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Processo n.º 206/12
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele Tribunal de 17 de janeiro de 2012.
2. Pela Decisão Sumária n.º 231/2012, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão tem a seguinte fundamentação:
«Segundo o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição da República Portuguesa e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objeto de tal recurso” (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Restringindo-se o recurso interposto ao abrigo desta alínea a questões de inconstitucionalidade normativa.
Convidado a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, precisando a (s) norma (s) cuja apreciação pretende, o recorrente respondeu demonstrando que, afinal, pretende a apreciação de decisões judiciais (as proferidas pelo tribunal coletivo e pelo Tribunal da Relação), por entender que as mesmas violam os artigos 32.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. O objeto do recurso não tem, por isso, natureza normativa, o que obsta ao conhecimento do mesmo, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC)».
3. Da decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, invocando os seguintes argumentos:
«22. Pelo atrás exposto verifica-se, que foram violados pela primeira instância e também pelo Acórdão da Relação (que em tudo confirmou aquela primeira):
a) As normas previstas nos artigos 127.º, CPP e consequentemente o n.º2, do artigo 32.º da CRP, que prevê o princípio da presunção de inocência, também a vertente do princípio da legalidade, como resulta do previsto no artigo 1.º CP e do artigo 11º, n.º1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem que impõe que o julgador valore sempre em favor daquele um non liquet; e
b) Pelos vícios apontados na sentença de primeira instância e também no acórdão da Relação, foi ainda violado o artigo 410.º, nº2, alíneas a) e b) do CPP, pela insuficiência para a decisão da matéria de facto apurada e contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e, concludentemente o princípio constitucional “in dúbio pro reo”;
23. Estes artigos foram violados e, bem assim os princípios constitucionais referenciados, quando interpretados no sentido de verificada e suscitada a dúvida insanável sobre os factos que preenchiam os elementos que permitiam privilegiar o crime, assim não considerados e utilizando mesmo em sentido contrário.
24. O princípio da presunção de inocência (artigo 32º, n.º2, da CRP), a que o julgador deveria estar atento na formação da convicção, pois este princípio estabelece regras para a valoração da prova, assim regula a norma prevista no artigo 127.º, do CP, que o julgador violou, interpretando-a no sentido de livre apreciação da prova sem, discricionariamente, sem atender às regras que precedem essa liberdade de apreciação.
(…)
27. Perante essa dúvida insanável, sustentando-se o julgador nos mesmos factos, mal andou o tribunal ao não aplicar o princípio “in dubio pro reo”, violando-o.
(…)
30. Não resta dúvida de que foi violado o principio do ‘‘in dúbio pró reo”, segundo o qual o julgador deve decidir “sobre toda a matéria que não se veja afetada pela dúvida”, pelo que, “quanto aos factos duvidosos, o princípio da livre convicção não fornece, não pode fornecer qualquer critério decisório (...)” (…).
*
31. A confissão do arguido, arrependimento sincero demonstrado, a sua disponibilidade e colaboração às OPC’s na descoberta da verdade durante todo o processo, as dúvidas de como se processava efetivamente a atividade do arguido e junto de quem, se obtinha ou não lucros com essa atividade, a sua conduta antes e depois do facto, o cumprimento exemplar da medida de coação a que ficou sujeito, a inexistência de antecedentes criminais, atendendo a um juízo de integração e ressocialização do arguido, não ponderou e aplicou o Tribunal Coletivo os preceitos consignados nos artigos 40.º, 50º, 70.º a 74º, todos do CP;
32. Preteridos e desvalorizados que foram, pelo julgador, os critérios apontados e todos os demais aspetos que pesavam favoravelmente ao arguido, a escolha e medida da pena é deveras excessiva e desproporcional, tendo o Tribunal Coletivo desatendido evidentemente à aplicabilidade das disposições referidas violando os princípios implícitos da culpa e da proporcionalidade na escolha e medida da pena, resultantes do n.º2, do artigo 18º, da CRP.
(…)
41. A pena concreta é excessiva e ultrapassa a culpa efetivamente assumida pelo arguido e da matéria de facto provada, com as regras da experiencia, sendo que foi atingida a dignidade humana do arguido, pois, no que tocante à prevenção especial, o arguido, tinha todas as condições exigidas para uma boa ressocialização, provando mesmo até ao final do julgamento, atenta a sua conduta pós facto, o que sempre o aproximava de uma medida não privativa da liberdade.
42. Foi assim violado o princípio constitucional estipulado no n.º 2, do artigo 18.º, da CRP, o princípio da culpa e, implicitamente o princípio da igualdade (art. 13.º, n.º2, da CRP), quando interpretada no sentido de que a culpa abrange e é mais valorada que todos os outros critérios a observar para ponderar a escolha e medida da pena, ou seja, a prevenção geral não deixou espaço à prevenção especial.
(…)
54. Em suma, com a violação das normas penais e dos vários princípios constitucionais consagrados, nomeadamente nos artigos 32º, n.º2 e 18º, n.º2, da CRP, ficou o arguido privado de uma decisão sem vícios e atenta às regras e normas jurídico-penais, que influenciaria a escolha e medida da pena a que ficou condenado, certamente mais adequada e proporcional, tendo em conta os factos que levam a considerar a diminuição da ilicitude, que teria viabilizado a aplicação ao arguido do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por ser este, efetivamente, o tipo legal que a sua conduta preenche e que não ultrapassa a sua culpa, o que garantiria ao arguido a uma apreciação do caso, ficando ainda asseguradas todas as garantias processuais e de tutela legal, harmonizando as penas aplicadas no nosso país a este tipo de crime».
4. O Ministério Público respondeu nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 231/2012, não se conheceu do objeto do recurso porque o recorrente, mesmo após o convite que lhe foi feito nos termos do artigo 75.º-A, n.º 6, da LTC, não enunciou uma questão de inconstitucionalidade de natureza normativa, única que poderia constituir objeto idóneo do recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC.
2.º
Parece-nos evidente a inverificação daquele requisito de admissibilidade do recurso.
3º
Na presente reclamação, o recorrente nada diz de relevante sobre o fundamento que levou à decisão de não conhecimento, antes se limita a desenvolver o que havia afirmado anteriormente, na peça que apresentou na sequência do convite a que já anteriormente fizemos referência.
4.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão reclamada concluiu pelo não conhecimento do objeto do recurso constitucionalidade interposto, com fundamento na natureza não normativa do respetivo objeto, por tal contrariar o disposto no artigo 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição e no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da LTC, na medida que identificam o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objeto daquele tipo de recurso.
O recorrente requereu a apreciação de decisões judiciais, imputando-lhes a violação dos artigos 32.º, n.º 2, e 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa. Lê na resposta ao convite para aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso, a propósito do princípio da presunção de inocência (artigo 32.º, n.º 2, da Constituição), que o «Tribunal Coletivo em Primeira Instância e o Tribunal da Relação já em sede de recurso, violaram o princípio do “in dubio, pro reo”, por insuficiência de provas objetivas para a decisão da matéria de facto que resultou provada na fundamentação do Douto Acórdão da Primeira Instância, posteriormente confirmada em sede de recurso, padecendo ambos os Acórdãos dos vícios a que se referem as alíneas a) e b), do n.º2, do artigo 410.º, do CPP». E, relativamente ao artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, ao princípio da culpa e ao da proporcionalidade na escolha e medida da pena, que «preteridos os critérios apontados e todos os demais aspetos que pesavam favoravelmente ao arguido, a escolha e medida da pena é deveras excessiva e desproporcional, tendo o Tribunal Coletivo desatendido evidentemente à aplicabilidade das disposições referidas violando os princípios implícitos e resultantes do n.º2, do artigo 18.º, da CRP».
O reclamante em nada contraria o fundamento da decisão sumária. Pelo contrário, antes confirma que questiona, afinal, a constitucionalidade das decisões proferidas pelo tribunal coletivo e pelo Tribunal da Relação. Reitera que estas decisões judiciais violam, por um lado, o artigo 32.º, n.º 2, da Constituição, além de outros preceitos, e, por outro, o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, além de outras disposições do Código Penal. O reclamante demonstra até que o que verdadeiramente questiona é a não subsunção dos factos que lhe são imputados no tipo legal de «crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 25.º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por ser este, efetivamente, o tipo legal que a sua conduta preenche». Em geral, a reclamação é significativa de que o reclamante vê o Tribunal Constitucional como tribunal de última instância com competência para conhecer recursos de revista, o que contraria o artigo 221.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual lhe “compete especificamente administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional”.
Em suma, a decisão reclamada deve ser confirmada.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 29 de maio de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.