deste quadrado encontra-se suja com um borrão de tinta, que cobre e torna nebuloso o conjunto de risco. Neste caso, pode, com esforço divisar-se uma cruz, imperfeitamente desenhada. Todavia, a existência de um borrão a cobrir os riscos desenhados dentro do quadrado não permite considerar inequívoco o assinalamento da vontade do eleitor. Este voto para a Câmara Municipal não pode, pois, ser considerado válido nos termos do artigo
133º, n.º 2, da LEOAL. Por último (fls. 76 do anexo), o quinto boletim de voto referido, embora aparentando mais um desenho semelhante a um nó dentro do quadrado reservado ao PPD/PSD, não deixa de apresentar uma intersecção de linhas no interior desse quadrado. Também aqui a vontade do eleitor foi inequivocamente assinalada, embora o desenho pareça denotar dificuldades no desenho de uma cruz. Este voto
é, pois, também de considerar válido.
10. Quanto aos votos nas situações indicadas supra na alínea b), não há dúvidas de que correspondem exactamente à previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 133º da LEOAL, segundo a qual se considera-se “voto nulo” o correspondente ao boletim
“no qual tenha sido assinalado mais de um quadrado.” Devem, pois, ser considerados votos nulos. Aliás, ainda quem defenda uma interpretação restritiva do termo “assinalado”, por forma a incluir apenas os casos em que exista uma dupla indicação de voto, não deixaria de ter de considerar o voto nulo nos termos da alínea d) do n.º 1 referido artigo 133º. Vale aqui o que se disse no citado acórdão n.º 438/2000, perante um voto que tinha inscrito, “para além de uma cruz no quadrado a ela destinado, um traço vertical dentro do quadrado de outro partido”: “Também neste caso é forçoso identificar um desenho para além da cruz indicativa do sentido de voto. E, pelo facto de se tratar de um risco autónomo da cruz que assinala o quadrado, são igualmente admissíveis diversas interpretações, desde a hesitação em relação a outro partido, que anularia a intenção de voto no primeiro, passando pela manifestação de desagrado em relação a esse partido.” E isto, note-se, também com independência da necessidade concreta destas exigências para salvaguarda do secretismo do voto (que logo conduziria também à anulação do voto).
11. Por último, para o voto na situação referida supra na alínea c), vale também a causa de nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 133º da LEOAL. E isto, mesmo que se queira admitir que o traço fora do quadrado reservado ao partido recorrente resultou de mera inadvertência. Como se escreveu no citado acórdão n.º 614/89 (nesta parte transcrito no, também já citado, acórdão n.º
438/2000), “(...) sempre que o eleitor tenha deteriorado um boletim por inadvertência, se dirija à mesa para pedir outro boletim, devolvendo o primeiro que o presidente deve inutiliza (...).” Assim, ainda que conceda que o eleitor não terá querido inutilizar o boletim de voto, sempre omitiu a sua correcção, como podia (e tinha o ónus de) fazer, nos termos do n.º 7 do artigo 115º da LEOAL. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide: a) Julgar válidos os votos de fls. 82, 83, 87 e 88 do anexo à acta de apuramento geral de Idanha-A-Nova, objecto de protesto nessa assembleia pelo representante do Partido Socialista e do presente recurso, concedendo provimento a este nesta parte, e, por conseguinte, atribuindo às listas deste partido mais 1 voto para a Assembleia de Freguesia de Monfortinho e mais 3 votos para a Assembleia Municipal de Idanha-A-Nova; b) Negar provimento ao recurso interposto pelo mandatário do Partido Socialista quanto aos restantes votos, por não haver razões para alterar as decisões tomadas pela assembleia de apuramento geral de Idanha-A-Nova no sentido de considerar nulos os votos em causa; c) Julgar válidos os votos de fls. 59, 62, 70, e 76 do anexo à acta de apuramento geral de Idanha-A-Nova, objecto de protesto nessa assembleia pelo representante do Partido Social Democrata e do presente recurso, concedendo provimento a este nesta parte, e, por conseguinte, atribuindo às listas deste partido mais um voto para a Assembleia de Freguesia de Monfortinho e mais 3 votos para a Câmara Municipal de Idanha-A-Nova; d) Negar provimento ao recurso do representante do Partido Social Democrata em relação aos restantes votos, por não haver razões para alterar as decisões, tomadas pela assembleia de apuramento geral de Idanha-A-Nova, no sentido de os considerar nulos. Lisboa, 4 de Janeiro de 2002 Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma (vencida, segundo declaração de voto junta) Maria Helena Brito (vencida, quanto à alínea a) e, em parte, quanto à alínea c), pelos fundamentos constantes da declaração de voto da Exmª Conselheira Maria Fernanda Palma) Artur Maurício (vencido nos mesmos da declaração de voto da Exª.Consª. Maria Fernanda Palma) José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de Voto
Voto vencida quanto a alínea a) e parcialmente quanto à alínea c). Entendo que vários dos votos considerados válidos pelo Tribunal [os boletins de voto de fls. 82, 83, 87 e 88, correspondentes à alínea a), e os boletins de voto de fls. 62,70 e 76,correspondentes `^a alínea c)] não deveriam ser apreciadas como tal por não representarem uma cruz ainda que imperfeitamente expressa para um qualquer observador, não sendo de presumir que o possa ser para o próprio votante, ainda que geometricamente possa ser discutível que haja uma intersecção de linhas. Enquanto acto de comunicação da vontade eleitoral segundo critérios legais estritos (artigo 115º, nº 4, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais), a percepção da vontade eleitoral não se compagina com uma elevada dúvida do observador sobre a mesma. Apesar de ter seguido o anterior critério do Tribunal, altero a minha posição em face destes fundamentos. Maria Fernanda Palma