Imprimir acórdão
Processo nº 688/01
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A ... veio reclamar para o Tribunal Constitucional por não ter sido admitido o recurso que interpôs para este Tribunal, nos seguintes termos (cfr. requerimento de fls. 4):
“– Desde a primeira hora, ou seja, desde o início do Processo, que o recorrente alegou a violação da Lei – isto sempre justificado no âmbito dos princípios quer da substância, quer processuais, quer da incompetência, quer constitucionais.
Contra a sequência do Processo, interpôs recurso, inclusive da incompetência do Tribunal, para o Tribunal da Relação do Porto.
Entretanto deu-se o Julgamento e a Absolvição do recorrente.
Na Absolvição, nada tinha a interferir.
É precisamente no momento em que se pretendeu a anulação do julgamento e sua repetição, que o recorrente volta a clamar que – o facto é uma ilegalidade – sendo legítimo acentuar que tal ilegalidade abarca – como é evidente – todos os princípios violadores da Lei, quer sejam princípios processuais, substanciais ou constitucionais.
É contra a violação desses princípios constitucionais que, vedado que lhe está o recurso às instâncias normais, recorre ao Tribunal Constitucional, brandando contra a violação dos princípios fundamentais – ilegalidade que sempre repetiu – como seja a ilegalidade na substância, processual, incompetência, constitucional, e normas jurídicas.
– Quanto ao douto despacho da não admissão do recurso nos termos do n.º 2 do art. 76º da Lei n.º 28/82, fundamenta-se essencialmente em:
– 'quanto à invocada inconstitucionalidade da decisão do Supremo Tribunal de Justiça respeitante à reclamação da não admissão do recurso, devia o arguido tê-la invocado naquele Venerando Tribunal.' Ora, a verdade, é que também nessa reclamação foram não só invocadas as normas cuja ilegalidade foi suscitada durante o processo (Art. º 280.º, n.º 1, alínea d)) como também os Direitos Fundamentais da Lei Constitucional.
A ilegalidade de que enferma todo o processo, logo desde a participação e acusação, ao não respeitar as normas jurídicas particulares e Leis Especiais – O Código Cooperativo – não só aplicáveis no caso do seu desrespeito, mas também legitimamente aplicáveis quanto à sua protecção e abrigo, é manifesta.
A ilegalidade da não aplicação das Leis no tempo é também inquestionável, quanto à aplicação da multa.
As normas legais constantes no Código Cooperativo aprovado pelo Decreto-Lei n.º 454/80 de 9 de Outubro, nomeadamente os seus artigos: 46º alínea m), e 66º foram invocadas pelo recorrente, pela sua não aplicação, e constante em muitas das peças ao longo de todo o processo.
Apenas para citar algumas das muitas invocações referidas pelo ora recorrente, em que é suscitada a ilegalidade, para além das citadas no douto despacho de que ora se recorre, e constantes a Fls.... dos autos:
– No anexo ao requerimento de interposição de recurso do douto despacho da Snr.ª Dr.ª Juíza do Tribunal de Monção a requerimento de fls. 1207 dos autos, entrado em Tribunal em 24/6/98:
– Nas suas 'Conclusões', refere expressamente:
'2 - O Tribunal não está com competência para apreciar os factos...'
'3 - É de nulidade insuperável o que está a fazer...'
'7 - É assim manifesto que houve violação dos artºs 46.º e 66.º do Código Cooperativo e de todas as regras da competência...'
b) - Nas 'Alegações de recurso' para o Tribunal d a Relação, refere nas suas
'Conclusões':
'12 - Temos razões para reafirmar que sempre defendemos a tese de que é da exclusiva competência da Assembleia Geral o decidir do exercício do direito civil e penal (Artºs: 46º e 66º do Código Cooperativo) contra Directores ou Gerentes.'
'13 - E também de que, também só cabia à mesma Assembleia Geral a apreciação sobre os actos praticados relativos a Contas'.
É que:
O Código Penal no seu art.º 235.º – 'refere-se a quem infringir normas' .... – do sector cooperativo.
O sector cooperativo é orientado e disciplinado pelo Código Cooperativo.
Nunca, por isso, poderá o Código Penal afastar-se, na aplicação das suas regras, das regras do Código Cooperativo.
Leis são Leis, e para cumprir.
As normas penais só se aplicam em defesa – e não em contrário daquelas.
Ora, a aprovação em Assembleia Geral do Balanço, Relatório e contas liberta a Direcção, os Gerentes ... de responsabilidades ... – é o art.º 65º do Código Cooperativo que o impõe.
Além disso só esta Assembleia Geral tinha poder para exercer o direito de acção civil ou penal contra directores ou gerentes, é o art. 66º do mesmo Código Cooperativo que o impõe.
Assim:
É contra a ilegalidade que abala os princípios violadores da Lei, quer da substância, quer processuais, quer da incompetência, quer constitucionais, que recorre.
Estão em causa a violação dos Princípios Fundamentais da Constituição da República constantes dos Artºs: 26º n.º 1, 18º n.º 1, 13º n.ºs 1 e 2 e 18º n.º
3, e ainda o Artº 7º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, relativamente ao ora recorrente.”
2. Já no Tribunal Constitucional, foi proferido o despacho de fls. 92, convidando o reclamante a “juntar certidão do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, da decisão que o não admitiu e da peça processual em que invocou a inconstitucionalidade ou a ilegalidade que pretende seja conhecida pelo Tribunal Constitucional, se estiver em causa um dos casos previstos no artigo 70º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, em que essa invocação seja exigida. Deve ainda o reclamante indicar de que decisão recorreu para o Tribunal Constitucional e, se não for de nenhum daqueles acórdãos cuja certidão já consta do processo, deve juntar a certidão respectiva”. Os elementos assim indicados só vieram, após algumas vicissitudes, a ser juntos ao processo em 13 de Fevereiro de 2002. Pôde o Tribunal Constitucional assim verificar que o recurso havia sido interposto, ao abrigo do disposto nas alíneas b), c) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, “do acórdão de fls... do Tribunal da Relação do Porto, sua não rectificação e não admissão de recurso para o Supremo, bem como [d]o indeferimento do Presidente deste Supremo Tribunal”, invocando os princípios constitucionais “[d]a defesa do bom nome (artº 26º nº 1)”, “[d]o respeito pelas Leis (artº 18º nº 1)”, “[d]a igualdade de direitos e deveres
(artº 13º)”, [d]a Aplicação da Lei no tempo (art. 18º nº 1)” e “a violação do Código Cooperativo, nomeadamente nos seus artigos: 46º, 65º e 66º; os Estatutos da Cooperativa no seu artº 23º; e o que preceitua o Código Civil sobre a aplicação das Leis e seu dever de obediência, nomeadamente o não poder afastar sob qualquer pretexto as normas jurídicas particulares, e Lei Especiais”
(requerimento de fls. 103). Verificou igualmente que foi o despacho do Tribunal da Relação do Porto de fls.
112 que não admitiu o recurso. Como ali se lê, o recorrente havia sido notificado para completar o requerimento de interposição, indicando “a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade pretende que o tribunal aprecie, a norma ou princípio constitucional ou legal que considera violado, bem como a peça processual em que suscita a questão da inconstitucionalidade ou ilegalidade”, ao qual respondeu, tendo o tribunal proferido a seguinte decisão:
“(...) Compulsados os autos, verifica-se que a questão da inconstitucionalidade foi levantada pela primeira vez pelo arguido no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que não foi admitido por esta Relação nem por aquele Venerando Tribunal, na sequência de uma declaração apresentada pelo arguido.
Nos termos das alíneas b), c) e f) do art. 70º da Lei n.º 28/82, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade, que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e). Não estamos, assim, perante qualquer das situações referidas nas alíneas b), c) e f), invocadas pelo arguido no seu requerimento de interposição do recurso, sendo por isso manifestamente infundado. Para além disso, por força do disposto no art. 76º, n.º 1, daquele diploma legal, quanto à invocada inconstitucionalidade da decisão do Supremo Tribunal de Justiça respeitante à reclamação da não admissão do recurso, devia o arguido tê-la invocado naquele Venerando Tribunal.
Deste modo, nos termos do n.º 2 daquela disposição legal não admito o recurso”.
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
“O ora reclamante não tem manifestamente na devida conta a natureza 'normativa' da fiscalização da constitucionalidade cometida a este Tribunal Constitucional, parecendo supor que os recursos de fiscalização concreta se configuram como instrumento processual adequado para questionar – perante o TC –, de modo global, a ilegalidade de plúrimas decisões proferidas ao longo do processo e por várias instâncias ou graus de recurso.
Assim – e por evidente inidoneidade do objecto, já que o recorrente não trata sequer de especificar, em termos minimamente inteligíveis, quais as
'normas' que considera terem sido aplicadas pelas várias – e sucessivas – decisões proferidas nos autos – terá de ser rejeitada a presente reclamação, por ostensiva inverificação dos pressupostos do recurso interposto”.
4. Na verdade, a presente reclamação é manifestamente improcedente, por falta de definição de objecto idóneo para o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. O recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade (ou ilegalidade) de normas destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional (ou com leis de valor reforçado) de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade (ou ilegalidade) “durante o processo”
(als. b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem; e a mesma observação vale quando o recurso é interposto de uma decisão que, nos termos da alínea c) do mesmo nº 1 do artigo
70º, também invocada pelo reclamante, haja recusado a aplicação de uma norma com o fundamento ali previsto. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996). Não consta do requerimento de interposição de recurso a definição de nenhuma norma susceptível de constituir o objecto do recurso interposto. Falta, assim, uma condição de admissibilidade do recurso, não podendo a reclamação ser deferida.
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida