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Processo n.º 123/2012
2.ª Secção
Relator: Conselheiro José Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A. e Outros, réus no processo n.º 123/08.8TBMDR, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, do despacho proferido em 17 de junho de 2011 e no Tribunal de 1ª instância, o que fizeram nos seguintes termos:
“…
A. e outros, Réus no processo acima referenciado, não se conformando com a decisão constante do douto despacho proferido a 17.06.2011 (ref.ª 233640), dele interpõe recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15.11, com os fundamentos seguintes:
1. Pretende-se que o Tribunal Constitucional aprecie a (i)legalidade do prosseguimento dos autos sem que o recurso interposto pelo Ministério Público após ter sido proferido o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que foi admitido, tenha prosseguido os seus termos e, no caso de se concordar que esse recurso carecia de objeto por via interposição de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça que foi apreciado e decidido por esse Alto Tribunal, tenham os autos prosseguido na primeira instância sem ter sido interposto o recurso obrigatório previsto no artigo 72.º, n.º 3, da Lei n.º 28/82.
2. Embora o tribunal da 1.a instância não tenha referido nenhuma norma legal em concreto, está subjacente ao prosseguimento ordenado a noção de trânsito em julgado a que se refere o artigo 677.º do Código de Processo Civil,
3. Ou seja, entendem os recorrentes que a norma processual acabada de referir é inconstitucional quando interpretada no sentido de que, em caso de ter sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça que o processo deve prosseguir, mas não tendo sido interposto o recurso obrigatório a que se refere o n.º 3 do art. 72.º da Lei 28/82 - ou não tendo prosseguido recurso obrigatório em causa já antes interposto e admitido - e após essa questão ter sido levantada por uma das partes com interesse no recurso para o Tribunal Constitucional, com invocação da inconstitucionalidade de tal procedimento, o Tribunal de 1.ª instância possa ignorar a mencionada norma da Lei 28/82 e ordenar o normal prosseguimento do processo.
4. A inconstitucionalidade invocada tem ainda como pressuposto não se verificar - como não se verifica no caso concreto - a exceção prevista no n.º 4 do mencionado artigo 72.º.
5. No entender dos recorrentes, o processo não pode prosseguir sem que o Tribunal Constitucional se pronuncie, ao Ministério Público não cabe liberdade de escolha entre recorrer ou não,
6. E o Tribunal Constitucional terá que pronunciar-se sobre a questão da constitucional idade da norma cuja aplicação foi negada, mesmo no caso de o Ministério Publico não ter apresentado qualquer fundamentação.
7. Tal como referiram no requerimento que originou o douto despacho em questão, apresentado em 28.05.2011, está em causa o cumprimento de regras mínimas do Estado de Direito, que quando violadas adquirem gravidade máxima.
8. No seu entender foram violadas várias normas da Constituição da República Portuguesa, entre as quais as do art. 280.º, nºs 1-a) e 3 e ainda as doas arts. 2.º, 3.º-1 e 2, 16.º, 18.º-1, 19.º-1, 20.º-1, 202.º-1 e 2, 203.º, 204.º, 219.º-1 e 221.º.
Nesta conformidade, requer a V. Ex.ª seja admitido o recurso.
…”.
2. O despacho, proferido em 17 de junho de 2011, de que se interpunha recurso para este Tribunal era do seguinte teor:
“…
Requerimento de fls. 325 a 330:
Vieram os réus requerer o envio destes autos ao Tribunal Constitucional para que se faça cumprir o disposto no artigo 72.º, n.º 3, da LOFPTC e, após a regularização do processado e dos demais atos pertinentes, aprecie e decida a questão de fundo ou, caso assim não seja entendido, sejam os autos devolvidos ao Supremo Tribunal de Justiça com a mesma finalidade ou, caso ainda assim não se entenda, seja dada vista ao Ministério Público nesta comarca para que prossiga o recurso já antes interposto e admitido e, em qualquer dos casos, que seja impedido que os autos prossigam sem que as questões materiais colocadas no processo sejam previamente apreciadas e decididas no Tribunal Constitucional.
Para tanto invocam, em síntese, que o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto e, bem assim, o Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, violam as normas legais invocadas na interposição do recurso por parte do Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no Tribunal da Relação do Porto, pelo que entendem que o Exmo. Sr. Procurador-Geral Ajunto junto do Supremo Tribunal de Justiça não desistiu, nem renunciou ao recurso e que não podia fazê-lo, defendendo que o 'escrito' (sic) de fls. 313 não tem qualquer eficácia, mais defendendo que a baixa dos autos do Supremo Tribunal de Justiça à 1.a instância viola a Constituição da República Portuguesa, concluindo que o recurso para o Tribunal Constitucional tem que prosseguir.
Cumpre decidir.
Conforme resulta do douto despacho do Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça constante de fls. 313, decidiu o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto que o recurso interposto pelo Ministério Público junto da Relação a fls. 222 carecerá processualmente de objeto uma vez que o Acórdão da Relação do Porto foi substituído pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, mais resultando do mesmo despacho, pela fundamentação nele aduzida, que o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto se absteve de interpor recurso do aludido Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça constante dos presentes autos a fls. 304 a 307.
Deste modo, e na sequência do douto despacho do Exmo. Sr. Conselheiro Relator de fls. 315, foi ordenado que baixassem os autos à 1.a instância.
Assim, e em cumprimento do doutamente decidido pelo Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, foi determinado o prosseguimento dos presentes autos.
Ora, em face deste quadro, não podemos deixar de qualificar o requerimento apresentado pelos réus, no mínimo, de temerário, pois o que pretendem é verdadeiramente substituir-se ao Ministério Público fazendo seguir para o Tribunal Constitucional recurso que, ao abrigo do disposto no artigo 72.º, n.º 4, da LOFPTC, se absteve de interpor o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça.
Acresce que os réus, independentemente do recurso que viesse a ser interposto pelo Ministério Público, caso não se conformassem com o doutamente decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nos presentes autos e entendessem que se suscita alguma questão de inconstitucionalidade ou ilegalidade, sempre poderiam ter do mesmo interposto recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do que dispõem os artigos 70.º e 72.º da LOFPTC, o que não fizeram.
Por todo o exposto, e sem necessidade de mais considerandos, atenta a manifesta ausência de fundamento legal do ora requerido, indefere-se ao requerido.
…”.
3. O requerimento, interpondo recurso para este Tribunal, foi indeferido por despacho, proferido no Tribunal de 1ª instância, do seguinte teor:
“…
Vieram B. e outros, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do despacho proferido em 17/06/2011, ao abrigo do disposto no art. 70° nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15/11, produzindo a argumentação constante do requerimento de fls. sobreditas, que aqui se dá por reproduzida para os legais efeitos.
Notificado o autor do teor de tal requerimento, o mesmo nada veio dizer.
Decidindo, cumpre referir, antes de mais, que não nos merece qualquer censura o despacho proferido em 17/06/2011, que se pronunciou acerca da pretensão dos Réus de envio dos autos para o Tribunal Constitucional para que se fizesse que se faça cumprir o disposto no art. 72º nº 3, da LOFPTC (Lei nº 20/82, de 15/11) e, após a regularização do processado e dos demais atos pertinentes, aprecie e decida a questão de fundo ou, caso assim não seja entendido, sejam os autos devolvidos ao Supremo Tribunal de Justiça com a mesma finalidade ou, caso ainda assim não se entenda, seja dada vista ao Ministério Público nesta comarca para que prossiga o recurso já antes interposto e admitido e, em qualquer dos casos, que seja impedido que os autos prossigam sem que as questões materiais colocadas no processo sejam previamente apreciadas e decididas no Tribunal Constitucional.
Tal pretensão, foi indeferida por falta de fundamento legal, referindo o despacho ora em crise que resulta do douto despacho do Exmº Sr. Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal de Justiça constante de fls. 313, foi decidido que o recurso interposto pelo Ministério Público junto da Relação, a fls. 222, careceria processualmente de objeto uma vez que o Acórdão da Relação do Porto foi substituído pelo Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, mais resultando do mesmo despacho, pela fundamentação nele aduzida, que o Exrnº Sr. Procurador-Geral Adjunto se absteve de interpor recurso do aludido Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto no art. 72º nº 4, da Lei nº 28/82, de 15/11.
Ora, o nº 4 do art. 72º, da Lei nº 28/82, de 15/11, dispõe expressamente que o Ministério Público pode abster-se de interpor recurso de decisões conformes com a orientação que se encontre já estabe1ecida, a respeito da questão em causa, em jurisprudência constante do Tribunal Constitucional.
Compulsados os autos, verifica-se que no despacho de fls. 313 e 314, embora de forma pouco legível, porque manuscrito, o Exmº Procurador Geral Adjunto se refere expressamente ao Acórdão do Tribunal Constitucional nº 23/06, de 10/1, no âmbito do qual foi decidido declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do nº 1 do art. 1817º do Código Civil, aplicável por força do art. 1873°, do mesmo Código, na medida em que prevê, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artºs 26º nº 1, 36º, nº 1 e 18º nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa.
Não obstante, insistem os Réus em interpor recurso para o Tribunal Constitucional, embora agora, de um despacho proferido na 1ª Instância, ao abrigo do disposto no art. 70º nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15/11.
Dispõe o art. 70º nº 2 da sobre dita lei que, 'os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência' e o nº 5 do mesmo art. estatui que, 'não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respetiva lei processual'.
Ora, o recurso de despachos interlocutórios está previsto na Lei Processual Civil.
Nos presentes autos, temos uma decisão proferida pelo STJ, em 27/1/2011, a confirmar Acórdão da Relação do Porto, que julgou não verificada a caducidade do direito de ação e mandou prosseguir os autos para averiguação da paternidade do autor.
Transitado em julgado o douto Acórdão do STJ, competia, no prazo legal, aos Réus interporem, se assim o tivessem desejado, recurso para o Tribunal Constitucional, o que não se verificou.
Nessa medida e perante o quadro legal vindo de enunciar, é manifesto que não pode ser admitido o recurso interposto pelos Réus, do despacho de 17/6/2011, para o Tribunal Constitucional.
Assim e em face do até aqui expendido, por falta de fundamento legal, o tribunal indefere ao requerido pelos Réus no requerimento de fls. 335 e 336.
…”.
4. Não se conformando com tal decisão, dela os recorrentes vieram apresentar reclamação do seguinte teor:
“…
A. e outros, Réus no processo acima referencia tendo sido notificados do douto despacho com a referência 240056, datado de 28.09.2011, que decidiu não admitir o recurso que interpuseram para o Tribunal Constitucional e condená-los em custas pelo suposto incidente, reclamam dessa decisão para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no art. 76.º, n.º 4 da Lei n.º 28/82, de 15.11, com os fundamentos que seguem, pelo que requerem a V. Exa. se proceda em conformidade.
*
Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros
do Tribunal Constitucional
Pese embora a agressividade com que foram tratados, inclusivamente com graves e injustas condenações em custas, os reclamantes prosseguem na defesa da via que entendem ser a correta, por essa única razão, que engloba a defesa dos seus direitos.
A questão material subjacente prende-se com a investigação da paternidade de uma pessoa, que o autor do processo atribui ao marido e pai dos reclamantes, falecido antes da propositura da ação. A 1.a instância julgou procedente a exceção de caducidade invocada pelos réus, aqui reclamantes, com base na alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 14/2009, o Tribunal da Relação do Porto alterou essa decisão e ordenou o prosseguimento dos autos, o Ministério Público junto da 2.ª instância interpôs recurso obrigatório da decisão para o Tribunal Constitucional, houve recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, este confirmou a tese do TRP e, perante a situação assim criada, o Ministério Público lançou no processo um texto (que não pode obviamente ser chamado de despacho e também não é nenhuma promoção) em que, resumidamente, disse que não seguia com o recurso obrigatório que fora interposto junto do TRP nem interpunha outro, escudando-se formalmente no disposto no art. 72.º, n.º 4 da LOFPTC. Os aqui reclamantes não foram notificados da existência desse texto nem do douto despacho que determinou a baixa do processo à 1.a instância e foram depois surpreendidos com a notificação de um douto despacho do Tribunal Judicial de Miranda do Douro referente a reclamação da matéria de facto e a regras atinentes aos requerimentos probatórios das partes.
Perante o conteúdo desse último despacho, apresentaram invocando a inconstitucionalidade do processamento que havia sido ordenado defendendo que os autos não podiam prosseguir daquela forma e requerendo a apreciação pelo Tribunal Constitucional, seguindo uma de várias vias.
Esse requerimento dos reclamantes foi apreciado negativamente e de forma hostil, tal como o que se lhe seguiu, através do qual foi interposto o recurso cuja admissibilidade está agora em causa.
Tendo em conta o historial e o que foi dito no requerimento de interposição (… 8. No seu entender foram violadas várias normas da Constituição da República Portuguesa, entre as quais as do art. 280.º, nºs 1a e 3 e ainda as dos arts. 2.º, 3.º-1 e 2, 16.º, 18.º-1, 19. °-1, 20. °-1, 202. °-1 e 2, 203.º, 204.º, 219.º-1 e 221.º) a questão que se coloca é, portanto, a de aquilatar da ilegalidade do prosseguimento de um processo judicial em que nas instâncias foi proferida decisão definitiva contrária a uma disposição legal, em que o Ministério Público tomou expressamente a opção de não interpor recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional invocando a exceção constante do já referido n.º 4 do art. 72.º, mas em que não só é absolutamente claro que o caso não cabe na mencionada exceção como é também claro que a situação é precisamente contrária àquela que foi invocada, e das consequências a retirar dessa ilegalidade que os reclamantes têm como certa, no plano da constitucionalidade.
Os reclamantes não encontraram - porventura por não terem procurado bem - nenhum relato nem referência jurisprudencial a alguma situação idêntica e por isso ela é, para eles, insólita.
O Ministério Público diz que não interpõe o recurso obrigatório em vista interpretação extensiva do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06, de 10/01, que o STJ tem feito reiteradamente. Mas o que o n.º 4 do falado art. 72.º estabelece é que o Ministério Público (só) pode abster-se de interpor recurso de decisões conformes com a orientação que se encontre já estabelecida, a respeito da questão em causa, em jurisprudência constante do Tribunal Constitucional.
As situações para as quais o legislador ordenou o recurso não são aquelas que os tribunais aplicam, de forma mais ou menos extensiva, o decidido pelo Tribunal Constitucional, exatamente porque este já decidiu a tal respeito! Nem se compreenderia, evidentemente, uma tal postura! O legislador quis precisamente os casos em que os tribunais comuns recusam a aplicação de uma norma legal com base em argumentos de inconstitucionalidade, não só quando o Tribunal Constitucional não se tenha pronunciado sobre a matéria, mas também quando a sua jurisprudência sobre a mesma não seja constante.
Facilmente se percebe que se pretende com a norma do recurso obrigatório o contínuo aperfeiçoamento das leis e a sua adequação ao tempo real.
No caso em questão trata-se precisamente de levar o assunto apreciação no falado contexto, esclarecer qual o regime aplicável, para se concluir se é de manter a norma legal ou se deve ser provocada a sua alteração.
Este mecanismo é de enorme utilidade para o legislador e, em última análise, sobretudo para a comunidade nacional que é a destinatária das leis, como é evidente. E a problemática substancial que é o objeto deste processo é disso um bom exemplo: só através deste mecanismo o Tribunal Constitucional pode tomar contacto com mais casos concretos, com aspetos e vivências mais variados, com vista à estabilização da jurisprudência e, salvaguardadas as opções políticas diferenciadas, a postura do Tribunal Constitucional é indispensável para o legislador.
Não se pretende aqui retirar nenhum efeito ao brilhantismo que decerto a atividade dos ilustres magistrados que decidiram nestes autos evidenciará em geral. E embora as posturas adotadas surjam aos olhos dos reclamantes (esperam estes que injustamente) eivadas porventura de alguma influência corporativa inconscientemente adotada, a análise aqui feita parte, como não podia deixar de ser, do obrigatório patamar da seriedade.
Mas é de justiça que se trata e a tal respeito não podem os reclamantes deixar de dizer que se sentem gravemente injustiçados, tanto pela recusa em admitir o recurso como pela aplicação de sanções condenatórias a título de custas. Vem esta nota a propósito de não se poder ignorar que o muito douto e exemplar acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/06, de 10/01 ter sido proferido sobre uma legislação em concreto que foi alterada exatamente pelas virtualidades do mecanismo do recurso obrigatório a que atrás se fez alusão, e de a opção tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça nestes autos se referir a essa legislação modificada.
E também não se pode ignorar que o tema de fundo deste processo está longe de ter sido resolvido em termos legislativos para que a solução possa ser aceite generalizadamente como boa e seja indutora de paz social. Deriva também daí mais um argumento para que os variados casos concretos que estão a ser discutidos nos tribunais sejam levados ao Tribunal Constitucional.
Os reclamantes têm a nítida consciência de que o que atrás disseram não serve para ensinar seja o que for, sobretudo a V. Ex.ªs. Os reclamantes limitaram-se a expor a sua posição.
Mas pedem agora que se atenda também aos aspetos específicos do caso, para concluir se é defensável ou não a atitude que o Ministério Público tomou e quais as consequências dessa atitude, ou seja, perante o legalmente estatuído, num caso em que o Ministério Público não interpôs o recurso obrigatório, é pelo menos defensável, em termos de ser admitido o recurso dos reclamantes, se foi violada a Constituição?
Os reclamantes não têm dúvidas de que a sua tese - da inconstitucionalidade da progressão dos autos - é defensável e de que a questão terá que ser resolvida pelo Tribunal Constitucional, não só porque esse é o seu campo próprio como ainda porque nenhum outro tem competência para tal.
Nesta conformidade, requerem a V. Ex.ªs seja admitido o recurso.
…”.
5. O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado que foi da apresentação da mencionada reclamação, pronunciou-se quanto à mesma, concluindo pelo seu indeferimento nos seguintes termos:
“…
22. Deste novo despacho, reclamam, agora, os Réus para este Tribunal Constitucional (cfr. fls. 348-351 dos autos).
Mas, designadamente pelas razões invocadas pelo digno magistrado judicial recorrido, que aqui inteiramente se acolhem, sem qualquer razão.
23. É um facto que o magistrado do Ministério Público, junto do Tribunal da Relação do Porto, interpôs recurso do Acórdão, de 15 de março de 2010, proferido por este tribunal superior (cfr. supra nº 13 do presente parecer), recurso, esse, por outro lado, que foi admitido.
No entanto, os Réus vieram, também, interpor recurso do mesmo Acórdão, embora para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. supra nº 14 do presente parecer), tendo este Supremo Tribunal, por Acórdão de 27 de janeiro de 2011, acordado em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido (cfr. nº 15 do presente parecer).
Não há, pois, dúvidas que o Acórdão do STJ veio substituir o Acórdão da Relação do Porto e, nessa medida, determinar que o recurso anteriormente interposto para o Tribunal Constitucional ficasse, processualmente, sem objeto - como muito justamente sublinhado pelo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto do STJ -, uma vez que o Acórdão, em que se havia baseado, tinha sido objeto de apreciação por um tribunal superior.
24. Também não oferece dúvidas, por outro lado, que os Réus - ao contrário do que alegam, para tentar, de alguma forma, disfarçar a sua inabilidade processual – poderiam ter interposto recurso do Acórdão do STJ, que lhes foi desfavorável, ao abrigo dos arts. 70º, nº 1, alínea a) e 72º, nº 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional.
No entanto, não o fizeram, deixando que transitasse em julgado.
25. O Senhor Procurador-Geral Adjunto junto do STJ, por outro lado, tinha inteira razão quando, para fundamentar a sua decisão de se abster de interpor recurso - o que lhe era expressamente permitida pelo art. 72º, nº 4 da Lei do Tribunal Constitucional -, se referiu ao Acórdão 23/06 do Tribunal Constitucional, que se manteve intocado durante vários anos e permitiu a fixação de uma corrente jurisprudencial, em que o Acórdão do STJ, de 27 de janeiro de 2011, igualmente se integra.
Só muito recentemente, através do Acórdão 401/11, de 22 de setembro, deste Tribunal Constitucional – nessa medida prolatado em data posterior à intervenção do Senhor Procurador-Geral Adjunto junto do STJ -, a questão relativa à fixação de um prazo, para a interposição da ação de investigação de paternidade, foi objeto de reapreciação, tendo-se, então, decidido, que a fixação de um prazo de 10 anos, para o efeito, se não revelava inconstitucional.
26. Acresce que, como bem sublinhado pelo despacho reclamado, não é suscetível de recurso, para o Tribunal Constitucional, um despacho interlocutório, como expressamente decorre do art. 70º, nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional.
Os Réus poderão sempre, nessa medida, designadamente na altura em que for proferida decisão final, no tribunal de 1ª instância, sobre o mérito da causa, interpor, então, recurso para o Tribunal Constitucional.
Embora, face ao decidido no muito recente Acórdão 24/12, de 17 de janeiro, deste Tribunal Constitucional, que julgou “inconstitucional a norma constante do artigo 3.º da Lei n.º 14/2009, de 1 de abril, na medida em que manda aplicar, aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor, o prazo previsto na nova redação do artigo 1817.º nº 1, do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º do mesmo Código”, se tenha o êxito de um tal recurso por duvidoso.
27. Por todo o exposto ao longo do presente parecer, julga-se que a presente reclamação dos Réus não poderá deixar de ser desatendida por este Tribunal Constitucional.
…”.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. A presente reclamação mostra-se formulada ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.º 4 da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC) e tem como objeto o despacho proferido pelo Tribunal de 1.ª instância que não admitiu o recurso para este Tribunal, invocando, para tanto, o artigo 70.º, n.ºs 2 e 5 da LTC.
Ora, dúvidas não há quanto a que o recurso para este Tribunal de decisão que aplique norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade tenha sido suscitada durante o processo, como pretendem os reclamantes ao invocarem que o recurso não admitido era interposto nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) da LTC e relativamente ao despacho proferido no tribunal de 1ª instância em 17 de junho de 2011, apenas cabe, para além de outros requisitos, quando dessa decisão não seja suscetível recurso ordinário, quer porque a lei o não prevê, quer porque já se encontram esgotados os que no caso cabiam (cf. artigo 70.º, n.º 2 da LTC).
Entendeu-se no despacho de que se reclama, o que se não mostra controvertido pelo teor da reclamação em apreço, que se encontrava previsto na lei processual civil recurso de despacho interlocutório, como o de que se recorre, pelo que, perante tal quadro legal, o recurso para este Tribunal era manifestamente inadmissível.
Aliás, o que os reclamantes efetivamente pretendem, como se alcança do teor da presente reclamação e do requerimento que motivou o despacho de que interpuseram o recurso que não veio a ser admitido pelo despacho reclamado, é ver apreciada, por este Tribunal, a questão de constitucionalidade abordada quer no acórdão da Relação do Porto quer no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, acórdão este que, por via de recurso ordinário, apreciou aquele, confirmando-o, já que nele se concluiu, como naqueloutro se havia concluído, pela não verificação da suscitada exceção perentória de caducidade, após cujo trânsito em julgado, consequentemente, baixaram os autos ao tribunal de 1ª instância para aí os mesmos prosseguirem os seus termos.
Porém, para tal, o recurso interposto e não admitido é meio processual inidóneo, porquanto os reclamantes, como lhes era processualmente admissível - artigos 70.º, n.º 1, alínea a) e 72.º, n.º 1, alínea b), ambos da LTC -, não interpuseram recurso para este Tribunal do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sendo sempre certo que, tendo interposto recurso ordinário do acórdão da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça, não podiam ignorar que o recurso interposto pelo Ministério Público do acórdão daquela Relação para este Tribunal ficaria, como veio a ficar, sem objeto.
Temos assim que, agora, apenas está em causa o despacho proferido pelo tribunal de 1.ª instância que constitui o objeto do recurso de constitucionalidade que os, ora, reclamantes pretendem ver admitido e, em consequência, motivou a presente reclamação.
Sucede, porém, que tal despacho se limitou a indeferir o envio, que havia sido requerido pelos reclamantes, dos autos a este Tribunal para apreciação de um recurso sem objeto ou de um outro que, no entendimento dos reclamantes, devia ter sido interposto, mas, efetivamente, o não foi; em consequência desse despacho haveria, naturalmente, lugar ao prosseguimento dos autos, como já resultava de despachos anteriores e em manifesto cumprimento do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que, como já se disse, não foi objeto de qualquer recurso, designadamente para este Tribunal.
Daí que, mesmo face à interpretação que de tal despacho fazem os reclamantes, no seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal, quanto à nele enunciada questão de constitucionalidade, sempre este recurso, sem necessidade de curar de outras razões, seria inadmissível, pelo menos por ora, face ao disposto no artigo 70.º, n.º 2 da LTC, já que ocorre desde logo a falta do requisito aí previsto, como seja, a não admissibilidade de recurso ordinário de tal despacho, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, fundamento este em que se sustenta a decisão reclamada.
Assim, a presente reclamação, perante a omissão de tal requisito, improcede, impondo-se, em consequência, a manutenção da decisão reclamada.
III. Decisão
Nos termos e com os fundamentos supra expostos, indefere-se a presente reclamação e, consequentemente, se mantém o despacho reclamado.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 20 UC.
Lisboa, 24 de abril de 2012.- J. Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro – Rui Manuel Moura Ramos.