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Procº nº 43/97-A.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Por intermédio do Acórdão nº 644/98, tirado nestes autos de fls.
213 a 276, foi negado provimento ao recurso interposto por L... do aresto lavrado em 14 de Novembro de 1996 pelo Supremo Tribunal de Justiça, por isso que se não julgou inconstitucional o segmento final da norma ínsita no nº 4 do artº
2º do Código Penal.
Nesse Acórdão nº 644/98, ao se limitar o objecto do recurso, foi referido:-
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1. Preliminarmente anotar-se-á que, muito embora no requerimento de interposição do vertente recurso o ora impugnante tenha suscitado a inconstitucionalidade da norma ínsita no nº 4 do artº 2º do Código Penal na dimensão segundo a qual ‘o Supremo Tribunal de Justiça, quando há alteração das leis penais, não tem que, oficiosamente, proceder a novo julgamento para aferir da aplicação ou não da lei nova, mesmo que entretanto tenha transitado em julgado a decisão anterior’, e na sua alegação começasse por equacionar a questão ‘aos casos em que ainda não tenha havido trânsito em julgado’ (cfr. transcrita «conclusão» 1), isso não significa que se tenha ineludivelmente de entender que o mesmo quis limitar o objecto do recurso referentemente à falada norma e quanto às situações em que ainda se não formou caso julgado.
Na verdade, do teor daquela alegação resulta que o recorrente igualmente equaciona os casos em que já ocorreu o trânsito em julgado da decisão condenatória (cfr., verbi gratia, as também transcritas «conclusões» 5, 6, 7, 8,
10, 11 e 15), sendo certo que tudo indica que a sua postura quanto à colocação da questão de ainda se não ter constituído caso julgado poderá ser explicada face a um seu entendimento segundo o qual, in casu, o aresto sob censura ainda não teria transitado aquando do requerimento que formulou e no qual solicitava a aplicação das prescrições constantes do Código Penal na versão emergente do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.
Sendo assim, será unicamente no particular das situações em que já ocorreu a formação de caso julgado que se irá analisar a questão, pois que foi com esse sentido que o nº 4 do artº 2º do Código Penal foi aplicado na decisão impugnada, é esse o trecho normativo que foi pelo recorrente questionado antes da prolação da decisão em crise e, por último, não pode deixar este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa de aceitar, no ponto, o juízo, efectuado pelo Alto Tribunal a quo, de que, efectivamente, o acórdão condenatório por ele proferido já tinha formado caso julgado.
1.1. De outra banda, não irá incidir a atenção sobre a mencionada norma na interpretação segundo a qual ‘para julgar qual a lei mais favorável, se a vigente no momento da prática dos factos se a posterior, não é necessário ouvir o Mº Pº e os arguidos, apresentar motivação de recurso e efectuar novo julgamento’, uma vez que no acórdão sob censura essa questão não foi, directa ou implicitamente, resolvida.
De facto, aquele aresto (porque acolheu as razões constantes do despacho do Conselheiro Relator então sob reclamação), ao indeferir a pretensão do recorrente, bastou-se com a circunstância de a ressalva da parte final do nº
4 do artº 2º do Código Penal não permitir a aplicação da lei nova às situações em que já ocorreu caso julgado, sendo certo que o apelo ao nº 1 do artº 666º do Código de Processo Civil apenas serviu como faceta meramente argumentativa e adjuvante para, na óptica do Supremo Tribunal de Justiça, justificar a solução contida naquela ressalva, até porque tem sido com base neste último normativo que o aludido Alto Tribunal se tem posicionado no sentido de, proferido que seja um acórdão condenatório no domínio da lei penal antiga e ainda não transitado, a superveniência de lei penal porventura mais favorável não terá como efeito desencadear que esse órgão de administração de justiça venha a reapreciar a sua anterior decisão.
Significa isso, na realidade das coisas, que o nº 1 do artº 666º do C.P.C. não serviu no acórdão sub specie como suporte normativo da decisão que ali foi tomada.
Daí que o âmbito do vertente recurso se deva limitar à apreciação do segmento final da norma constante do nº 4 do artº 2º do Código Penal (deixado intocado pela reforma operada pelo dito Decreto-Lei nº 48/95), não interessando, por outro lado, saber se, tendo-se já formado caso julgado sobre a decisão condenatória e havendo superveniência de lei de conteúdo mais favorável, a reapreciação tem, oficiosamente, de ser levada a efeito.
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Notificado do teor desse mesmo Acórdão, vem o recorrente arguir a respectiva nulidade, fundado nas alíneas b) e d) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil, por intermédio de extenso requerimento expraiado em 12 páginas, requerendo, a dado passo, que o 'acórdão deve ser julgado como não tendo transitado em julgado em relação ao recorrente, porque o STJ violou as regras de competência, ao julgar que não tinha poderes para julgar quando tinha'.
Em síntese, invocou, no que tange à nulidade constante daquela alínea b), que:-
- não se alcança o que este Tribunal quis dizer quando afirmou, a fls. 237 (página 25 do Acórdão), que 'iria criar um enormíssima perturbação na ordem dos tribunais judiciais';
- que o mesmo não disse qual ou quais as normas de direito constitucional ou infra-constitucional que imponham que a aplicação da lei nova aos casos já transitados em julgado, tenha de implicar a feitura de novo julgamento;
- que não foi feita qualquer referência ao direito comparado;
- que não são indicados os fundamentos de direito, quer de normas jurídicas, quer de princípios de direito ordinário ou constitucional, que levaram o Tribunal a referir que '[e]stá, isso sim, toda uma actividade dos tribunais consubstanciada na feitura de novos julgamentos, com todas as consequências implicadas'.
Pelo que concerne à nulidade da aludida alínea d) do nº 1 do artº
668º, alegou que:-
- este Tribunal não se pronunciou sobre a arguição de inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 2º, nº 4, do Código Penal e 668º, nº 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o Supremo Tribunal de Justiça não poderia oficiosamente julgar de harmonia com a nova lei penal mais favorável, pois que entendeu que, sobre esse tema, não houve pronúncia do acórdão recorrido;
- todavia, aquele Supremo Tribunal, ao menos implicitamente, pronunciou-se nesse sentido, 'na medida em que partindo de uma verdade que para si era, naquele momento, absoluta, a de que após a prolação do acórdão se esgotava o poder jurisdicional do juiz, por força do disposto no artº 666º nº 1 do CPC, nunca admitiu sequer poder reformular o acórdão'.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto em funções junto deste órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, na resposta à reclamação por nulidade, veio sustentar que a decisão do Acórdão arguido se encontrava 'ampla e profundamente fundamentada', sendo 'verdadeiramente ininteligível, por outro lado, a argumentação do reclamante, no que se refere à pretensa ‘omissão de pronúncia’', 'que lhe permite sustentar o insólito ‘pedido’
(fls. 299) de que se declare que ‘o acórdão deve ser julgado como não tendo transitado em julgado, em relação ao recorrente, porque o Supremo Tribunal de Justiça violou as regras de competência, ao julgar que não tinha poderes para julgar quando tinha’!'
Cumpre decidir.
2. Começando pela arguida nulidade estribada na alínea d) do nº 1 do artº 668º do Código de Processo Civil, verifica-se, desde logo, que a sua arguição não tem alguma razão de ser.
O que com essa arguição o ora arguente pretende mais não é (e independentemente de uma sua pouca inteligibilidade) do que discordar da limitação do objecto do recurso levada a efeito pelo aresto em crise, sendo certo, por um lado, que a decisão, nesse particular, e como resulta da transcrição acima efectuada, se encontra suficientemente fundamentada e, por outro, que a reclamação por nulidades não serve, nem pode servir, para se alcançar a reapreciação do decidido, modificando-o.
2.1. Respeitantemente à assacada nulidade, baseada na alínea b) daqueles número e artigo, é por demais óbvio que o Acórdão nº 644/98 discreteia sobre o que, sumuladamente, entendeu pela criação de perturbação nos tribunais judiciais. Basta, para tanto, ler o que, a seguir ao que consta do período onde tal ideia é reflectida, é referido no arguido aresto.
E essas referências são, também elas, suficientes para a demonstração de que, na perspectiva do arguido Acórdão, havia justificação da sua asserção segundo a qual se tornava necessária a efectivação de novo julgamento para aplicação da nova lei penal mais favorável, sem que se tornasse minimamente necessária a menção das normas jurídicas prescritoras dessa conclusão, o mesmo se dizendo relativamente à argumentação do reclamante de acordo com a qual se não fundamentou a afirmação de que estava em causa toda uma actividade dos tribunais consubstanciada na feitura de novos julgamentos, com todas as consequências implicadas.
A não referência ao direito comparado também não constitui, de todo em todo, falta de fundamentação (ficando-se sem saber à guisa de quê).
Como bem anota o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, e talqualmente se extrai do que já se disse acima, a arguição de nulidades de uma decisão não pode ser um meio 'idóneo e adequado para criar mais um ‘grau de jurisdição’', visando a obtenção de um julgamento de sinal contrário ao constante daquela decisão, utilizando, aliás, o arguente os mesmos argumentos que nela não lograram acolhimento.
Não se vislumbra, desta arte, que o arguido Acórdão padeça de qualquer dos vícios que, pela reclamação, lhe são assacados.
Por último, refira-se que é totalmente destituído de qualquer sentido o pedido, acima transcrito, no sentido de ser decidido que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (e não se sabe, verdadeiramente, qual) não transitou em julgado em relação ao ora arguente.
3. Termos em que se indefere a vertente reclamação, condenando-se o arguente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 10 unidades de conta. Lisboa, 28 de Abril de 1999 Bravo Serra Messias Bento Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito José Manuel Cardoso da Costa