Imprimir acórdão
Proc. nº 39/94
1ª Secção Cons: Rel. Assunção Esteves
Acordam no Tribunal Constitucional:
I. O Tribunal Criminal da Comarca do Porto, em sentença de 18 de Março de 1933, condenou M... e P..., a primeira, pela autoria material, e o segundo, por cumplicidade, no cometimento de um crime de abuso de liberdade de imprensa, previsto e punível pelo artigo 164º, do Código Penal e os artigos 25º, nº 1, e 26º, nº 2, alíneas a e b), do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro
[Lei de Imprensa].
Dessa sentença, e em 7 de Abril de 1993, os arguidos interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, suscitando a questão de constitucionalidade da norma do artigo 26º, nº 2, do Decreto-Lei nº 85-C/76, que confrontaram com os artigos 1º, 13º e 27º, da Constituição da República.
Na Relação, o Ministério Público suscitou a questão prévia de
não conhecimento do recurso, por extemporaneidade, e fundou-a nas normas do artigo 411º, nº 1 do Código de Processo Penal, e do artigo 52º, nºs 1 e 2, da Lei de Imprensa. Foi então que os recorrentes, notificados, suscitaram a questão de constitucionalidade daquela norma do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, confrontando-a com as garantias de defesa consagradas no artigo 32º, nº
1, da Constituição da República.
A Relação do Porto julgou procedente a questão prévia suscitada, em acordão de 20 de Outubro de 1993:
'(...) 'Estabelece o artigo 52º, nº 1 do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro (redacção introduzida pelo artigo 1º do Decreto--Lei nº 377/88, de 24 de Outubro) que 'os processos por crimes de imprensa têm natureza urgente , ainda que não haja arguidos presos'. E o nº 2 impõe a redução a metade de qualquer prazo previsto no Código do Processo Penal, salvo este for de 24 horas.
Como o prazo normal da interposição dos recursos é de 10 dias - artigo 411º daquele Código - na hipótese dos autos ficou reduzido a 5 dias'.
(...)
'Quanto ao recurso da sentença final, também lhes não assiste razão pois sempre terá de concluir-se que foi extemporâneo.
É verdade que os arguidos devem ser notificados pessoalmente da sentença, acto da maior relevância, não bastando a notificação ao seu defensor
(artigo 113º, nº 5 do C.P.P.). Mas também resulta da lei (artigo 372º, nº 4 do mesmo Código) que 'a leitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar-se presentes na audiência'.
Com esta expressão, e no que respeita ao arguido, entendemos que a lei quis aludir às hipóteses em que o mesmo foi notificado da data da leitura da sentença e não compareceu e, ainda, às situações, como a dos autos, em que foi dispensado de comparecer à sua leitura. Efectivamente, das disposições legais atinentes à sentença, nenhuma delas impõe a presença dos arguidos à sua leitura, ao invés do que sucede quanto à presença dos mesmos na audiência referente à actividade instrutória que, em princípio, é obrigatória (artigo 300º do C.P.P. e 332º do mesmo diploma).
'In casu' os arguidos foram dispensados de assistir à leitura da sentença, aliás por razões que se prendem com o seu interesse pessoal, como se alcança da acta de fls. 319 e seguintes. Pelo que terão de considerar-se notificados da decisão no dia em que se procedeu à sua leitura e se efectuou o seu depósito na Secretaria, ou seja em 18 de Março de 1993.
Assim, os 5 dias concedidos para a interposição do recurso terminavam em 25 de Março de 1993 como, de resto, os próprios recorrentes reconheceram no seu requerimento de fls. 343, embora aí reputem 'no mínimo discutível' a interpretação segundo a qual aquele prazo só começa a contar a partir da notificação dos próprios arguidos.
Tal notificação, que acabou por ser feita em 30 de Março do ano em curso e não em 31 desse mês como certamente por lapso referem os respondentes
(cfr. documento de fls. 406 e verso) é de considerar um acto inútil, nos termos do artigo 137º do Código do Processo Civil, aplicável 'ex vi' do disposto no artigo 4º do Código do Processo Penal, face ao que atrás se deixou dito.
Em suma: - tendo o recurso da sentença sido interposto em 7 de Abril de 1993 (cfr. fls. 351 e artigo 4º, nº 6 do Decreto-Lei nº 28/92, de 27 de Fevereiro), foi-o, manifestamente, fora do prazo legal.
E sempre o teria sido, mesmo que se entendesse a notificação de fls.
406º vº, como termo inicial do prazo. É que, mesmo nessa óptica, o prazo para interpor recurso expirava em 6 de Abril de 1993 e a interposição ocorreu no dia seguinte (sexto dia útil após tal notificação).
Deste acordão foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Ao mesmo tempo, era suscitado na Relação um incidente de falsidade do acto de notificação da sentença condenatória, a dizer que esta notificação era tida como de 30 de Março de 1993 quando, afinal, ela se verificara, verdadeiramente, apenas no dia seguinte.
Foram produzidas alegações no Tribunal Constitucional. O Ministério Público suscitou a questão prévia do não conhecimento do recurso de constitucionalidade. E os recorrentes notificados, não responderam.
II. 1. A questão de constitucionalidade da norma do artigo 26º, nº
2, alínea a), da Lei de Imprensa.
É manifesto que o acordão recorrido, da Relação do Porto, não aplicou a norma impugnada do artigo 26º, nº 2, alínea a), da Lei de Imprensa. Como resulta dos próprios termos, esse acordão decidiu uma questão processual, que era a questão da admissibilidade do recurso em razão do tempo. Ao julgar o mesmo recurso intempestivo proferiu, afinal, uma 'decisão de forma', sem aplicação daquela norma substantiva do artigo 26º, nº 2, alínea a), que estabelece os pressupostos da responsabilidade criminal: [2. Nas publicações periódicas são criminalmente responsáveis: a) o autor do escrito ou imagem, se for susceptível de responsabilidade, salvo nos casos de reprodução não consentida, nos quais responderá quem a tiver promovido, e o director do periódico ou seu substituto legal, como cúmplice, se não provar que não conhecia o escrito ou imagem publicada ou que não lhe foi possível impedir a sua publicação].
Mas um dos pressupostos do recurso previsto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, consiste justamente na aplicação pela decisão recorrida da norma impugnada. Só assim o recurso de constitucionalidade é capaz de conformar a solução final da causa.
E não releva, por modo algum, o facto de o recorrente referir a norma do artigo 26º, nº 2, alínea b), da Lei de Imprensa, à decisão condenatória de Iª Instância. Essa não é, evidentemente, a decisão recorrida, a 'última palavra' sobre o problema de constitucionalidade na ordem dos Tribunais judiciais. Retomá-la exigiria, em primeiro lugar, 'remover' a solução que a Relação deu à questão prévia do não conhecimento do recurso daquela decisão, e depois, o conhecer pela Relação do mérito dessa decisão.
Daí que o Tribunal Constitucional não possa conhecer do recurso quanto à norma do artigo 26º, nº 2, alínea b), da Lei de Imprensa.
2. A questão de constitucionalidade da norma do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, na interpretação do acordão recorrido.
Esta norma, sob a epígrafe 'Interposição e notificação do recurso' determina que 'o prazo para a interpretação do recurso é de dez dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na Secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente'.
Os recorrentes argumentam que o acordão da Relação do Porto, ao reconhecer como termo inicial da contagem do prazo para a interposição do recurso o do depósito da sentença, fazendo-o corresponder à efectiva notificação pessoal ao arguido, imprimiu à norma uma dimensão inconstitucional, perante o princípio do asseguramento de todas as garantias de defesa, consagrado no artigo
32º, nº 1, da Constituição.
É verdade que a Relação do Porto admitiu esta interpretação. Mas admitiu também uma outra interpretação, pela qual - disse - se haveria de concluir ainda no sentido da intempestividade do recurso. Estoutra interpretação está ali onde se lê: '(...) Tendo o recurso da sentença sido interposto em 7 de Abril de 1993, foi-o, manifestamente, fora do prazo legal. E sempre o teria sido, mesmo que se entendesse a notificação como termo inicial do prazo. É que, mesmo nessa óptica, o prazo para interpor recurso expirava em 6 de Abril de 1993 e a interposição ocorreu no dia seguinte (sexto dia útil após tal notificação)'(...).
Mas, assim, o julgamento da questão de constitucionalidade que é suscitada pelos recorrentes não teria qualquer repercussão sobre o sentido do acordão recorrido. Mesmo que se decidisse no sentido da inconstitucionalidade da norma, na dimensão impugnada, manter-se-ia o fundamento alternativo que fez proceder a questão prévia e que já não entra no objecto do recurso para o Tribunal Constitucional (sobre a natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, cf., entre outros, os acordão nº 331/94, D.R., II Série de
30-08-1994, nº 332/94, D.R., II Série de 30-08-1994, nº 337/94, D.R., II Série, de 4-11-1994).
Pelo que, nesta parte, se torna inútil conhecer do recurso.
E, aqui, não releva a circunstância de estar pendente um incidente de falsidade sobre a data da notificação: se esse incidente improceder, consolidar-se-à, de pleno, o acordão recorrido; se proceder, a Relação terá que proferir uma nova decisão, e só essa nova decisão poderá ou não abrir-se a um eventual recurso de constitucionalidade.
III. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente em quatro ucs.
Lisboa, 9 de Março de 1998 Maria da Assunção Esteves Alberto Tavares da Costa Armindo Ribeiro mendes José Manuel Cardoso da Costa