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Proc. nº 497/97
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I
1. M..., expropriado nos autos que correram seus termos no Tribunal Judicial de Silves, em que era expropriante a Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, deduziu reclamação da conta de custas (no montante de 231
000$00).
Desatendida a reclamação, M... interpôs recurso de agravo. O Tribunal da Relação de Évora, considerando aplicável ao caso o artigo 140º do Código das Custas Judiciais (de 1962), não admitiu o recurso, por o montante das custas ser inferior à alçada dos tribunais de 1ª instância.
O recorrente pretendeu interpor recurso do acórdão da Relação, com fundamento em que está em causa um 'valor imaterial', e invocando a inconstitucionalidade de várias disposições do Código das Custas Judiciais.
Não tendo sido admitido este recurso, foi deduzida reclamação. O Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por decisão de 30 de Junho de 1997, desatendeu tal reclamação. Fundamentou-se no artigo 140º do Código das Custas Judiciais, e concluiu que as custas judiciais, que revestem natureza tributária e não estritamente 'processual', nada têm de imaterial.
2. É desta decisão do Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que M... interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alíneas b) e f), da Lei nº 28/82, invocando a inconstitucionalidade das normas dos artigos 8º, nº 1, s), 126º, nº 2, 138º,
139º e 140º do Código das Custas Judiciais (de 1962), que considera contrárias aos artigos 13º, 18º e 62º da Constituição da República Portuguesa.
Nas suas alegações, o recorrente retomou alguma argumentação relacionada com a matéria de fundo discutida no processo principal - a expropriação - mas que excede o problema que constitui objecto do presente recurso de constitucionalidade. Relativamente às normas cuja inconstitucionalidade invoca, afirmou:
'[...] A interpretação dada, neste caso, aos arts. 138º e 139º do CCJ faz deles normas inconstitucionais por colidirem com o art. 62º da Lei Fundamental.
[...] o despacho apoia-se nas normas inconstitucionais dos arts.
8º/1/s, 126º/2, 138º e 139º do CCJ, contrárias ao comando fundamental do art.
62º da CRP.'
O Ministério Público pronunciou-se no sentido de que o presente recurso não merece provimento, uma vez que 'a norma constante do artigo 140º do Código das Custas Judiciais, na versão anterior à reforma deste Código, ao estabelecer que só é admitido recurso da decisão proferida no incidente de reclamação da conta quando o montante das custas contadas exceder a alçada do tribunal, não padece de qualquer inconstitucionalidade'. II
3. De acordo com a formulação do recorrente, o presente recurso foi interposto ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82 é o recurso que cabe das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'.
Constitui pressuposto do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional que a decisão recorrida tenha aplicado a norma ou normas que se pretende que o Tribunal aprecie e cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Ora, de entre as normas mencionadas pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso apenas foi aplicada na decisão recorrida a norma do artigo 140º do Código das Custas Judiciais (versão de 1962).
Por outro lado, o recurso previsto na alínea f) do nº 1 do artigo
70º da Lei nº 28/82 é o recurso que cabe das decisões dos tribunais 'que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)'.
No incidente a que se reporta este recurso não foi suscitada a ilegalidade de qualquer norma com um dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) ou e) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82. Isto é, não foi aplicada norma constante de acto legislativo cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com fundamento na violação de lei com valor reforçado (alínea c)); não foi aplicada norma constante de diploma regional cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com fundamento na violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República (alínea d)); nem foi aplicada norma emanada de um órgão de soberania cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com fundamento na violação do estatuto de uma região autónoma (alínea e)).
Foi portanto certamente por lapso que no requerimento de interposição do recurso se indicou como fundamento a alínea f) do nº 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Nestes termos, o presente recurso tem por objecto exclusivamente a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 140º do Código das Custas Judiciais (versão de 1962), por ser a única norma em relação à qual estão verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: tal norma foi aplicada na decisão recorrida e a questão da sua eventual inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente durante o processo.
4. O artigo 140º do Código das Custas Judiciais, na versão de 1962
(correspondente ao actual artigo 62º), determina que 'da decisão do incidente de reclamação e do despacho sobre as dúvidas postas pelo funcionário contador cabe recurso de agravo, se o montante das custas contadas exceder a alçada do tribunal'.
Este preceito constitui afloramento da regra de direito processual segundo a qual, em princípio, só admitem recurso as causas de valor superior à alçada do tribunal que proferiu a decisão recorrida.
Exemplarmente, o artigo 678º do actual Código de Processo Civil determina, no seu nº 1, que 'só é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal [...]'.
O estabelecimento de limitações à faculdade de interpor recurso em função da relação entre o valor da causa e o valor das alçadas não constitui violação do princípio constitucional da igualdade. A solução consagrada na lei trata por igual todas as partes nos processos cujo valor seja igual; por outro lado, a distinção estabelecida assenta no valor da causa e não na situação económica das partes no processo, aplicando-se do mesmo modo a todas as partes e tanto aos particulares como ao próprio Estado.
De resto, a existência de limites objectivos à admissibilidade do recurso em causas de menor relevância económica tem em conta a natureza dos interesses envolvidos; a imposição de restrições à possibilidade de reapreciação, pelos tribunais superiores, das decisões proferidas pelos tribunais inferiores justifica-se por um imperativo de racionalização da própria estrutura judiciária.
A limitação do recurso em função das alçadas não ofende também o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido se tem pronunciado a jurisprudência constante do Tribunal Constitucional. Assim, vejam-se, como mais significativos, os acórdãos nºs 163/90 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 16º vol., p. 301 ss); 210/92 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22º vol., p. 543 ss); 340/94 e 403/94 (não publicados); 95/95 (publicado no Diário da República, II Série, nº 93, de
20.4.1995); 377/96 (publicado no Diário da República, II Série, nº 160, de
12.7.1996).
Concluindo, pois: a norma do artigo 140º do Código das Custas Judiciais, na versão anterior à reforma deste Código, ao estabelecer que só é admitido recurso da decisão proferida no incidente de reclamação da conta quando o montante das custas contadas exceder a alçada do tribunal, não é inconstitucional, já que não ofende o princípio da igualdade (artigo 13º da Constituição) nem o direito de acesso aos tribunais (artigo 20º da Constituição).
5. Por fim, sublinhe-se que não tem qualquer fundamento a invocação da violação do artigo 62º da Constituição, constante das alegações do recorrente. Na verdade, as custas são encargos pagos em consequência da utilização dos serviços de justiça pela parte que lhes deu causa, isto é, pela parte que pleiteia sem fundamento, que carece de razão no pedido formulado. Tal pagamento
é devido em todas as categorias de processos, incluindo os processos de expropriação – como é o caso dos autos –, sem que tal implique qualquer restrição do direito à propriedade privada consagrado no artigo 62º da Constituição. III
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) não julgar inconstitucional a norma constante do artigo
140º do Código das Custas Judiciais (versão de 1962);
b) negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que diz respeito à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1999- Maria Helena Brito Vitor Nunes de Almeida Alberto Tavares da Costa Maria Fernanda Palma Paulo Mota Pinto Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa