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Processo n.º 441/94
1ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, em que figuram como recorrentes A... e mulher e como recorridos AM... e mulher, vieram os primeiros ‘requerer o esclarecimento e arguir a nulidade’ do Acórdão n.º 658/98, proferido pelo Tribunal Constitucional em 18 de Novembro de 1998. Referem-se os requerentes a esta decisão dizendo que
'a toda a argumentação a este propósito elaborada subia. a tese de que, para aferir a conformidade da legislação produzida com a competente lei de autorização, basta confrontá-la apenas com uma - e isoladamente - das alíneas da lei habilitante.' Explicitando, acrescentaram:
'Ora, não é esse o entendimento que da matéria se tem. Parece, salvo melhor entendimento, que aquela conformidade há-se verificar-se em confronto com a globalidade da lei de autorização, visto que as suas alíneas não têm todas a mesma natureza: umas definem o âmbito da habilitação; outras condicionam-o. Assim, por exemplo, as alíneas c), l) e m) limitam contornos das demais, i. e., ainda como mero exemplo, a remoção de contradições prevista na alínea a) nunca poderia fazer-se sem a manutenção das isenções e benefícios fiscais a que alude a alínea m).' No que à arguida nulidade respeita, defenderam os recorrentes, após repetirem parte da argumentação expendida na alegações de recurso produzidas junto deste Tribunal, que
'o doutíssimo acórdão que ora se discute ignora em absoluto, com todo o respeito e salvo melhor opinião, os fundamentos da alegada violação constitucional. Com efeito, a superior argumentação aduzida no sentido da conformidade constitucional da lei de autorização legislativa sustenta-se somente na convicção de que a regra da renovação automática não serve m fim socialmente
útil. O que se invocou foi que a publicação do DL 32l-B/90, ao não acautelar as situações pré-existentes, violou os princípios da SEGURANÇA E CERTEZA do direito, dessa forma não preservando as ‘regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário’ a que o Governo estava obrigado por força da alínea c) da Lei 42/90, de 10 de Agosto. De onde, o douto acórdão não se pronunciou sobre a questão que, efectivamente, se submeteu à apreciação desse Venerando Tribunal, assim agredindo a alínea d) do n.º l do artigo 668º do Código de Processo Civil.'.
2. Notificados do pedido de esclarecimento e da arguição de nulidade assim deduzidos, vieram os ora recorridos responder que
'o Doutíssimo acórdão produzido, além de claríssimo, não enferma manifestamente de qualquer nulidade.
É por demais evidente que o douto acórdão se pronunciou sobre a questão que foi submetida a esse Venerando Tribunal e que não foi agredida a alínea d) do l do art.º 668º do Código de Processo Civil, não colhendo nem se alcançando a argumentação apresentada.'. Tendo ainda acrescentado que
'é também manifesto, que o esclarecimento requerido e a arguição de nulidade constituem tão só mas um expediente dilatório, de que os recorrentes pretendem lançar mão para assim protelarem a entrega do imóvel.'.
2. Cumpre decidir. II. Fundamentos
4. No pedido de aclaração, os reclamantes, após citarem trechos do Acórdão n.º 658/98, consideram que lhes 'subjaz a tese de que, para aferir a conformidade da legislação produzida com a competente lei de autorização, basta confrontá-la apenas com uma - e isoladamente das alíneas da lei habilitante', não sendo 'esse o entendimento que da matéria se tem'. Por isso, solicitam a aclaração do acórdão no sentido do entendimento que defendem. Ora, o pedido de esclarecimento de decisões judiciais não é via idónea para obter a alteração do decidido. Pelo que, a ter efectivamente sido seguido esse entendimento, como fundamento da decisão, no aresto aclarando, não poderia agora pretender obter-se uma alteração desta decisão pela via do pedido de aclaração. Todavia, os reclamantes não chegam a apontar qualquer obscuridade ou ambiguidade no Acórdão n.º 658/98 - antes efectuam, por sua conta, uma extrapolação dos fundamentos do julgamento de não inconstitucionalidade orgânica, para afirmar que lhes estaria subjacente uma tese de que discordam. Não pode, porém, concordar-se sequer com a inferência dessa tese. Na verdade, é claro que, para julgar a questão da constitucionalidade orgânica da revogação do artigo 1051º, n.º 2 do Código Civil pelo artigo 5º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 32l-B/90, de 15 de Outubro (com substituição daquele regime do Código Civil pelo resultante dos artigos 66º n. 2 e 90º e segs. do RAU), houve que interpretar a lei de autorização legislativa em causa. Mas nada autoriza a inferência de que a interpretação considerou isoladamente cada uma das alíneas do seu artigo 2º. Antes pelo contrário, no acórdão aclarando começou por se salientar que tal norma não se afigurava 'nem violadora da directriz constante da alínea c) do artigo 2º da Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, nem carecida de habilitação por esta lei de autorização legislativa', encontrando 'justificação na própria alínea c) do artigo 2º da lei de autorização legislativa.' E só depois disto, o Tribunal considerou que a suficiente credenciação legislativa encontraria igualmente fundamento na alínea a) do artigo 2º da Lei n.º 42/90, de
10 de Agosto. Não se procedeu, como se vê, à determinação do sentido das alíneas isoladamente consideradas, tendo-se, designadamente, começado por considerar também o sentido da alínea c). Não se verificando, pois, qualquer ambiguidade ou obscuridade, há que desatender o pedido de aclaração.
5. Invocam também os reclamantes a nulidade do acórdão, com fundamento em omissão de pronúncia sobre questão que foi submetida ao Tribunal Constitucional. Para os reclamantes, o Acórdão n.º 658/98 não se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade orgânica do artigo 5º, n.º 2 do diploma que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano, por eles sustentada com fundamento na não preservação das '’regras socialmente úteis que tutelam a posição do arrendatário’ a que o Governo estava obrigado por força da alínea c) da Lei
42/90, de 10 de Agosto', resultante designadamente do facto de a revogação do artigo 1051º, n.º 2, do Código Civil, ao não acautelar as situações pré-existentes, violar os princípios da segurança e certeza. A leitura do Acórdão n.º 658/98 revela, porém, que este aresto se pronunciou não só sobre a inconstitucionalidade orgânica da norma do artigo 5º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 32l-B/90, como que o fez mesmo com referência à alínea c) do artigo 2º da lei n.º 42/90, invocada pelos ora reclamantes. Salientou-se, na verdade, que
'a medida adoptada pelo legislador do artigo 5º, n.º 2 do diploma que aprovou o RAU - consistente na revogação do artigo 1051º, n.º 2 do Código Civil e sua substituição pelo artigo 66º, n.º 2 do novo regime - não se afigura ao Tribunal Constitucional nem violadora da directriz constante da alínea c) do artigo 2º da Lei n.º 42/90, de 10 de Agosto, nem carecida de habilitação por esta lei de autorização legislativa.'. E, no ponto 8 do acórdão, lê-se que:
'O legislador ficou habilitado pela alínea c) do artigo 2º da Lei n.º 42/90 a formular um juízo sobre a ‘utilidade social’ das regras do regime do arrendamento urbano, podendo eliminar ou reformular aquelas que se revelavam
‘socialmente imprestáveis, designadamente porque subvertiam princípios basilares do ordenamento jurídico ou tratavam desigualmente os contraentes sem que para tanto houvesse fundamento material’ (formulação adoptada no citado Acórdão n.º
311/93). Ora, foi justamente isto o que o legislador do RAU fez quanto ao problema do destino do arrendamento em caso de caducidade por cessação do direito ou dos poderes legais com base nos quais tinha sido celebrado - previu a caducidade do contrato, repondo a redacção originária do Código Civil, mas atribuiu o inquilino habitacional, cuja protecção se lhe afigurou sem dúvida ‘socialmente
útil’ em maior medida, o direito a um novo arrendamento. Conclui-se, assim, que a revogação do artigo 1051º, n.º 2 do Código Civil pelo artigo 5º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 32l--B/90, de 1-5 de Outubro (e substituição daquele regime do Código Civil pelo regime resultante dos artigos
66º, n.º 2 e 90º e segs. do RAU) encontra justificação na alínea c) do artigo 2º da lei de autorização legislativa. E, desde logo por isto, não vislumbra este Tribunal qualquer inconstitucionalidade orgânica nesse artigo 5º, n.º 2'. Vê-se, pois, que o Tribunal se pronunciou sobre a inconstitucionalidade orgânica com referência à alínea c) do artigo 2º da lei de autorização legislativa, e que assentou mesmo a sua decisão no 'juízo sobre a ‘utilidade social’ das regras do regime do arrendamento urbano' que, segundo considerou, o legislador ficou habilitado a efectuar. Não se pode, portanto, afirmar que o Tribunal não se pronunciou sobre questão de constitucionalidade suscitada (a qual não era uma questão de constitucionalidade material), pois fê-lo, e com referência, aliás, à própria norma da lei de autorização legislativa invocada pelos recorrentes e ao problema da 'utilidade social' das regras do regime do arrendamento urbano. A arguição de nulidade tem, portanto, de ser desatendida. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide desatender a reclamação. Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC. Lisboa, 16 de Março de 1999 Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa