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Processo nº 33/97
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. E..., Juiz de Direito, com os sinais identificadores dos autos, veio interpor recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (Secção do Contencioso), de 4 de Dezembro de 1996, que negou provimento ao recurso por ele interposto, 'ao abrigo do art. 168 da Lei nº 21/85 de 30 de Julho (E.M.J.), do acórdão do Plenário do Conselho Superior de Magistratura, de 5 de Março de 1996, que confirmou a deliberação de 3 de Outubro de 1995 do Conselho Permanente do dito Conselho Superior da Magistratura, que atribuíra ao Recorrente, pelo seu desempenho naquele Tribunal Judicial (1º Juízo Cível, 2ª Secção), apreciado em inspecção ordinária, a classificação de 'bom com distinção' que lhe fora proposta pela Exmª Inspectora Judicial' (é o Tribunal Judicial da comarca de Lisboa).
2. Nas suas alegações, concluiu assim o recorrente:
'1ª - O STJ ao entender que o ora recorrente não exerce a função judicial, para efeitos de tempo de serviço em matéria de inspecções ao seu mérito profissional, desde 82/09/29 e que não tinha em 93/12/02 mais de 10 anos de exercício efectivo da judicatura procedeu a uma interpretação inconstitucional do disposto nos artºs 3º e 75º da Lei nº 21/85 de 30 de Julho, 54º e 56º do DL nº 374-A/79 de 10 de Setembro, violando o estatuído nos artºs 13º e 266º nº 2 da Constituição da República (redacção após a publicação e entrada em vigor da Lei Constitucional nº 1/92 de 25 de Novembro), praticando, por isso e ao mesmo tempo, uma ilegalidade - violação de Lei - e uma inconstitucionalidade;
2ª - Inconstitucionalidade essa que se concretizou (a entender-se que a existência de diferenciados critérios de apreciação do mérito dos Juízes, consoante estes têm mais ou menos de 10 de exercício da função jurisdicional não constitui, por si só, uma constitucionalidade - questão a que o subscritor se quiz e se quer manter alheio) ao sufragar a deliberação do CSM que, na avaliação do seu mérito, não aplicou ao recorrente os «critérios» relativos aos Juízes com mais de 10 (dez) anos de tempo efectivo deexercício da magistratura judicial;
3ª - O Conselho Superior da Magistratura é um Órgão da Administração Pública - embora com características específicas decorrentes da sua função constitucionalmente definida - pelo que tem que actuar em estrita obediência ao princípio da legalidade e não segundo critérios de oportunidade;
4ª - O STJ não podia entender, por ser inconstitucional uma tal interpretação dos normativos citados, que o CSM, ao apreciar o mérito dos juízes, especialmente porque dessa actividade do C.S.M. depende a promoção destes aos Tribunais superiores, está a (ou pode) exercitar a sua discricionaridade técnica;
5ª - O Regulamento das Inspecções Judiciais não preenche de forma clara e inequívoca as «normas em branco» que constam do artº 33º da Lei nº 21/85 de 30 de Julho e com a deliberação decorrida o STJ recusou-se a realizar o preenchimento lógico desses conceitos, sancionando idêntica conduta do C.S.M., actuação essa que é materialmente inconstitucional por violação dos princípios da legalidade e da segurança jurídica dos cidadãos, tal como o é, pelos mesmos motivos, esse Regulamento;
6ª - Entender, como o fez o STJ no acórdão recorrido, que o C.S.M. actuou em cumprimento do disposto no Regulamento das Inspecções Judiciais (e que o mesmo é constitucional) e que o fez ao abrigo da sua (do CSM) discricionaridade técnica, constitui também uma interpretação inconstitucional dos normativos da já citada Lei nº 21/85, por violação dos artºs 3º nºs 2 e 3,
219º nº 3, 266º (especialmente o nº 2) e 167º alínea l) todos da Constituição da República;
7ª - e, por estes motivos, devem essas inconstitucionalidades ser declaradas e deve ser anulada a decisão recorrida, para que o STJ reaprecie o recurso intentado pelo recorrente da deliberação do Conselho Permanente do CSM que foi proferida em 96/03/05 e se pronuncie quanto às pretensões aí formuladas, desta vez sem os vícios de interpretação atrás enunciados'.
3. Contra-alegou o recorrido Conselho Superior da Magistratura, doravante CSM, rebatendo pontualmente aquelas transcritas conclusões e peticionando a confirmação do acórdão recorrido, por entender, no essencial e em síntese final, que 'não ocorrem os arguidos vícios de inconstitucionalidade ou de ilegalidade do acórdão recorrido, mantendo-se, consequentemente, a validade das questionadas deliberações do Conselho Permanente e do Plenário do Conselho Superior de Magistratura'.
4. Vistos os autos, incluindo o visto do Ministério Público, cumpre decidir.
São dois os pontos temáticos na área da matéria de
constitucionalidade, que são debatidos pelo recorrente e a que o acórdão recorrido procurou dar resposta.
Eles estão condensados, tal como entendeu - e bem - o recorrido CSM, nas duas primeiras conclusões das alegações do recorrente (o primeiro ponto) e nas seguintes quatro conclusões (o segundo ponto).
Vejamos cada um deles, revelando, no essencial, e em separado, as posições assumidas pelo recorrente e pelo acórdão recorrido.
4.1. O primeiro ponto temático é assim qualificado nas alegações pelo recorrente: 'A) TEMPO DE SERVIÇO À DATA DA INSPECÇÃO', querendo com ele demonstrar-se que o acórdão recorrido, 'com a interpretação que deu aos artºs 3º e 75º da Lei nº 21/85 de 30 de Julho e 54º e 56º do DL nº 374A/79 de 10 de Setembro, violou a disposição contida nos artºs 13º (princípio da igualdade) e
266º nº 2 (princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade) da Constituição da República'.
Para o recorrente, que sustenta ser Juiz de Direito desde 29 de Setembro de 1982 (data da posse como juiz em regime de estágio), 'mal andou o C.S.M. ao aplicar ao recorren
te os seus 'critérios' de apreciação relativos aos juízes com menos de 10 (dez) anos de carreira - quando deveria ter tomado em consideração os aplicáveis aos Juízes com mais de 10 (dez) anos de 'tempo efectivo de exercício da magistratura judicial'. E mal andou o STJ ao sufragar essa tese'.
'Quer-se, para o recorrente e para todos os demais Juízes que acederam à carreira passando pelo CEJ, que o tempo de efectiva judicatura exercido durante o período de estágio de pré-afectação (em que já são Juízes de direito, apenas em regime de estágio) seja contado para os efeitos das inspecções judiciais, porque o contrário é desproporcionado, é injusto, está eivado de parcialidade (ou se calhar é fruto de justificados preconceitos) e trata de modo excessivamente desigual o que é muit(íssimo)o semelhante'.- é a razão essencial do discurso do recorrente.
A postura do acórdão recorrido parte do pressuposto de que 'à data do início da inspecção ordinária agora em causa (2 de Dezembro de 1993) ele não tinha ainda exercido efectivamente a judicatura durante 10 anos - para os efeitos previstos no artº 21º nº 1 al. d) do RI)'.
Isto porque, de acordo com o regime legal - o Decreto-Lei nº
374-A/79, de 10 de Setembro, a Lei nº 21/85, de 30 de Julho e o Regulamento das Inspecções Judiciais -, 'a
judicatura - pelo menos para efeitos de inspecção classificativa - pressupõe o exercício independente daquelas funções, e não sob o conselho instituído, a assistência de magistrados' e daí que 'só os juízes de direito (simplesmente, sem mais adjectivação) exerçam a judicatura - e não os juízes de direito em regime de estágio'.
'Ora, no caso presente do artigo 21 nº 1 al. d) do RIJ, ao prever-se nele a atribuição da nota de 'Muito bom' a juízes com menos de 10 anos de exercício da judicatura só em casos excepcionais, aquele diploma não viola as limitações externas à liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos. Na verdade, a regra geral que reserva a notação de 'Muito bom' apenas a juízes com mais de 10 anos de judicatura (entendida esta expressão nos termos já atrás expostos), não se mostra de forma alguma arbitrária ou discriminadora pois assenta em critérios e categorias de natureza objectiva' (é a conclusão do acórdão recorrido, antes de passar à afirmação de que se não atenta 'contra o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição', assim se rematando a análise daquele princípio, 'que o Recorrente invoca sobretudo a respeito do cômputo do seu tempo de judicatura').
Quid juris?
Os invocados artigos 3º e 75º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho
(Estatuto dos Magistrados Judiciais), reportam-se, respectivamente, à definição da função da magistratura judicial (e é a de 'administrar a justiça de acordo com as fontes a que, segundo a lei, deve recorrer e fazer executar as suas decisões') e à contagem de antiguidade que, nas 'nomeações precedidas de cursos ou estágios de formação findos os quais tenha sido elaborada lista de graduação', como é o caso do recorrente, é determinada pela ordem aí estabelecida (alínea a)), assim resultando da conjugação com o artigo 42º, relativamente à primeira nomeação dos juízes de direito, para comarcas ou lugares de ingresso (eles 'são nomeados segundo a graduação obtida nos cursos e estágios de formação').
Por sua vez, os artigos 54º e 56º do Decreto-Lei nº 374-A/79, de 10 de Setembro, que criou o Centro de Estudos Judiciários, reportam-se à nomeação em regime de pré-afectação dos auditores de justiça graduados e ao regime de estágios (eles são nomeados 'juízes de direito ou delegados do Procurador da República em regime de estágio' e durante o estágio 'exercem, sob responsabilidade própria mas com a assistência de magistrados, funções inerentes
à respectiva magistratura').
Ora, não se vê que a interpretação literal e a aplicação desses artigos, na óptica de que só os juízes de
direito - e não os juízes de direito em regime de pré-afectação - exercem a função da magistratura judicial 'com total independência, isto é, sem a assistência instituída de outros juízes', possa colidir com os princípios constitucionais, nomeadamente, o princípio da igualdade, de que se socorre o recorrente.
Com efeito, o juiz, em regime de pré-afectação, apesar de ter os direitos e regalias dos outros magistrados e de estar sujeito aos mesmos deveres e incompatibilidades, continua a ser assistido por esses outros magistrados, não sendo em regra classificado (devendo, porém, ser inspeccionado, na hipótese contemplada no artigo 56º, nº 4, do Decreto-Lei 374-A//79, na redacção do Decreto-Lei nº 264-A/81, de 3 de Setembro, ou seja, sempre que esteja em dúvida a aptidão do estagiário).
A situação em que se encontra é diferente daquela outra em que o juiz, terminado o estágio em regime de pré-afectação, é colocado em regime de efectividade (a começar pelo facto de até chegar a esta fase continuar a ser paga a sua retribuição de trabalho pelo Centro de Estudos Judiciários).
O CSM, ao contar o tempo de serviço do juiz a partir do momento em que é colocado em regime de efectivadade, não age com injustiça, nem com parcialidade, interpretando
e aplicando as normas em causa, pois sempre se há-de entender que, nesta situação, o magistrado já dispõe de conhecimentos que lhe permitem, sem assistência de outro magistrado, exercer mais seguramente a sua actividade.
A diferenciação de tratamento (em termos de contagem de tempo de serviço) entre magistrados em regime de pré-afectação e em regime de efectividade tem assim justificação material bastante.
'O princípio da igualdade, como é entendimento uniforme deste Tribunal, obriga a que se trate como igual o que for essencialmente igual e como diferente o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, o que aquele princípio proíbe são as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante. Prossegue-se assim uma igualdade material, que não meramente formal.
Para que haja violação do princípio constitucional da igualdade, necessário se torna verificar, preliminarmente, a existência de uma concreta e efectiva situação de diferenciação injustificada ou discriminação.
Concretizando, importará perguntar se as normas impugnadas possuem uma justificação material para a 'diferenciação' que (eventualmente) estabelecem. É que, se a tiverem, não importarão qualquer violação do princípio da igualdade.' (linguagem do recente acórdão nº 1007/96, publicado no Diário da República, II Série, nº 287, de 12 de Dezembro de 1996, perfeitamente transponível para o presente caso; vejam-se ainda as considerações constantes do acórdão nº 501/96, publicado no Diário da República, II Série, nº 152, de 3 de Julho de 1996, a propósito do mesmo princípio).
A perspectiva do recorrente tem a ver com a avaliação do seu mérito, por não se lhe terem aplicado 'os 'critérios' relativos aos juízes com mais de
10 (dez) anos de tempo efectivo de exercício da magistratura judicial' (a consideração de que o recorrente não exerce a função judicial desde 29 de Setembro de 1982 e que não tinha à data do início da inspecção ordinária mais de dez anos de exercício efectivo da judicatura só pode relevar 'para efeitos de tempo de serviço em matéria de inspecções ao seu mérito profissional', talqualmente se expressa o recorrente).
Só que tal perspectiva relaciona-se com a norma do artigo 21º, nº 1, d), do Regulamento das Inspecções Judiciais,
publicado no Diário da República, II Série, nº 150, de 29 de Junho de 1993, no tempo aplicável à inspecção em causa, que prevê só excepcionalmente a atribuição da 'nota de Muito bom a juízes de direito que ainda não tenham exercido efectivamente a judicatura durante 10 anos e desde que se evidenciem manifestamente pelas suas qualidades pessoais e profissionais', mas ela não é objecto do presente recurso de constitucionalidade. Esse objecto é preenchido pelas outras citadas normas da Lei nº 21/85 e do Decreto-Lei 374-A/79, claramente identificadas pelo recorrente, que são alheias aos critérios de classificação constantes daquele Regulamento e que no acórdão recorrido não foram analisadas quando ele se debruçou sobre a violação dos 'princípios constitucionais da legalidade e segurança jurídica dos cidadãos e ainda o princípio consagrado no artigo 13 da Constituição' ('Vejamos o que se passa com este último princípio que o Recorrente invoca sobretudo a respeito do cômputo do seu tempo de judicatura' - é o que se acrescenta no acórdão, tocando-se apenas, como se impunha, no artigo 21º, nº 1, d), do Regulamento das Inspecções Judiciais).
Com o que não pode proceder, por não ser pertinente ao caso, a arguição de inconstitucionalidade relativamente às normas dos artigos 3º e 75º da Lei nº 21/85, de 30 de Julho, e dos artigos 54º e 56º do Decreto-Lei nº
374-A/79, de 10 de Setembro.
4.2. Ao segundo ponto temático liga o recorrente a questão concreta da sua classificação de Bom com distinção, querendo com ele demonstrar-se que o acórdão recorrido 'com a interpretação que deu aos artºs 33º, 34º, 36º e 37º da Lei nº 21/85 de 30 de Julho (com as sucessivas redacções dadas pelas Leis nºs
2/90 de 20 de Janeiro e 10/94 de 5 de Maio), bem como ao considerar conforme à Constituição que o CSM goza de 'discricionaridade técnica' quando se trata de apreciar o mérito dos Juízes - factor relevante, até em termos de exclusão, para a promoção dos Juízes aos Tribunais Superiores (artºs 47º e 48º da citada Lei nº
21/85) e igualmente ao considerar conforme à Constituição da República o
'Regulamento das Inspecções Judiciais' em vigor à data da inspecção dos autos e a ela aplicada (publicado no DR nº 150 IIª série, de 93/06/29), violou as disposições contidas nos artºs 3º nºs 2 e 3, 219º nº 3 (princípio da legalidade na promoção dos Juízes e dever de fundamentação), 266º (especialmente o nº 2 - princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade) e
167º alínea l) - violação da reserva absoluta de competência estabelecida a favor da Assembleia da República - todos da Constituição da República' (é o que o recorrente qualifica sob epígrafe de: 'B) DA DELIBERAÇÃO DO STJ QUANTO À FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DELIBERAÇÃO AO CLASSIFICAR o ora recorrente de 'bom com distinção').
Para o recorrente, e partindo da consideração de que 'o Conselho Superior da Magistratura é um órgão administrativo', não se pode entender que 'o mesmo (CSM) pode actuar ao abrigo de uma, na prática, absoluta insindicabilidade, mascarada de 'discricionaridade técnica', quando aprecie o mérito dos Juízes', impondo-se que 'seja perceptível não apenas para todos e qualquer dos Juízes, mas essencialmente para todos e qualquer um dos cidadãos do país, quais os critérios legais e não de oportunidade, que levam a classificar um Juiz de 'Muito Bom' de 'Bom com Distinção', de 'Bom', de 'Suficiente' ou de
'Medíocre'.
'Em todo o caso, o que não pode continuar a subsistir (por ser claramente inconstitucional) é a ideia e a prática, agora sufragadas pelo STJ, de entender, como se vem referindo desde a reclamação apresentada contra a deliberação do Conselho Permanente do C.S.M., que esse Conselho Superior, ao fazer apreciações sobre o mérito dos Juízes, possa socorrer-se de palavras tão vagas e indefensíveis como seja a famosa 'teoria da sedimentação', e que com isso está a actuar no âmbito da sua discricionaridade técnica' (é o discurso do recorrente, acrescentando: 'E mais ainda, ao não enunciar de forma clara e inequívoca de que modo devem ser preenchidos esses conceitos indeterminados previstos no artº 33º da Lei nº 21/85, está o próprio Regulamento das Inspecções Judiciais (emanado do CSM)
ferido de inconstitucionalidade material, mais não seja por violar o princípio da legalidade e o princípio da segurança jurídica dos cidadãos (os Juizes se não são mais - e não o são - do que os outros cidadãos, também não o são menos), sendo igualmente inconstitucional o próprio artº 33º da Lei nº 21/85 por conter
'normas em branco' violadores desses mesmos princípios constitucionalmente salvaguardados').
Para o acórdão recorrido, e após a busca de um melhor enquadramento da posição do recorrente, à luz da Constituição, dever-se-ia 'precisamente à existência de 'normas em branco' no art. 33 da Lei nº 21/85 - que os critérios previstos no art. 34 nº 1 dessa Lei e no 'Regulamento das Inspecções Judiciais'
(artigo 19º e ss) não preencheriam devidamente - o vício de inconstitucionalidade que o Recorrente lhes imputa'.
'Todavia, a Constituição - é o discurso do acórdão recorrido - não fulmina com o ferrete da inconstitucionalidade a legislação só porque nela se alude a conceitos indeterminados. O que não falta na legislação mais diversa são os conceitos a que a doutrina chama indeterminados. Vejam-se, como meros exemplos, os conceitos de 'justa causa' na legislação laboral, de 'boa' ou 'má fé', de 'deteriorações consideráveis' na legislação civil, de 'valor considerável' na legislação criminal, etc, etc'.
Para se acrescentar depois:
'O legislador constitucional contou com um fenómeno semelhante nos comandos que a concepção dum Estado de direito democrático implica (inclusive o princípio da igualdade). Na verdade, tais comandos, ao estabelecerem limites externos à liberdade de conformação legislativa do Estado, permitem no seu interior um certo grau de discricionaridade do legislador. No plano do julgador, do aplicador do direito, a latitude residual a um poder vinculado, na ponderação e apreciação dos casos concretos, constitui a sua
'discricionaridade técnica'. No mundo jurídico-social, subtraído por natureza à intervenção de critérios matemáticos, trata-se de uma necessidade inelutável - e portanto, duma realidade natural'.
E conclui assim o acórdão:
'Para além de se não poder censurar a sua decisão (a decisão do CSM) em termos de mera legalidade - também os instrumentos legislativos que a permitiram são, nessa medida, inatacáveis em função da sua constitucionalidade, da sua adequação aos comandos constitucionais. Concretamente, o recorrente só lhes apontou o 'pecado' das normas em branco. Já examinámos esse aspecto. Não se detecta por essa via qualquer inconstitucionalidade. Mas não só a Lei nº 21/85 de 30 de Julho (v.g. o seu artº 33) como o Regulamento das Inspecções Judiciais (v.g. artºs 19º e ss, e particularmente, o seu artº 21º nº 1 al. d) não contêm normas arbitrárias e discriminatórias, ou violadoras do Estado de direito democrático, como a utilização de que deles fez o Órgão recorrido no Acórdão em causa foi adequada, transparente, motivada e justificada').
Quid juris?
4.3. Os invocados artigos 33º, 34º, 36º e 37º da citada Lei nº
21/85, preenchem o capítulo III, relativo às classificações, de Muito bom a Medíocre (artigo 33º), tendo a ver com os critérios e efeitos das classificações
(artigo 34º), a sua periodicidade (artigo 36º) e os elementos a considerar
(artigo 37º).
Tais normativos projectam-se no já mencionado Regulamento das Inspecções Judiciais, cujos artigos 18º e seguintes - e só estes podem aqui interessar, conquanto não venham indicados pelo recorrente - tratam do processo de inspecção, aí se prevendo essencialmente os elementos e circunstâncias a considerar na inspecção, os factores a tomar em linha de conta, os meios de conhecimento a utilizar e o procedimento a adoptar com o relatório da inspecção e o seguimento posterior (artigos 23º e seguintes).
É todo este complexo de normas que o recorrente pretende pôr em crise, face à Constituição, e, se bem se entende a sua posição, no fundo, o que ele vem questionar é que:
- 'o CSM, ao apreciar o mérito dos Juízes, especialmente porque dessa actividade do C.S.M. depende a promoção destes aos Tribunais superiores, está a (ou pode) exercitar a sua discricionaridade técnica;' (conclusão 4ª das alegações).
- 'O Regulamento das Inspecções Judiciais não preenche de forma clara e inequívoca as «normas em branco» que constam do artº 33º da Lei nº 21/85 de 30 de Julho e com a deliberação decorrida o STJ recusou-se a realizar o preenchimento lógico desses conceitos, sancionando idêntica conduta do C.S.M.' em cumprimento daquele mesmo Regulamento (conclusão 5ª das alegações).
4.3.1. O primeiro confronto com a Constituição, por via de pretensa violação dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, que se colhem dos artigos 3º, nº 2 e 3, e 266º, nº
2, prende-se com a interpretação e aplicação das normas citadas da Lei nº 21/85 e do Regulamento das Inspecções Judiciais, que o recorrente diz ter sido feita no acórdão recorrido, no ponto em que nelas se contêm 'normas em branco', levando a que não 'seja perceptível não apenas para todos e qualquer dos Juízes, mas essencialmente para todos e qualquer um dos cidadãos do país, quais os critérios legais e não de oportunidade, que levam a classificar um Juiz de
'Muito Bom' de 'Bom com Distinção', de 'Bom', de 'Suficiente' ou de 'Medíocre'.
Quer dizer: o artigo 33º prevê as classificações de Muito Bom a Medíocre e na falta de critérios legais - 'critérios legais e não de oportunidade', como diz o recorrente - são escolhidas pelo CSM as classificações
(ao abrigo de uma 'descricionaridade técnica', para utilizar a linguagem do recorrente) quando o mesmo aprecia o mérito dos juízes, sendo que o Regulamento das Inspecções Judiciais 'não preenche de forma clara e inequívoca as 'normas em branco' que constam daquele artigo 33º ('O Conselho Superior da Magistratura é um Órgão da Administração Pública - embora com características específicas decorrentes da sua função constitucionalmente definida - pelo que tem que actuar em estrita obediência ao princípio da legalidade e não segundo critérios de oportunidade' - é o que se lê na conclusão 3ª das alegações do recorrente e é a essência do seu discurso legitimador do presente recurso de constitucionalidade).
Só que, e sem necessidade de escalpelizar o sentido e o entendimento a dar a cada um daqueles citados princípios constitucionais, não se vê onde possa estar a violação de qualquer deles, nomeadamente o princípio da legalidade que o legislador constituinte enuncia no nº 2 do artigo 3º e repete no nº2 do artigo 266º, no Título dedicado à Administração Pública e ao qual subordina a
'validade das leis e dos demais actos do Estado' (nº 3) que com a quarta revisão constitucional ainda é mais completo ao acrescentarem-se os actos 'de quaisquer outras entidades públicas' - cfr. artigo 3º da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro).
Sempre se adiantará, contudo, o que se segue:
Enquanto manifestação do princípio do Estado de direito, o princípio da precisão e determinabilidade das leis, dele decorrente, postula que as leis, além de inteligíveis, quer quanto à sua previsão, quer quanto à sua provisão, hão-de conter, por forma suficientemente concretizada, uma definição dos critérios a observar pela Administração Pública.
A margem de discricionariedade desta deve ser cuidadosamente avaliada na perspectiva da satisfação do
interesse geral ou público a prosseguir e no respeito dos princípios da legalidade, imparcialidade, objectividade, proporcionalidade e justiça, que devem, pautar a sua conduta e da igualdade dos cidadãos perante a lei (cfr. Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, no Boletim do Ministério da Justiça, nº 363, pág. 51).
Isto, porém, não significa que a Administração não detenha uma certa margem de discricionariedade e de livre apreciação, designadamente quando o recurso a 'conceitos jurídicos indeterminados não pressuponha uma rotura face ao que, pelo lastro legislativo e jurisprudencial antecedente, possa com segurança ser entendido como sendo a sua densificação normativa determinada' (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional nº 285/ /92, publicado no Diário da República, I Série-A, de 17 de Agosto de 1992, pág. 3975, podendo ainda ler-se nele que 'o grau de exigência de determinabilidade e precisão da lei há-de ser tal que garanta aos destinatários da normação um conhecimento preciso, exacto e atempado dos critérios legais que a Administração há-de usar, diminuindo desta forma os riscos excessivos que, para esses destinatários, resultariam de uma normação indeterminada quanto aos próprios pressupostos de actuação da Administração, e que forneça à Administração regras de conduta dotadas de critérios que, sem julgarem a sua liberdade de escolha, salvaguardem o 'núcleo essencial' da garantia dos direitos
e interesses dos particulares constitucionalmente protegidos em sede de definição do âmbito de previsão normativa do preceito (Tatbestand) e finalmente que permitam aos tribunais um controlo objectivo efectivo da adequação das concretas actuações da Administração face ao conteúdo da norma legal que esteve na sua base e origem' - pág. 3974).
Contudo, mesmo o recurso a conceitos jurídicos indeterminados há-de ter os seus próprios limites mínimos e estes são, ou os que resultem da própria lei ou através da chamada auto-vinculação (cfr. Freitas do Amaral, Direito Administrativo, vol. II, 1988, pág. 147).
Ora, a deliberação que classificou o magistrado foi proferida no uso de um poder que também é vinculado, ainda que o órgão que a tomou actue com larga margem de liberdade na apreciação da prova que lhe é fornecida e, portanto, com discricionariedade.
A norma questionada do artigo 33º, não abre, pois, a porta a uma manipulação arbitrária para classificar um juiz, uma vez que o CSM há-de orientar-se por critérios de legalidade e para a hipótese de violação destes critérios existe sempre a possibilidade de sindicabilidade contenciosa (só assim não acontecerá se a decisão do mérito se inserir no campo da
discricionariedade técnica e não da vinculação legal).
Ora, não é isso que acontece, nem mesmo o CSM age por puros motivos de oportunidade.
Acresce mesmo que, como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional nº 436/89, publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Setembro de 1989, o princípio da legalidade não é, decerto, incompatível com a existência de limitações no sentido da oportunidade, ou até com a consagração para certos domínios limitados, do princípio da oportunidade, desde que, claro
é, se instituam formas de controlo adequadas.
Por outro lado, estando o CSM vinculado à utilização dos mesmos critérios, aos mesmos factores de ponderação, para todos os juízes (e desde que para nenhum deles conte o tempo de estágio de pré-afectação), não se vê como podem ser violados os princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, pois que, como se disse já, a não contagem desse tempo não acarreta um sacrifício excessivo, nem irrazoável, apresentando-se perfeitamente justificada.
Na verdade, e em suma, um enunciado do tipo do artigo 33º - e só ele, e já não os subsequentes artigos 34º, 36º e 37º, da mesma Lei nº 21/85, acaba por relevar nas
conclusões das alegações do recorrente - inscreve-se na discricionaridade legislativa e satisfaz a exigência de uma suficiente 'densificação normativa a nível legal' (cfr. citado acórdão nº 285/92), não contendo uma solução materialmente injustificada (é a Constituição que no artigo 219º, correspondendo ao artigo 217º, na quarta revisão constitucional, devolve para a lei as regras de gestão e disciplina dos juízes).
Se, como o recorrente não questiona, os juízes devam ser sujeitos à avaliação do seu mérito e esse juízo cabe, em primeiro grau, ao CSM (artigo
149º, b), da Lei nº 21/85), a solução legal do artigo 33º, tal como foi entendida e aplicada no acórdão recorrido, que prevê o leque das classificações, sem o preenchimento do tipo de cada uma delas, mas complementada pelos critérios definidos no artigo 34º e pelos elementos a considerar indicados no artigo 37º, não é uma solução materialmente injustificada. O CSM tem ao seu dispor aqueles critérios e elementos, socorre-se ainda da disciplina do processo de inspecção constante do Regulamento das Inspecções Judiciais, e fica habilitado a optar pela classificação adequada ao mérito do juiz inspeccionado, como é o caso do recorrente (e aquela disciplina, tal como foi entendida e aplicada no acórdão recorrido, não se revela desconforme à Constituição, pois que se limita a remeter para aquele artigo 33º - artigo 20º, nº2, do
Regulamento - e o ponto em que se prevê a atribuição excepcional da nota de Muito bom - artigo 21º, nº 1, d) - não é propositadamente questionado pelo recorrente).
Não é o comportamento do órgão administrativo - é órgão administrativo previsto na Constituição o CSM - que cabe sindicar no presente recurso de constitucionalidade, que só pode ter por objecto a apreciação de
(in)constitucionalidade de normas jurídicas, as quais preenchem o pressuposto processual relativo ao objecto daquele recurso. Tal sindicância, na perspectiva da dita 'discricionaridade técnica', foi feita no acórdão recorrido, nele se concluindo ter sido 'adequada, transparente, motivada e justificada' a actuação do CSM, mas escapando à competência deste Tribunal Constitucional, restrita especificamente a 'matérias de natureza jurídico-constitucional' (artigo 223º da Constituição, correspondendo ao artigo 221º, com a quarta revisão constitucional), a apreciação que nele foi feita dessa sindicância.
No específico plano normativo, só importa detectar a violação de normas ou princípios constitucionais por banda dos preceitos legais e regulamentares questionados pelo recorrente e viu-se já que não há violação alguma.
Não será, de resto, despiciendo recordar aqui que o exercício da função disciplinar (incluindo nela a apreciação do mérito profissional dos juízes) compete a um órgão de raiz constitucional e independente - o CSM -, em cuja composição se reflecte, de forma particularmente acentuada, quer a sua legitimidade democrática, quer a participação dos próprios juízes, através de representantes, de entre si e por si, eleitos.
Com o que não procede a arguição de inconstitucionalidade quanto a este ponto.
4.3.2. O segundo confronto com a Constituição passa pela referência do recorrente à pretensa violação da reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, na óptica do artigo 167º, l) (o actual artigo 164º, m), com a quarta revisão constitucional), reportando-se aos estatuto dos titulares dos órgãos de soberania, como é o caso dos Tribunais, e com isso parece querer significar que o Regulamento das Inspecções Judiciais estaria ferido desse vício de inconstitucionalidade orgânica, por caber antes naquela matéria absolutamente reservada da Assembleia da República (é o que se pode depreender da afirmação do recorrente de que a graduação dos juízes não pode
'ser comparada - sequer ao de leve - com a
apreciação dos méritos de um aluno (ou de um candidato a Mestre ou a Doutor) por um júri universitário', pois para estes 'não prescreve o Legislador Constitucional o que está estatuído nos arts 167º, l) e 219º nº 3 da Constituição da República').
Só que não se demonstra - e nem o recorrente procura demonstrar - que as normas regulamentares em causa, normas de segundo grau relativamente ao Estatuto dos Magistrados Judiciais constante da citada Lei nº 21/85, disciplinem matérias estatutárias. Cabendo elas nos poderes regulamentares do CSM, como
'órgão superior de gestão e disciplina da magistratura judicial' (cfr. artigos
136º, nº 1), são o prolongamento e o aprofundamento das regras constantes do Estatuto e relativas à apreciação do mérito profissional dos juízes (artigo
149º, b) e) e f)) e não constituem a disciplina primária dessa apreciação.
Deste modo, não pode dar-se como verificada a apontada violação do artigo 167º, l), da Constituição.
5. Termos em que, DECIDINDO, nega-se provimento ao recurso.
Lisboa, 12 de Maio de 1998 Guilherme da Fonseca Bravo Serra Messias Bento José de Sousa e Brito Luis Nunes de Almeida