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Procº nº:- 818/2001. Plenário. Relator:- BRAVO SERRA.
1. L..., mandatário da Coligação PPD/PSD –CDS-PP, veio, em 21 de Dezembro de 2001, interpor recurso para este Tribunal da deliberação tomada pela Assembleia de Apuramento Geral dos resultados das eleições para os
órgãos autárquicos do concelho de Fafe, cujo edital de proclamação foi afixado pelas 9 horas e 30 minutos do dia 20 dos mesmos mês e ano, invocando, em síntese:-
- aquando do final da eleição para a Assembleia de Freguesia de Regadas, nas duas secções da assembleia de voto dessa freguesia, foi apurado que, no total, ao Partido Socialista tinham sido atribuídos 501 (342
+ 159) votos, à Coligação PPD/PSD – CDS-PP 556 (356 + 200), à Coligação PCP-PEV
12 (8 + 4), sendo ainda apurados 14 (8 + 6) votos brancos e 11 (9 + 2) nulos, o que foi transmitido ao Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral e ao Governo Civil de Braga;
- todavia, na Assembleia de Apuramento Geral, foram atribuídos, quanto à eleição para a dita Assembleia de Freguesia, 542 votos para o Partido Socialista, 515 votos para a Coligação PPD/PSD – CDS-PP e 8 votos para a Coligação Democrática Unitária (PCP-PEV), consequentemente tendo sido atribuídos 5 mandatos ao Partido Socialista e 4 mandatos à coligação PPD/PSD – CDS-PP;
- essa circunstância levou a que o ora recorrente tivesse apresentado protesto quanto ao facto de as actas de apuramento local da assembleia de voto da freguesia de Regadas terem falseado os resultados obtidos e apurados, tendo requerido a consulta de meios de prova existentes e divulgados pelo STAPE, já que outros meios de prova teriam sido destruídos e sonegados e, na eventualidade da insuficiência daqueles meios, solicitou a recontagem dos votos expressos, vindo, posteriormente, a solicitar a junção dos editais emanados da assembleia de voto daquela freguesia, a tomada das medidas necessárias para aferir da veracidade da acta da assembleia de apuramento local e a audição dos presidentes das secções de voto e da pessoa que encontrou aqueles editais;
- o erro em causa deveu-se à circunstância de, por erro de escrita, a secretária que elaborou a acta da secção de voto nº 2 da assembleia de voto da freguesia de Regadas ter mencionado os 200 votos obtidos pela Coligação PPD/PSD – CDS-PP como tendo sido obtidos pelo Partido Socialista, e ter mencionado os 159 votos obtidos por este Partido como tendo sido obtidos por aquela Coligação, facto que aquela secretária veio a admitir;
- o protesto do recorrente veio a ser rejeitado.
Diz o impugnante, a final, que o recurso deve ser considerado procedente e, por via dele, deve:-
“a) face aos editais ora juntos e às informações a solicitar e obter do STAPE e do Governo Civil de Braga[,] considerar rectificados os resultados dos votos para eleição da Assembleia de Freguesia de Regadas atribuídos às Listas do PS e da Coligação PSD/CDS-PP e também os mandatados atribu[í]dos a essas duas listas;
b) assim, no tocante à dita eleição da Assembleia de Freguesia de Regadas, atribuir 501 votos à Lista do PS e 556 votos à Lista da Coligação PSD/CDS-PP e, em consequência, atribuir quatro mandatos à primeira dessas listas e cinco mandatos à segunda de tais listas;
se, porventura, tal se não considerar já poss[í]vel, então deve:
c) ordenar-se então que a Assembleia de Apuramento Geral re[ú]na e proceda a uma recontagem dos boletins dos votos válidos, confiados à guarda do Juiz, nos termos do nº 1 do art. 138º da L.O., a fim de com essa recontagem se corrigir o erro material cometido na escrituração da acta da Mesa da Secção nº 2 da referida freguesia de Regadas”.
Requereu, por fim, que se solicite ao STAPE e ao Governador Civil de Braga a indicação dos resultados transmitidos na noite de 16 de Dezembro de 2001 quanto ao resultado apurado nas secções de voto da freguesia de Regadas e quanto à votação para a Assembleia dessa freguesia e, bem assim, que se solicite ao presidente da Assembleia de Apuramento Geral o imediato envio do envelope “fechado, atado e lacrado contendo as actas e cadernos eleitorais relativos” à aludida freguesia.
2. Ouvidos os representantes do Partido Socialista e da Coligação PCP- -PEV, veio somente pronunciar-se o primeiro, que, em síntese:-
- sustentou não estar demonstrado que houve erro de facto na elaboração da acta referente à assembleia de apuramento local da freguesia de Regadas, nem essa demonstração poder jamais vir a ser verificada, por isso que não se verificou qualquer reclamação ou protesto;
- arguiu a irregularidade processual ocorrida nos presentes autos e consistente em não ter sido notificado dos documentos juntos à petição de recurso;
- impugnou desde logo a autenticidade do edital emanado da assembleia de apuramento local, pois que no petitório, por um lado, se afirma que os editais foram sonegados e destruídos no próprio dia e, por outro, afirma-se que o mesmo veio a ser encontrado, o que irremediavelmente abala a sua credibilidade;
- defendeu que, para efeitos de apuramento geral, como a verificação dos votos obtidos por cada lista é feita com base nas actas das operações das assembleias de voto, e como a assembleia de apuramento geral só se pode pronunciar sobre os boletins de voto sobre os quais tenha havido reclamação ou protesto, a deliberação tomada pela Assembleia de Apuramento Geral não padece de ilegalidade;
- opinou no sentido de este Tribunal dever, e tão só, apreciar se aquela Assembleia de Apuramento poderia, ou não, efectuar a recontagem dos boletins de voto validamente expressos e documentados na acta de apuramento local, que não foi oportunamente reclamada.
Por determinação do relator, foi solicitado o envio das actas das operações de votação e apuramento das secções de voto da assembleia de voto da freguesia de Regadas e, sendo elas remetidas, foi ordenada a sua junção aos autos.
Cumpre decidir, já que nada a tanto obsta.
3. Das actas ora juntas extrai-se que, quanto à Secção de voto nº 1, ali consta que foram atribuídos ao Partido Socialista 342 votos e
à Coligação PPD/PSD - CDS-PP 356 votos, enquanto que, quanto à Secção de voto nº
2, consta que foram atribuídos àquele Partido 200 votos, enquanto que à mencionada coligação foram atribuídos 159 votos.
Igualmente se extrai que a primeira acta não foi assinada por nenhum delegado das listas concorrentes, enquanto que a segunda se encontra assinada por quatro cidadãos delegados das listas concorrentes.
Por outro lado, da certidão junta aos autos pelo recorrente verifica-se que na Assembleia de Apuramento Geral dos resultados para as eleições dos órgãos das autarquias locais do concelho de Fafe foi determinada, quanto à Assembleia de Freguesia de Regadas, a proclamação dos resultados que, para o que ora interessa, atribuiu 542 voto ao Partido Socialista e 515 votos à Coligação PPD/PSD - CDS-PP, atribuindo-se ao primeiro cinco mandatos e à segunda quatro; que foi apresentado o protesto, já acima referido, o qual veio a ser desatendido por quatro votos contra quatro, com voto de qualidade por parte do presidente daquela Assembleia de Apuramento Geral.
As razões do indeferimento ligaram-se ao entendimento de que, nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 146º, do nº 1 do artº 148º, da alínea c) do nº 2 do artº 139º e do nº 1 do artº 149º, todos da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, aprovada pela Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, o apuramento consiste, inter alia, na verificação dos votos obtidos por cada lista, verificação que é efectuada com base nas actas das assembleias de apuramento local, da qual devem constar o número de votos obtidos por cada lista, pelo que a assembleia de apuramento geral não poderia proceder à análise ou recontagem dos votos validamente expressos, ainda que verificasse existir desconformidade entre a acta da assembleia de apuramento local e os editais por ela emitidos.
4. De harmonia com o que se dispõe no nº 1 do artº 86º e nas alíneas c), d), e) e f) do nº 1 do artº 88º, ambos da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais, cada entidade proponente das candidaturas concorrentes tem o direito de designar um delegado efectivo e outro suplente para cada assembleia de voto, sendo que são direitos desse delegado, entre outros, o de ser ouvido e esclarecido acerca de todas as questões suscitadas durante a fase de apuramento, apresentar oralmente ou por escrito reclamações, protestos ou contraprotestos relativos às operações de voto, assinar a acta (elaborada pelo secretário da mesa - cfr. nº 1 do artº 139º da mesma lei) e obter certidões das operações de votação e apuramento.
Por outro lado, para o que agora releva, comandam as alíneas c), d) e e) do nº 1 do artº 146º do dito diploma que o apuramento geral consiste, em relação a cada órgão autárquico em causa, na realização das operações de verificação dos números totais de votos obtidos por cada lista, distribuição dos mandatos pelas diversas listas, determinação dos candidatos eleitos por cada lista, e decisão sobre as reclamações e protestos, estatuindo-se no nº 1 do artº 148º que aquele apuramento geral é feito com base nas actas das operações das assembleias de voto, nos cadernos eleitorais e demais documentos que os acompanharem.
Das disposições legais citadas infere-se que incumbirá aos delegados das listas presentes em cada assembleia de voto - delegados esses aos quais assiste o direito de assinar a acta elaborada no final das operações de voto e apuramento, o ónus de se certificarem que aquilo que nesse documento seja inscrito reproduz a realidade, designadamente o número de votos que, efectivamente, foram tidos por válidos e atribuídos às forças políticas que
«representam», apresentando sugestões ou, inclusivamente, reclamações ou protestos, caso vislumbrem qualquer incorrecção no que ali se consignou, ainda que a consignação errónea se deva a mero lapso.
É justamente por isso e para isso que lhes assiste o direito de assinarem a acta.
Daí que, com base nessas considerações, se pudesse, desde logo, defender - e para alguns definitivamente - que, não havendo protesto ou reclamação, o que seja atestado nas actas emanadas das assembleias de apuramento local se torna firme, nomeadamente para os efeitos das alíneas e) e g) do nº 2 do artº 139º da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais.
De outra banda, a Assembleia de Apuramento Geral em causa não poderia, para a realização das operações de que a lei a incumbe com vista ao apuramento, ter em linha de conta o que constava dos editais - a que se reporta o artº 135º - emanados da assembleia de voto da freguesia de Regadas, ou as comunicações efectuadas - nos termos e para os efeitos do artº 136º - pelos presidentes das mesas de voto, face ao que se prescreve no citado nº 1 do falado artº 148º, este como aqueles da aludida lei.
5. Poderia, porém, admitir-se que, estando em causa a existência de um erro ou lapso material (verbi gratia um erro de escrita constante da acta da assembleia de apuramento local), à assembleia de apuramento geral seria lícita a realização de determinadas diligências com vista à correcção desses erros ou lapsos, o que conduziria, então, a que aquele órgão se não devesse limitar a tomar em conta somente o que se comanda no nº 1 do citado artº 148º (cfr. os Acórdãos deste Tribunal números 17/90 e 18/90, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 15º volume, 675 e segs. e 679 e segs.).
Simplesmente, nesta admissão, necessário será que a existência do erro ou lapso seja desde logo perceptível do (ou em face do) teor do documento que esses erro ou lapso contenha, ou que, a não ser aquela percepção evidente, a ocorrência do lapso se apresente como algo de verosimilhante ou com alta probabilidade de existência.
6. Ora, o que no caso sub specie ocorre é que deparamos com uma acta (a lavrada na mesa 2 da assembleia de voto da freguesia de Regadas) que, além de se encontrar assinada por todos os membros da mesa, ainda se encontra assinada por todos os delegados das candidaturas concorrentes, sendo que do seu teor nenhum lapso ou erro se vislumbra ou pode vislumbrar (cfr., neste particular, o que foi escrito no terceiro parágrafo do ponto 6. do aludido Acórdão nº 18/90).
De outra banda, os resultados para os diversos órgãos autárquicos nas duas secções de voto da assembleia de voto da mencionada freguesia apresentam-se como segue:
Secção de voto nº 1:-
- eleição para a Assembleia de Freguesia: Partido Socialista: 342 votos;
Coligação PPD/PSD - CDS-PP: 356
votos;
Coligação Democrática Unitária: 8
votos;
- eleição para a Assembleia Municipal: Partido Socialista: 371 votos;
Coligação PPD/PSD - CDS-PP: 320
votos;
Coligação Democrática Unitária: 16
votos;
- eleição para a Câmara Municipal: Partido Socialista: 379 votos;
Coligação PPD/PSD - CDS-PP: 311
votos;
Coligação Democrática Unitária: 13
votos;
Secção de voto nº 2:-
- eleição para a Assembleia de Freguesia: Partido Socialista: 200 votos;
Coligação PPD/PSD - CDS-PP: 159
votos;
Coligação Democrática Unitária: 4
votos;
- eleição para a Assembleia Municipal: Partido Socialista: 197 votos;
Coligação PPD/PSD - CDS-PP: 162
votos;
Coligação Democrática Unitária: 4
votos;
- eleição para a Câmara Municipal: Partido Socialista: 211 votos;
Coligação PPD/PSD - CDS-PP: 146
votos;
Coligação Democrática Unitária: 5
votos.
Perante os transcritos resultados, convenha-se que não causa substancial estranheza que na 2ª secção de voto da assembleia de voto da freguesia de Regadas e referentemente à eleição para a Assembleia de Freguesia, tivesse sido, na acta em causa, atribuído ao Partido Socialista um número de votos superior ao que foi obtido pelas restantes forças concorrentes.
De facto, na globalidade da assembleia de voto da freguesia de Regadas (mesas números 1 e 2), aquele Partido, quanto a todos os
órgãos em disputa, obteve sempre (à excepção da votação ocorrida na mesa nº 1 para a Assembleia de Freguesia - e aí com uma diferença de apenas 14 votos a favor da Coligação PPD/PSP - CSD-PP) um número de votos superior a todas as outras forças em presença e, relativamente àquela Coligação, com uma diferença de votos em média não muito diferente daquela que se surpreende na indicação constante da acta da mesa nº 2 tocantemente à eleição para a Assembleia de Freguesia.
7. Neste contexto factual, haverá que convir que se não apresenta como manifesto que, naquela acta, tivesse ocorrido um erro ou lapso de escrita.
É que, a haver, como tudo o indica, divergência entre o edital a que se refere o artº 135º da lei que regula a eleição dos titulares dos
órgãos das autarquias locais e a acta elaborada na secção de voto nº 2 da assembleia de voto da freguesia de Regadas, no tocante aos números de votos atribuído ao Partido Socialista e à Coligação PPD/PSD - CDS-PP, e a ser essa divergência devida a erro ou lapso de escrita, não é minimamente líquido saber se tais erro ou lapso se contêm na acta ou, pelo contrário, se contêm no edital.
Perante o descrito circunstancialismo , e
tal como já se disse , não se pode sustentar a ocorrência manifesta de um
erro ou lapso que, para a respectiva correcção, impusesse que a Assembleia de Apuramento Geral em causa lançasse mão da feitura de determinadas diligências para a verificação dos resultados obtidos para a eleição da Assembleia de Freguesia de Regadas na secção de voto nº 2 da assembleia de voto dessa freguesia, diligências essas diversas das prescritas no nº 1 do artº 148º da lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais.
8. Refira-se, por último, que, tendo em conta a decisão a tomar quanto ao vertente recurso, a irregularidade processual suscitada pelo mandatário do Partido Socialista, e independentemente da questão de saber se, efectivamente, a mesma ocorreu - considerando a natureza das impugnações como a presente e o disposto no nº 5 do artº 159º da lei eleitoral que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais - se apresenta como irrelevante, por não poder ter influência naquela decisão (cfr. nº 1 do artº 201º do Código de Processo Civil).
9. Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 3 de Janeiro de 2002 Bravo Serra Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa