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Proc. nº 390/94
1ª Secção Cons: Rel. Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I. A 1ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, em acordão de 14 de Novembro de 1989, não admitiu, por extemporâneo, o recurso contencioso que C... interpôs de despacho do Secretário de Estado da Administração Escolar.
Deste acordão foi interposto recurso para o Pleno da 1ª Secção, que lhe negou provimento, em acordão de 26 de Novembro de 1991.
C... pretendeu, então, interpor novo recurso para o Pleno da Secção, agora com fundamento em oposição entre o acordão do Pleno e anteriores acordãos da 1ª Secção, pelas Subsecções. Mas este recurso não foi admitido, em despacho de 11 de Fevereiro de 1992, por inadmissibilidade
legal, fundada no artigo 24º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.).
Então, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional e também deduziu reclamação para a Conferência. E, instado a dizer entre qual dos meios escolhia, deu prioridade à reclamação, pedindo que fosse admitido o recurso para o Pleno da Iª Secção ou para o próprio Plenário do Supremo Tribunal Administrativo. Mas a reclamação foi indeferida sobre as duas pretensões, por acordão de 19 de Janeiro de 1993.
2. C... interpôs, então, recurso de constitucionalidade, em ordem ao artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. O objecto do recurso delimita-o nas normas dos artigos 30º e 31º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, com relação aos acordãos da Iª Secção do S.T.A. de 14 de Novembro de 1989 e de 26 de Novembro de 1991; e na norma do artigo 24ª, alínea b), do E.T.A.F., com relação ao acordão de 19 de Janeiro de 1993. As primeiras normas confronta-as com os artigos 266º e 268º da Constituição
[redacção da Lei Constitucional de 1989] e a segunda norma, com os artigos 13º, nº 1, 16º, nº 2, 20º, nº 1, e 268º também da Constituição [mesma redacção da Lei Constitucional de 1989]
Em alegações no Tribunal Constitucional, disse, em síntese, o recorrente sobre as normas dos artigos 30º e 31º, nº 3 da LPTA
'(...) A interpretação restritiva dada pelo Tribunal a quo ao disposto nos arts. 30º e 31º, nº 3 da L.P.T.A. nos doutos Acordãos de fls. 69 a
74 e 114 a 118 dos autos em sede de notificação do acto administrativo sob recurso, seu conteúdo, forma e eficácia da sua notificação ao interessado para efeitos de recurso contencioso, consequência da falta de menção nesse acto do respectivo despacho de subdelegação de competências e local de apresentação do requerimento previsto no art. 31º nº 1 da L.P.T.A., padece de ilegalidade e de inconstitucionalidade material por violar os princípios e os direitos fundamentais contidos nos arts. 266º e 268º da C.R.P., designadamente o da Boa-Fé, o da legalidade, o da proporcionalidade, e o do paralelismo das formas e os direitos do administrado a notificação integral da resolução tomada e da respectiva fundamentação e de recurso consciente e fundamentado a justiça administrativa para tutela efectiva dos seus direitos e legítimos interesses que julgue ofendidos por esse acto (...)'.
E sobre a norma do artigo 24º, alínea b), do ETAF:
'(...) O disposto no art. 24º, al. b), do E.T.A.F. apenas se refere a 'recursos de Acordãos da Secção (...) que perfilhem solução oposta a de Acordãos da mesma Secção' sem fazer a menor restrição ou distinção, expressa ou implícita, entre os Acordãos proferidos em Subsecção ou em Pleno, e por (...)
O Tribunal a quo não poder abster-se de julgar invocando ser inaceitável ou inadmíssivel o conteúdo do preceito legal em causa.
Aliás, fazendo uma interpretação analógica ou extensiva deste preceito com o disposto no art. 22º al. a) do mesmo diploma legal, verificamos que o legislador utiliza a mesma expressão 'Acordãos' para se referir a qualquer Acordão de qualquer Secção do S.T.A., independentemente de ter sido proferido ou não em Subsecção (no caso da Iª Secção) ou em Pleno, e admite expressamente como fundamento de recurso para o Plenário a oposição de julgados com Acordãos proferidos pelo próprio Plenário!
Assim sendo, a interpretação restritiva dada pelo Tribunal a quo a expressão 'Acordão da mesma Secção' revela-se ilegal por violar as normas de valor reforçado, in casu, o disposto nos arts. 8º a 9º do C. Civil e materialmente inconstitucional por violar de forma desproporcionada, discriminatória e injustificada o direito fundamental de acção que incorpora no seu âmbito o próprio direito de defesa contra actos jurisdicionais, o qual só é exercível mediante recurso, in casu, para o Pleno da Iª Secção ou, por interpretação extensiva ou até analógica, para o Plenário do S.T.A..
Ou seja, tratando-se de uma situação absolutamente idêntica à prevista na parte final da al. a) do art. 22º do E.T.A.F., quando admite de forma iniludível recurso para o Plenário do S.T.A. dos Acordãos das Secções com fundamento em oposição de julgado com o decidido em Acordão de diferente Secção ou do próprio Plenário, em 3º grau de jurisdição (cfr. arts. 22º da E.T.A.F. e
103º da L.P.T.A.), não se vislumbra razão plausível para que o Pleno da Iª Secção ou, se assim se entender, para o Plenário do S.T.A. (V. reclamação de fls. 132) não possa conhecer do recurso de Acordão proferido pelo Pleno da Iª Secção que perfilhou solução oposta de Acordãos da mesma Secção, também em 3º grau de jurisdição (...)'.
II. 1. A questão de constitucionalidade das normas dos artigos 30º e
31º, nº 3, da L.P.T.A., não foi suscitada durante o processo. O recorrente afirma no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional que o fez 'na reclamação para a Exma. Conferência de fls. 49 a 56 e no recurso para o Tribunal Pleno da 1ª Secção de fls. 84 a 91 (...)'. Mas não é assim: nem nessas nem em outras peças processuais foram alguma vez impugnadas aquelas normas. No recurso para o Tribunal Pleno da Iª Secção de fls. 84 a 91, [que é o recurso do despacho do relator que não admitira, por extemporâneo, o recurso contencioso do acto administrativo], ainda se diz: '(...) O acordão recorrido violou assim as seguintes disposições legais: artºs 259º e 668º, nº 1, al. d), do C.P.C., aplicáveis com as necessárias adaptações 'ex vi' do artº 1º da L.P.T.A., artº 110º da L.P.T.A., artº 110º da L.P.T.A. e artºs 266º a 268º da C.R.P. (...)'.
Isso porém, não é nem uma suscitação de questão de constitucionalidade normativa [que deve incidir sobre normas e ser formulada por forma clara e adequada] nem, muito menos, faz qualquer alusão aos artigos 30º, e
31º, nº 3, da L.P.T.A., que subentram no objecto do recurso para o Tribunal Constitucional.
Ora, exigindo o artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o pressuposto da suscitação prévia da questão de constitucionalidade, não pode o Tribunal, quanto às normas dos artigos 30º e
31º, nº 3, da L.P.T.A., conhecer do recurso.
2. Já a impugnação da norma do artigo 24º, alínea b), do E.T.A.F. realiza os pressupostos do recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82.
Sobre aquela norma diz o recorrente que '(...)não se vislumbra razão plausível para que o Pleno da 1ª Secção, ou, se assim, se entender, para que o Plenário do S.T.A. não possa conhecer do recurso de Acórdão proferido pelo Pleno da 1ª Secção que perfilhou solução oposta à de acórdãos da mesma Secção, também em 3º grau de jurisdição(...)'.
Mas a norma do artigo 24º, alínea b), do E.T.A.F., que na redacção do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, dispõe que 'compete ao pleno da Secção de Contencioso Administrativo conhecer dos recursos de acórdãos de Secção que, relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica, perfilhem solução oposta à de acórdão da mesma Secção', não tem que incluir, por necessidade constitucional, a oposição entre acórdãos da Secção e do Pleno, como pressuposto da competência de uniformização por ela ao Pleno cometida. E não tem porque a modulação do recurso entra, aí, na liberdade de conformação do legislador.
É verdade que a Constituição garante a via do recurso e estrutura a ordem dos tribunais em vista dessa garantia. Mas não impõe à lei o proceder a uma regulação esgotante de todos os graus de recurso, em todas as espécies de processo. Assegurado que é, constitucionalmente, o duplo grau de jurisdição em processo penal, ao legislador assiste um amplo poder de escolha sobre a modulação e racionalização das vias por que se impugnam as decisões judiciais. Esse poder tem os limites que são dados pelo desiderato de realização de possibilidades mínimas de recurso, que resultam da sua própria afirmação constitucional. Ou, como diz Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lisboa,
1992, págs. 100-102: 'não será lícito ao legislador ordinário suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou ir até ao ponto de limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos'.
É assim que a norma do artigo 24º, alínea b), do E.T.A.F., na redacção do Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril, ao não incluir nos pressupostos da competência do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo a oposição entre acórdão da mesma Secção e acórdão do Pleno, não pode ter-se como contrária à Constituição, designadamente, às normas constitucionais dos artigos
13º, nº 1, 16º, nº 2, 20º, nº 1, e 268º.
A actuação legislativa não põe em causa a garantia do recurso nem, por via disso, do direito ao Tribunal. E também não põe em causa o princípio da igualdade, numa perspectiva interna à norma [todos os sujeitos processuais no papel do recorrente incorrem na mesma regulação] como numa perspectiva externa
[pois que, em razão da liberdade de conformação legislativa que aqui se dá, a desigualdade inconstitucional só poderia ser aferida por uma arbitrária negação do direito ao tribunal daqueles mesmos recorrentes].
Sublinhe-se, a final, que o Decreto-Lei nº 229/96, de 29 de Novembro, haveria de vir a consagrar uma solução diferente da que aqui é impugnada.
III. Nestes termos, decide-se:
a) Não conhecer do recurso de constitucionalidade sobre as normas dos artigos 30º e 31º, nº 3, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(L.P.T.A.);
b) Negar provimento ao recurso sobre a norma do artigo 24º, alínea b), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.), confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Lisboa, 10 de Março de 1998 Maria da Assunção Esteves Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de almeida Armindo Ribeiro mendes José Manuel Cardoso da Costa