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Procº n.º1054/98
1ª Secção Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
I - RELATÓRIO:
1. - O representante do MINISTÉRIO PÚBLICO junto do Tribunal Administrativo de Círculo do Porto veio interpor recurso contencioso de anulação da deliberação da Câmara Municipal de Viana do Castelo, de 25 de Junho de 1985, que aprovou à firma 'S..., Lda.' a 2ª fase de loteamento de Ambrosa, freguesia de Anha, Viana do Castelo.
O Tribunal Administrativo de Círculo do Porto (TACP), por sentença de 17 de Abril de 1993, decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o acto recorrido.
Não se conformando com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), pretendendo a anulação da decisão por entender que o loteamento em causa 'se situa parcialmente nas 1ª e 2ª dunas fronteiras ao mar que, no local, abrangem uma faixa com cerca de 600 metros de largura a partir da linha máxima de praiamar de águas vivas'.
No STA, por acórdão de 7 de Julho de 1998, decidiu-se negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, ainda que por fundamentos diversos.
Para chegar a tal resultado, o STA recusou aplicar as normas do artigo 2º, nº1, alínea b), e do artigo 3º, nº1, na parte em que se refere à aludida alínea b), do nº1 do artigo 2º, todos do Decreto-Lei nº321/83, de 5 de Junho (Reserva Ecológica Nacional), com fundamento na sua inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 168º, nº1, alínea g) da Constituição da República Portuguesa (versão de 1982).
É desta decisão que foi interposto o presente recurso obrigatório de constitucionalidade pelo Ministério Público.
2. - Neste Tribunal, o Ministério Público apresentou alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
'1º - É organicamente inconstitucional, por violação do artigo 168º, nº1, alínea g) da Constituição da República Portuguesa (na versão de 1982), a norma constante da alínea b) do nº1 do artigo 2º do Decreto-Lei n.º 321/83, em conjugação com o preceituado no nº1 do artigo 3º, já que tal norma dispõe inovatoriamente em matéria situada no âmbito da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, estando o Governo desprovido da indispensável credencial parlamentar.
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de constitucionalidade constante da decisão recorrida.'
Também a recorrida alegou e concluiu as suas alegações pela forma seguinte:
'I - Pelas razões doutamente expostas na 'motivação' do Exmo. Magistrado Recorrente, as normas cuja aplicação foi recusada no douto aresto recorrido são, efectivamente, inconstitucionais. II- A inconstitucionalidade orgânica de que o diploma em causa se mostrava inquinado (Dec-Lei nº 321/83, de Julho) afecta necessariamente as normas do artº
2º, nº1, al. b) e 3º, nº1, desse mesmo diploma, por força do disposto no artº
168º, nº1, al. g) da Lei Fundamental - versão de 1982 - já que tais normas sempre disporiam, de modo inovatório, sobre matérias da competência exclusiva da Assembleia da República, sem que esta tivesse, previamente, autorizado o Governo a fazê-lo. III- O Supremo Tribunal Administrativo andou bem ao recusar a aplicação, ao caso concreto, das questionadas normas do Dec-Lei nº 321/83, TERMOS EM QUE e sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juizes Conselheiros, deverá ser confirmado o juízo de inconstitucionalidade definido pelo Venerando Tribunal Recorrido, como é de JUSTIÇA!'
Corridos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTOS:
3. - O Decreto-Lei n.º 321/83, de 5 de Julho, instituiu a Reserva Ecológica Nacional e, pela norma cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, determina-se o seguinte:
'Artigo 2º
(Constituição da Reserva Ecológica Nacional)
A Reserva Ecológica Nacional (REN), que adiante se designará por Reserva Ecológica, é constituída por:
1 - Ecossistemas costeiros, designadamente:
..................................................... b) Primeira e Segunda dunas fronteiras ao mar;
..................................................... Artigo 3º
(Regime da Reserva Ecológica)
1 - Nos solos da Reserva Ecológica são proibidas todas as acções que diminuam ou destruam as suas funções e potencialidades, nomeadamente vias de comunicação e acessos, construção de edifícios, aterros e escavações, destruição do coberto vegetal e vida animal.
..........................................................'
O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 368/92 (in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 23º Vol., pág. 211), declarou 'a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, por violação da alínea g) do nº1 do artigo 168º da Constituição, da norma constante da alínea c) do nº1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 321/83, de 5 de Julho, bem como da norma ínsita no nº1 do artigo 3º do mesmo diploma, com referência à aludida alínea c) do nº1 do artigo 2º'.
Esta decisão fundamentou-se na seguinte argumentação:
'Por um lado, a circunstância de a regulação ínsita nas normas sub specie ter introduzido no ordenamento jurídico preexistente um princípio básico que ali se não consagrava (qual seja o de proibir a realização de obras, construções, aterros, escavações, destruição do coberto vegetal ou da vida animal nas arribas, incluindo uma faixa até 200m para o interior do território contados a partir do respectivo rebordo), desta sorte efectuando uma fundamental e verdadeira inovação;
Por outro lado, que a matéria objecto das ditas normas faz parte de um sistema de protecção da natureza e do equilíbrio ecológico; e
Ainda por outro, que o diploma em que tais normas se encontram não foi emitido a coberto de autorização parlamentar'.
Como se refere na decisão recorrida, os fundamentos que serviram de base ao Acórdão n.º 368/92 são inteiramente transponíveis, por identidade de razão, para as normas que vêm recusadas nos presentes autos. Com efeito, tratando-se de matéria abrangida pela alínea g) do nº1 do artigo
168º da Constituição, ao tempo aplicável, a inexistência da pertinente autorização legislativa determina a inconstitucionalidade orgânica das normas questionadas, enquanto integradas em Decreto-Lei emitido pelo Governo ao abrigo da alínea a) do nº1 do artigo 201º da Constituição (na redacção actual, artigo
198º) pelo que se tem de concluir também pela inconstitucionalidade orgânica destas normas.
II - DECISÃO:
Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide julgar inconstitucionais as normas do artigo 2º, nº1, alínea b), do Decreto-Lei n.º
321/83, de 5 de Julho e do artigo 3º, n.º1, do mesmo diploma, na parte em que se refere à aludida alínea b) do n.º1 do artigo 2º, por violação do artigo 168º, nº1, alínea g) da Constituição (na redacção dada pela Lei Constitucional nº
1/82, de 30 de Setembro) e, em consequência, nega-se provimento ao presente recurso, confirmando-se a decisão recorrida.
Lisboa, 21 de Abril de 1999 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito Artur Maurício José Manuel Cardoso da Costa