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Acórdão 336/98 ACTA Aos seis de Maio de mil novecentos e noventa e oito, achando-se presentes o Ex.mo Juiz Conselheiro Presidente, José Manuel Moreira Cardoso da Costa, e os Ex.mos Juízes Conselheiros Messias Bento, Luís Nunes de Almeida, Maria Helena de Brito, José de Sousa e Brito, Alberto Tavares da Costa, Paulo da Mota Pinto, Guilherme da Fonseca, Vítor Nunes de Almeida, Maria Fernanda Palma Pereira, Maria dos Prazeres Beleza, José Manuel Bravo Serra e Artur Faria Maurício, foram trazidos à conferência os presentes autos. Após debate e votação, e apurada a decisão do Tribunal, foi pelo Ex.mo Presidente ditado o seguinte ACÓRDÃO Nº 336/98
1. Por ofício de 25 de Março do ano corrente, subscrito por Inspector da Directoria-Geral da Polícia Judiciária, foi solicitado ao Presidente do Tribunal Constitucional o envio à Directoria do Porto da mesma Polícia das 'declarações de rendimentos apresentadas pelo Sr. J...., Presidente da Câmara Municipal de M...' – e isso por tal se mostrar necessário à instrução de inquérito (que se referencia) correndo termos nessa Directoria. Subsequentemente, por ofício de 23 de Abril último, subscrito, agora, por Inspectora da mencionada Directoria da Polícia Judiciária no Porto, veio informar-se que o inquérito em causa - a que se reportava o ofício anterior –
'se relaciona com a pessoa do já arguido J..., Presidente da Câmara Municipal de M..., suspeito, à luz da denúncia que impulsionou a [ ...] investigação, da autoria de diversos actos alegadamente ilícitos e praticados no exercício das suas funções em cargo público'.
2. Nos termos da Lei nº4/83, de 2 de Abril, alterada pela Lei nº 25/95, de 28 de Agosto, as declarações de património e rendimentos, aí previstas, de titulares de cargos políticos e equiparados - e é de declarações dessa natureza que, evidentemente, se trata no caso - são apresentadas no Tribunal Constitucional para neste serem arquivadas e nele poderem ser consultadas. Está fora de causa a eventualidade de as mesmas serem remetidas, ainda que a título meramente devolutivo, a qualquer outra autoridade – mormente de investigação criminal, ou até judiciária – para servirem de elemento instrutor de qualquer processo nela pendente: em lugar algum os diplomas mencionados, ou a Lei do Tribunal Constitucional, o prevêem. Assim sendo, a solicitação da Polícia Judiciária, tal como formulada no primeiro dos ofícios atrás referidos, não pode ser tomada rigorosamente à letra: há-de, sim, ser entendida antes como um pedido de cópia ou certidão das declarações de património e rendimentos a que respeita. Isto – a obtenção de tal certidão ou cópia – é algo, na verdade, que a lei já prevê e consente: só que subordinadamente à prévia consulta das declarações no Tribunal Constitucional. Na verdade, e como decorre do que expressamente se estabelece no artigo 108º da Lei do Tribunal Constitucional (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro), na redacção da Lei nº 88/95, de 1 de Setembro – o acesso às declarações previstas na Lei nº
4/83, mesmo quando se trate de uma entidade pública, há-de ser feito 'através da sua consulta na secretaria do Tribunal', e só 'no seguimento da consulta, e mediante requerimento devidamente fundamentado, pode ser autorizada a passagem de certidão da declaração ou de elementos dela constantes'. O facto de o impetrante do acesso ser uma entidade pública apenas lhe confere a faculdade privilegiada de, em lugar de proceder pessoalmente à consulta, 'credenciar para o efeito agente ou funcionário com qualificação e grau de responsabilidade adequados' (nos termos., ainda, do nº 1, in fine, do citado artigo 108º). Posto isto, o que neste momento tão-só cabe é apreciar a solicitação da Polícia Judiciária enquanto pretensão de acesso ao conteúdo das declarações a que se reporta – pretensão que, de todo o modo, vai traduzida e incorporada no pedido formulado.
3. Pois bem: apura-se da informação prestada pela secretaria do Tribunal que as declarações de património e rendimentos, previstas na Lei nº 4/83, apresentadas no Tribunal Constitucional pelo cidadão José Narciso Miranda respeitam, com excepção da última, ao exercício de um cargo político (o referido cargo de presidente da Câmara Municipal de M...) em mandatos que, ou transcorreram integralmente antes da entrada em vigor da Lei nº 25/95, que alterou aquele outro diploma, ou, de todo o modo, se iniciaram (é o caso do último mandato como presidente da Câmara) antes do momento determinante (17 de Setembro de 1995, de acordo com a jurisprudência a seguir referida) para aplicação do regime estabelecido por essa segunda Lei. Quer isto dizer que – conforme jurisprudência consolidada deste Tribunal
(Acórdão nº 471/96, de 14 de Março, e outros da mesma data, não publicados) – tais declarações, com a ressalvada excepção, estão sujeitas, nomeadamente no que toca à possibilidade de a elas se ter acesso, ao regime constante da versão originária da dita Lei nº 4/83, e não ao que a Lei nº 25/95 veio introduzir. Daí que o acesso às declarações em causa (sempre com a apontada excepção) não seja livre, e antes dependa – como resulta do disposto no nº 2 do artigo 5º, nessa redacção inicial da Lei nº 4/83 – de autorização do Tribunal Constitucional, o qual poderá concedê-la a quem 'justifique', perante ele,
'interesse relevante no respectivo conhecimento'. Eis, pois, o que, no caso, cumpre averiguar e decidir.
4. Tal averiguação, porém, mostra-se, na situação sub judicio, extremamente simplificada. De facto, tendo em conta os esclarecimentos prestados no segundo dos ofícios oportunamente referidos, é óbvio que a razão invocada pela Polícia Judiciária, para aceder ao conhecimento dos dados constantes das declarações agora em causa,
é inteiramente justificativa desse conhecimento – pois que traduz um interesse que há-de manifestamente ter-se como 'relevante' para o efeito, à luz do objectivo que é o da Lei nº 4/83 - a saber, o objectivo de assegurar que os titulares de cargos políticos e equiparados exerçam as respectivas funções com respeito pelas regras da moralidade pública e que, designadamente, não se aproveitem de tais funções para retirar benefícios pessoais de ordem patrimonial.
5. Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se autorizar o acesso, solicitado pela Polícia Judiciária, às declarações de património e rendimentos, previstas na Lei nº 4/83, de 2 de Abril, apresentadas neste Tribunal por J..., e sujeitas ainda ao regime da versão primitiva dessa Lei, acesso esse que deverá efectuar-se nos termos do disposto no nº 1 do artigo 108ºda Lei do Tribunal Constitucional. Messias Bento Luís Nunes de Almeida Maria Helena Brito José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca Vítor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa