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Processo n.º 681/97 Conselheiro Messias Bento
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório:
1. S... recorre do acórdão da Relação do Porto, de 22 de Outubro de
1997, que não conheceu do recurso que interpusera contra o despacho, de 17 de Setembro de 1997, do Juiz de Instrução da comarca de Bragança, com fundamento na sua inutilidade superveniente e em falta de interesse em agir.
Nesse recurso, o arguido invocara a inconstitucionalidade dos artigos 86º, n.º 1, e 89º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação feita pelo juiz de instrução, que 'apenas permitiu ao arguido a consulta, pelo prazo de três dias, da informação pericial (...) e das declarações prestadas pela (...) agente da Polícia Judiciária'.
No despacho de 17 de Setembro de 1997, o juiz tinha indeferido o pedido do arguido de 'consulta global do processo' de inquérito pelo seu advogado, para assim - disse - poder 'eficazmente impugnar, pela via do recurso', o despacho que ordenara a sua prisão preventiva. Tinha, porém, autorizado o arguido a consultar, na secretaria do tribunal, pelo prazo de três dias, a informação pericial junta aos autos (fls. 368 a 374, III volume) e as declarações prestadas pela agente da Polícia Judiciária que actuara como perito lofoscopista (fls. 306 e 307, III volume). E fê-lo - disse - 'atento o fim invocado e as razões que determinaram a prisão preventiva do arguido', sendo que, de entre essas razões, avulta o facto de existir 'um dado de rigor absolutamente científico, que o arguido não consegue explicar', e que é 'a prova que consiste na identidade da impressão palmar esquerda encontrada no espelho retrovisor interior do veículo onde seguiam as vítimas do homicídio em causa nos autos, com a impressão palmar do arguido'
O recurso, que foi interposto ao abrigo das alíneas b), g) e i) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional e com invocação do acórdão n.º 121/97 deste Tribunal, visa a apreciação da constitucionalidade dos artigos
86º, n.º 1, e 89º, n.º 2, do Código de Processo Penal, 'na interpretação de que
é vedada ao arguido em prisão preventiva a consulta dos autos por forma a poder sindicar de forma eficaz a legalidade do despacho que lhe aplicou tal medida de coacção'.
2. Neste Tribunal, alegou o recorrente, que formulou conclusões e o pedido de que se julguem inconstitucionais 'as normas dos artigos 86º, n.º 1, e
89º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação dele feita segundo a qual o arguido preso preventivamente não pode ter acesso a todos os elementos probatórios dos autos que servem de fundamento à prisão preventiva, para impugnar a aplicação desta medida de coacção, para requerer a sua revogação ou impugnar a decisão de manutenção'.
O Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal, nas suas alegações, suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso, 'por não estarem reunidos os requisitos específicos previstos nas alíneas b) e g) do n.º
1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro - falta de aplicação das normas arguidas de inconstitucionalidade durante o processo e anteriormente julgadas inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional'.
O recorrente não respondeu.
3. Dispensados os vistos, cumpre decidir se deve conhecer-se do recurso.
II. Fundamentos:
4. Liminarmente, anota-se que, embora o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, invoque a alínea i) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional - que prevê o recurso de decisões 'que recusem aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional' - nada diz que possa justificar uma tal invocação.
Como não se verifica nenhum dos pressupostos desse tipo de recurso, dele não pode o Tribunal conhecer.
5. O Tribunal também não pode conhecer do recurso, enquanto fundado nas alíneas b) e g) no n.º 1 do mesmo artigo 70º - ou seja, enquanto tem por objecto 'norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo' pelo recorrente e que a decisão recorrida tenha aplicado [hipótese da alínea b)] ou norma que, tendo sido aplicada por essa decisão, haja 'já anteriormente (sido) julgada inconstitucional (...) pelo próprio Tribunal Constitucional' [situação prevista na alínea g)].
As normas constantes dos artigos 86º, n.º 1, e 89º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tal como as interpretou o juiz de instrução, que 'apenas permitiu ao arguido a consulta, pelo prazo de três dias, da informação pericial
(...) e das declarações prestadas pela (...) agente da Polícia Judiciária', foram, é certo, arguidas de inconstitucionais, no recurso para a Relação. E tais normas foram também julgadas inconstitucionais pelo acórdão n.º 121/97
(publicado no Diário da República, II série, de 30 de Abril de 1979), na interpretação de que 'o juiz de instrução não pode autorizar, em caso algum e fora das situações tipificadas nesta última norma, o advogado do arguido a consultar o processo na fase de inquérito para poder impugnar a medida de coacção de prisão preventiva que foi aplicada ao arguido'.
Simplesmente, suposto que o segmento normativo questionado pelo recorrente sub specie constitutionis coincide com a dimensão em que, no acórdão n.º 121/97, o Tribunal julgou inconstitucionais as referidas normas dos artigos
86º, n.º 1, e 89º, n.º 2 - o que é por demais duvidoso, já que o advogado do arguido pôde consultar peças do inquérito que se não enquadram nas situações tipificadas no n.º 2 do artigo 89º - essas normas não foram aplicadas pelo acórdão recorrido.
Na verdade - recorda-se -, tal aresto não conheceu do recurso interposto para a Relação do despacho do juiz de instrução, que indeferiu o pedido de 'consulta global do processo' pelo advogado do arguido. E isso, porque
- ponderou a Relação - tendo o arguido, com anterioridade, interposto recurso do despacho que ordenou a sua prisão preventiva, aquele recurso tornou-se inútil, uma vez que, com ele, o que o arguido visava era obter elementos para pôr em causa os indícios de tal prisão. E acrescentou a Relação: 'se o despacho que decretou a sua prisão preventiva não for revogado, já ele não poderá impugnar esta mesma decisão da manutenção dessa medida de coacção, por a respectiva decisão se tornar definitiva - logo, de todo esvaziada a utilidade prática, apreciada em termos objectivos, da sua pretensão, ou seja, a sua falta de interesse em agir'.
A Relação, não conhecendo do recurso - e, por isso mesmo, não decidindo a questão da constitucionalidade das mencionadas normas dos artigos
86º, n.º 1, e 89º, n.º 2 , que o arguido aí colocara - não aplicou estes normativos, sequer implicitamente.
De facto - contrariamente ao que pretende o recorrente -, a Relação não manteve o despacho recorrido. Este despacho apenas não foi submetido à reapreciação pretendida com a interposição do recurso. E não o foi - como sublinha o Ministério Público -, porque a Relação tal considerou inútil e sem interesse, e não em resultado de 'uma indevida omissão de pronúncia'. Esse despacho ficou, assim, a subsistir, apenas porque a Relação nem sequer chegou a apreciá-lo sub specie legis; não porque o tenha julgado conforme com as exigências legais e constitucionais, ainda que tão-só implicitamente.
6. Conclusão: não tendo o acórdão recorrido aplicado as normas aqui sub iudicio, não pode o Tribunal conhecer do objecto do recurso, por falta de um dos seus pressupostos.
III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal, atendendo a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, decide não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar o recorrente das custas, com unidades de conta de taxa de justiça. Lisboa, 29 de Abril de 1998 Messias Bento Maria dos Prazeres Beleza Guilherme da Fonseca Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa
Processo n.º 681/97 Conselheiro Messias Bento Acórdão n.º /98 RECURSO DE CONSTITUCIONALIDADE
[Não aplicação de norma cuja inconstitucionalidade se suscitou no processo e antes julgada inconstitucional pelo TC]
- Embora o recorrente, no recurso para a Relação, tenha suscitado a inconstitucionalidade dos arts. 86º, n.º 1, e 89º, n.º 2, do CPP, interpretados em termos de o juiz de instrução apenas permitir ao arguido a consulta, pelo prazo de três dias, da informação pericial e das declarações prestadas pela agente da PJ; e embora o TC tenha julgado tais normativos inconstitucionais, na interpretação de que o juiz de instrução não pode autorizar, em caso algum e fora das situações tipificadas na última norma, o advogado do arguido a consultar o processo na fase de inquérito para poder impugnar a medida de coacção de prisão preventiva que foi aplicada ao arguido'( ac. n.º 121/97); não pode conhecer-se do recurso, se a Relação não aplicou essas normas.
- A Relação não fez tal aplicação, se não conheceu do recurso interposto do despacho do juiz de instrução, que indeferiu o pedido de consulta global do processo pelo advogado do arguido, em virtude de, com anterioridade, ter o arguido interposto recurso do despacho que ordenou a sua prisão preventiva - e, por isso, ter entendido que aquele recurso se tornou inútil, uma vez que, com ele, o que o arguido visava era obter elementos para pôr em causa os indícios de tal prisão, e, se o despacho que decretou a sua prisão preventiva não for revogado, já ele não poderá impugnar esta mesma decisão da manutenção dessa medida de coacção, por a respectiva decisão se tornar definitiva - logo, de todo esvaziada a utilidade prática, apreciada em termos objectivos, da sua pretensão, ou seja, a sua falta de interesse em agir.
- Este aresto que não conheceu do recurso, por inutilidade da lide e falta de interesse em agir, não manteve o despacho recorrido. Tal despacho ficou a subsistir, apenas porque a Relação nem sequer chegou a apreciá-lo sub specie legis; não porque o tenha julgado conforme com as exigências legais e constitucionais, ainda que tão-só implicitamente.