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Proc. nº 826/01 TC – Plenário Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam no Plenário do Tribunal Constitucional:
1 – J..., na qualidade de candidato à Câmara Municipal de Espinho pela lista do CDS/PP Partido Popular, recorre para este Tribunal da decisão da Assembleia de Apuramento Geral do concelho de Espinho que indeferiu o protesto então apresentado, alegando, em síntese, o seguinte:
- Em várias assembleias de voto locais, diversos votos foram declarados nulos;
- Na Assembleia de Apuramento Geral foram verificados os votos nulos, reapreciando-os segundo um critério uniforme;
- De acordo com esse critério, seriam considerados como votos úteis
“todos os votos que tivessem o ponto de intercepção da cruz dentro do quadro correspondente ao partido escolhido(...)”
- O recorrente apresentou protesto contra esta deliberação;
- O referido protesto foi indeferido conforme deliberação adiante transcrita;
- O critério adoptado pela Assembleia viola o disposto no artigo 133º da Lei Eleitoral das Autarquias Locais (LEOAL) aprovada pela Lei Orgânica nº
1/2001, pois e de acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional, o voto deve ser considerado válido desde que o sentido de voto seja assinalado com uma cruz e revele inequivocamente a vontade do eleitor;
- Na verdade e de acordo com o protesto apresentado, deveriam ter sido considerados válidos, a favor da candidatura do CDS/PP, os votos em que os eleitores assinalaram uma cruz sobre o símbolo do partido CDS/PP em vez de terem colocado a cruz dentro dos limites do quadrado respeitante à candidatura;
- Nestas condições, o eleitor expressa de forma clara e evidente a sua vontade, não pondo em questão qualquer das alíneas do artigo 133º da Lei Eleitoral;
- Pela mesma razão, deveriam igualmente ser considerados válidos e a favor do CDS/PP os votos em que a cruz foi desenhada entre o símbolo do CDS/PP e a quadrícula do boletim respeitante a este partido;
- Com efeito, deve-se não só atender ao facto de a cruz estar assinalada na linha do seguimento da candidatura a que respeita (perspectiva horizontal) mas também à circunstância de ela não assumir dimensões tais que afecte outras quadrículas que se encontrem quer na parte superior, quer na parte inferior da candidatura a que respeita, de tal modo que possa ser confundível a vontade de voto expressa (perspectiva vertical)
- Devem, assim, ser considerados válidos os referidos votos que revelam expressões de voto claras e inequívocas, onde se assinalaram cruzes que não abrangem qualquer outra quadrícula, candidatura, partido ou coligação.
Conclui pedindo a revogação da deliberação recorrida e a declaração da validade dos votos em causa, a favor do CDS/PP.
Pede, ainda, que se notifiquem o Governador Civil de Aveiro e o Presidente da Assembleia de Apuramento Geral do concelho de Espinho para juntarem aos autos cópia certificada dos votos em nulos em causa.
Foram notificados para responderem, querendo, o PS, o PPD/PSD e a coligação PCP/PEV.
Responderam o PS e a coligação PCP/PEV, sustentando a legalidade da decisão impugnada.
Cumpre decidir.
2 – Resulta dos autos:
Na reunião da Assembleia de Apuramento Geral do concelho de Espinho, realizada em 18/12/2001, “foi, por maioria, com o voto contra do senhor V..., fixado um critério único para apreciação dos votos nulos que consistia em considerar como voto útil todos os votos que tivessem o ponto de intercepção da cruz dentro do quadrado correspondente ao partido escolhido”.
Da contagem de votos para a eleição da Câmara Municipal de Espinho resultou o seguinte: PS – 8793 votos PSD/PP – 5948 votos CDS/PP – 1981 votos PCP/PEV – 1648 votos
Em função desta contagem foram distribuidos os mandatos pelas listas concorrentes nos seguintes termos: PS – quatro mandatos (1º, 3º, 5º e 6º) PSD/PP – três mandatos (2º, 4º e 7º).
Na referida Assembleia, S..., na qualidade de delegado da candidatura do CDS/PP, apresentou protesto nos termos que vieram a ser reproduzidos na petição do presente recurso e que acima se sintetizaram.
Sobre este protesto, deliberou a Assembleia de Apuramento Geral:
“Quanto ao denominado protesto considera esta Assembleia que no início do apuramento foi deliberado pela mesma seguir um critério uniforme quanto à apreciação dos votos nulos, sendo certo que as situações apresentadas no protesto não se enquadram no critério seguido. Por outro lado, não foi apresentado na Mesa de Apuramento Local reclamação relativamente a casos concretos de votos alegadamente nulos ou válidos.”
3 – Como se disse, o recurso vem interposto por um cidadão na qualidade de candidato do CDS/PP à Câmara Municipal de Espinho.
Assim, dado o disposto no artigo 32º da LEOAL e considerando a jurisprudência deste Tribunal (Acórdão nº 267/85 in Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 6º vol. pp. 1041 e segs.) a legitimidade do recorrente cinge-se à impugnação dos resultados eleitorais para aquele órgão autárquico – só eles podem ter prejudicado o impugnante.
Ora, para o recorrente, os votos expressos com uma cruz sobre o símbolo do CDS/PP ou entre o símbolo do mesmo partido e a quadrícula correspondente devem ser considerados válidos e contabilizados a favor do CDS/PP, contra o deliberado pela Assembleia de Apuramento Geral sobre o protesto que o CDS/PP apresentou.
É, pois, esta questão que o Tribunal deve resolver, sem que, para tal, se torne necessário requisitar o envio dos boletins de voto em causa.
Com efeito, claramente definido pelo recorrente o modo como se mostram preenchidos os boletins – cruzes fora da quadrícula correspondente, sendo umas sobre o símbolo do CDS/PP e outras entre o símbolo e a quadrícula - seria absurdo solicitar o seu envio (todos os que revestissem tais características), estando fixada jurisprudência deste Tribunal sobre a validade de tais expressões de voto.
Essa jurisprudência resulta, entre outros, dos acórdãos nºs 320/85, 326/85,
864/93, 725/97 e734/97 in “Acórdãos do Tribunal Constitucional” 6º vol. pp. 1101 e 1045, 26º vol. p. 637 e 38º vol. pp. 453 e 467, respectivamente, e 8/94 in DR, II Série, de 31 de Março de 1994.
Dela se extrai, desde logo, que se devem considerar nulos os votos que contêm uma cruz fora do quadrado assinalado no boletim de voto na linha correspondente a cada partido, coligação ou grupo de cidadãos, admitindo-se, porém, a validade dos votos quando a intercecção dos traços que formam a cruz se inscreva dentro do referido quadrado, desde que assinale inequivocamente a vontade do eleitor.
Este entendimento, que aqui se mantém, conforta-se no que estabelece o artigo
115º nº 4 da LEOAL, enquanto impõe que o eleitor assinale com uma cruz, em cada boletim de voto, “no quadrado correspondente à candidatura em que vota”.
E, por outro lado, em nada é afectado pelo disposto no artigo 113º nºs 1 e 2 da mesma Lei, no ponto em que admite como válido o voto em que a cruz não seja perfeitamente desenhada ou exceda os limites do quadrado, desde que “assinale inequivocamente a vontade do eleitor”.
Na verdade e contrariamente ao que sustenta o recorrente, este segmento terminal do artigo 133º nº 2 não estabelece o critério para determinar, em qualquer circunstância, a validade do voto. Ele apenas consagra uma exigência adicional para a validade dos votos expressos nos termos ali referidos – cruz imperfeitamente desenhada ou excedendo os limites do quadrado – em nada contrariando a exigência estabelecida no citado artigo 115º nº 4.
Foi, assim, legal a impugnada deliberação da Assembleia de Apuramento Geral.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Lisboa, 28 de Dezembro de 2001 Artur Maurício Paulo Mota Pinto José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa