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Proc. nº 552/99
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A ... (ora recorrente), requereu no Tribunal administrativo de Círculo de Coimbra, a suspensão da eficácia do Acórdão do Conselho dos Oficiais de Justiça
(ora recorrido), de 22 de Março de 1999, que, no período compreendido entre 18 de Março de 1996 e 26 de Novembro de 1998, lhe atribuiu, na categoria de Secretário Judicial, a notação de Suficiente.
2. Por decisão do Tribunal Administrativo de Círculo de Coimbra, de 7 de Julho de 1999, foi negada a requerida suspensão de eficácia, por o Tribunal ter considerado que não se verificava o requisito da alínea a) do nº 1 do art. 76º da LPTA.
3. Novamente inconformado recorreu o requerente para o Tribunal Central Administrativo, tendo dito, a concluir a alegação que aí apresentou, designadamente, o seguinte:
“1 – O DL nº 376/87, de 11 de dezembro, foi aprovado no uso de competência própria e estabelece regras sobre a organização e funcionamento dos tribunais
(art. 122º), bem como cria um órgão independente, fora da organização e funcionamento do Governo, com competência para apreciar o mérito dos funcionários judiciais, órgão de cuja composição fazem parte Magistrados Judiciais (art. 96º, nº 1, alíneas b) e c).
2 – Nos termos do art. 168º, nº 1, al. d) e q), na versão da revisão de 1982, e artigo 218º, nº 3 da actual CRP, a competência para legislar sobre tais matérias
é da competência exclusiva da Assembleia da República.
3 – Daí que as normas dos art.s 95º a 176º do DL nº 387/87, de 11 de Novembro, sejam orgânica e materialmente inconstitucionais por violação daquelas normas constitucionais e do princípio constitucional da não intromissão da administração na jurisdição.
(...)”.
4. O Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 30 de Agosto de 1999, decidiu negar provimento ao recurso. Sobre a alegada inconstitucionalidade dos artigos 95º a 176º do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, ponderou aquele Tribunal, a concluir:
“Do exposto, pode-se concluir o seguinte: a) No que se refere aos oficiais de justiça, o art. 220/3 da Constituição
(actual art. 128/3) limita-se a facultar ao legislador ordinário uma opção, mas não lhe impõe a atribuição das competências aí previstas ao C.S.M.; b) É da competência própria do Governo a adopção da medida substantiva de criação de um novo órgão da administração, bem como da sua composição – o Conselho dos Oficiais de Justiça – e da transferência para ele de competências de natureza administrativa que se encontravam repartidas por outros dois órgãos administrativos (art. 201/1a) da Constituição); c) Não existe, por isso, qualquer inconstitucionalidade decorrente da violação
«do princípio constitucional da não intromissão da administração na jurisdição»
(vide nº 3 das alegações); d) Não cabem na reserva legislativa parlamentar as alterações de competência dos tribunais administrativos introduzidas pelo Governo no exercício da sua competência legislativa própria, não se evrificando, por isso, a inconstitucionalidade orgânica da norma do art. 122º do DL 376/87, pelo que os tribunais administrativos de círculo são competentes para conhecer dos recursos em matéria administrativa do Conselho dos Oficiais de Justiça. e) Em suma: as normas que operam a transferência da competência para apreciação do mérito profissional sobre os oficiais de justiça do Conselho Superior de Magistratura (CSM) e do Conselho Superior do Ministério Público (C.S.M.P.) para o Conselho dos oficiais de justiça não violam os art.s 220/3 (actual art.
218º/3), nem o 168/1/q da Constituição (a alínea d) não está aqui em causa, já que as normas concretamente aplicadas não se reportam a qualquer infracção disciplinar), não se verificando, igualmente, a violação do invocado «princípio constitucional da não intromissão da administração na jurisdição» (vide nº 3 das alegações).
5. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso. Pretende o recorrente ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 95º a 176º, inclusive, do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro, por alegada violação do art. 168º, nº
1, als. d) e q) da Constituição da República Portuguesa (na versão da revisão de
1982), e do artigo 218º, nº 3 (na versão da revisão de 1997).
6. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
“1 – O DL nº 376/87, de 11 de dezembro, foi aprovado no uso de competência própria e estabelece regras sobre a organização e funcionamento dos tribunais
(art. 122º), bem como cria um órgão independente, fora da organização e funcionamento do Governo, o Conselho dos Oficiais de Justiça (COJ) com competência para apreciar o mérito profissional de uma categoria de funcionários públicos (os oficiais de justiça), de cuja composição fazem parte Magistrados Judiciais (cfr. art. 95º e 107º).
2 – Nos termos dos artigos 168º, nº 1, al. d) e q) da Constituição, na versão da revisão de 1982, e artigo 218º, nº 3 da actual CRP, legislar sobre tais matérias
é da competência da Assembleia da República.
3 – Daí que as normas dos art.s 95º a 176º do DL nº 387/87, de 11 de Novembro, sejam orgânica e materialmente inconstitucionais por violação daqueles normativos, bem assim por violação do princípio constitucional da não intromissão da administração na jurisdição, previsto no art. 114º da CRP (versão da Revisão de 1982).
4 – Como são inconstitucionais por violação do art. 223º, nº 3 da CRP (versão da revisão de 1982)”.
7. Notificado para responder, querendo, às alegações do recorrente, disse o Conselho dos Oficiais de Justiça (ora recorrido) a concluir:
“1. O que está em causa no recurso para esse Alto tribunal é o pedido de fiscalização concreta dos art.s 95º a 176º do DL 376/87. Não se compreende, por isso, porque vem arguida a inconstitucionalidade destas normas, por violação da al. d) do art. 168º da CRP (que trata da reserva relativa da AR para legislar sobre o regime geral das punições), dado que o recurso contencioso teve por base um acto administrativo de atribuição de classificação de serviço, e não a aplicação de uma pena disciplinar. E o Tribunal «a quo» não aplicou qualquer norma que choque com o referido preceito constitucional. Mesmo assim, sempre se dirá, e à cautela, que nem o regime das punições previsto no DL 376/87 é inconstitucional. Pois a reserva da competência da AR só se refere ao regime geral das infracções, e não a regulamentações especiais em que aquele se desdobre. E se o Governo pode legislar sobre regimes especiais de punições, como é o caso dos oficiais de justiça, sem prévia autorização da AR, também pode legislar sobre matérias relativas à apreciação do mérito profissional.
2. Também não pode proceder a alegada inconstitucionalidade, face à al. q) do art. 168º da Constituição, como se deixou expresso no ponto 5 das presentes alegações e, como, aliás, já foi decidido por esse Alto Tribunal – cfr. Ac. nº
589/99, proferido no proc. 104/98 – 3ª Secção/S.
3. Deverá igualmente improceder a inconstitucionalidade alegada, por violação dos art.s 114º nº 3 e 223º da CRP, pois este último preceito não impede ou proíbe a criação de um órgão diferente do CSM com competência para apreciar o mérito profissional dos oficiais de justiça. Este preceito, inserido num artigo que versa sobre a composição do CSM, limita-se a prever que a lei ordinária possa estabelecer que dele façam parte funcionários de justiça. Ora, quando o nº 3 do art. 223º da CRP (actual art.
218º) refere que « A lei poderá prever...» utiliza esta expressão (lei) em sentido amplo, e não lei da AR, como refere o recorrente. O que quer dizer que pode ser uma lei emanada da AR ou do Governo a estabelecer que do CSM façam parte funcionários de justiça. Podendo, consequentemente, ser um diploma emanado do Governo sem autorização da AR a estabelecer que do COJ faça parte um vogal designado pelo CSM. Isto em nada choca com o princípio da separação de poderes, previsto no art.
114º da CRP, não se vislumbrando violação do princípio da «intromissão da Administração na Jurisdição”.
8. Na sequência, elaborou o Relator um projecto de acórdão em que se suscitava, como questão prévia, a impossibilidade de conhecer do objecto do recurso, solução que fundamentou nos seguintes termos:
“O Tribunal Constitucional teve já oportunidade de afirmar por diversas vezes
(cfr., designadamente, os acórdãos nºs 151/85, 400/97, 664/97 e 442/00, publicados no Diário da República, II Série, de 31 de Dezembro de 1985, 17 de Julho de 1997, 18 de Março de 1998, e 5 de Dezembro de 2000, respectivamente),
“que não cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões proferidas no
âmbito das providências cautelares destinado à apreciação da constitucionalidade de normas em que, simultaneamente, se fundamentam, quer a providência requerida, quer a acção correspondente, dada a natureza provisória do julgamento ali efectuado”. Como se escreveu logo no citado acórdão nº 151/85, em jurisprudência entretanto reiterada pelos demais arestos citados, “ (...) nos procedimentos cautelares não cabe senão este tipo de decisão «provisória» relativamente à questão de constitucionalidade de normas de que substantivamente dependa a resolução da questão a decidir no processo principal e, portanto, a concessão da providência
(...). Visando os procedimentos cautelares uma solução provisória, é no processo principal que hão-de ser dirimidas as questões substantivas, aí decidindo-se em definitivo a matéria da (in)constitucionalidade (...)”. Assim, visando o presente recurso a apreciação da constitucionalidade de normas de que depende a resolução da questão a decidir no processo principal (as constantes dos artigos 95º a 176º, inclusive, do Decreto-Lei nº 376/87, de 11 de Dezembro) entendo, de acordo com aquela jurisprudência, para cuja fundamentação se remete, que não se pode conhecer do objecto do presente recurso.
9. De seguida foram as partes notificadas, em cumprimento do disposto no artigo
3º, nº 3 do Código de Processo Civil, para, querendo, se pronunciarem sobre a questão prévia suscitada, não tendo, nem o recorrente nem o recorrido, apresentado qualquer resposta.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação.
10. Sustentou o Relator do processo neste Tribunal, em parecer fundamentado e notificado às partes nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3º, nº 3 do Código de Processo Civil, a impossibilidade de conhecer do objecto do presente recurso, por não caber recurso para o Tribunal Constitucional - de decisões proferidas no âmbito de providências cautelares -, destinado à apreciação da constitucionalidade de normas em que, simultaneamente, se fundamentam, quer a providência requerida, quer a acção correspondente, dada a natureza provisória do julgamento ali efectuado.
As razões então invocadas pelo Relator para sustentar a impossibilidade de conhecer do objecto do recurso - que não foram, aliás, contestadas pelas partes
- merecem a inteira concordância do Tribunal, pelo que agora apenas resta, por remissão para aquela fundamentação, decidir no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida