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Proc. nº 158/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I - Relatório.
1. A Caixa Geral de Aposentações recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 10 Novembro de 1995, que anulou o seu despacho de 27 de Maio de 1985, que tinha indeferido o pedido de aposentação apresentado por A. D., ao abrigo do disposto no Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro.
2. Nas alegações que então apresentou a Caixa Geral de Aposentações suscitou a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na interpretação que a decisão recorrida dela havia feito, por violação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos
8º, nº 2; 13º e 15º, nº 2 da Constituição.
3. O Supremo Tribunal Administrativo (Secção do Contencioso Administrativo), por acórdão de 4 de Fevereiro de 1997, depois de concluir que o artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, não é inconstitucional, negou provimento ao recurso.
4. É deste acórdão que vem interposto pela Caixa Geral de Aposentações, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º e do artigo 75º-A da lei nº 28/82, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende a recorrente ver apreciada a questão da constitucionalidade da citada norma do artigo 1º do Decreto-Lei nº
362/78, de 28 de Novembro, na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido, por entender que tal norma é violadora dos seguintes princípios e normas constitucionais: o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa; a excepção ao princípio da equiparação dos estrangeiros e apátridas com os cidadãos portugueses consagrada no nº 2 do artigo 15º da Constituição da República Portuguesa; o princípio segundo o qual o Direito Internacional Convencional, regularmente aprovado ou ratificado, vigora na ordem interna enquanto vincular o Estado Português, consagrado no nº 2 do artigo 8º da Constituição da República Portuguesa.
5. Admitido o recurso foi a recorrente notificada para apresentar alegações, o que fez, tendo concluído no sentido da inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, na interpretação que dele fez o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, por violação dos princípios e normas constitucionais já indicados.
6. Notificado para responder, querendo, às alegações da recorrente, o recorrido veio dizer, a concluir, o seguinte: ?A alegada inconstitucionalidade do artigo
1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de novembro, por pretensa violação dos artigos 8º, nº 2; 13º e 15º, nº 2 da CRP é uma questão que ficou definitivamente esclarecida com o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 354/97, em que é recorrido Edgar Varela da Fonseca, acórdão que se anexa e que se pronuncia pela total inconstitucionalidade da norma em apreço, aliás na esteira do mesmo entendimento perfilhado pelo STA (...)?.
7. Notificada, nos termos e para os efeitos do artigo 526º do Código de Processo Civil, a recorrente veio reafirmar a sua posição no sentido da alegada inconstitucionalidade do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de novembro, por violação dos artigos 8º, nº 2; 13º e 15º, nº 2 da Constituição.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II - Fundamentação.
8. As questões que a ora recorrente pretende submeter à apreciação do Tribunal Constitucional não são novas. Pelo contrário, já por diversas vezes este Tribunal teve oportunidade de se pronunciar - na sequência de recursos similares interpostos pela Caixa Geral de Aposentações - sobre a conformidade com a Constituição do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, tendo sempre decidido pela sua não inconstitucionalidade (cfr., entre muitos outros, o Acórdão nº 354/97, in Diário da República, II série, de 18 de Junho de 1997).
9. Desde logo, e como se decidiu já no acórdão nº 354/97 (já citado), numa questão em tudo idêntica à dos autos, não pode o Tribunal conhecer do objecto do recurso na parte em que a recorrente pretende ver apreciada a compatibilidade do artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, com o artigo 8º, nº 2, da Constituição. Como disse, então, o Tribunal Constitucional:
- Esta questão - recte, a questão de saber se o Acordo aprovado pelo Decreto-Lei nº 524-M/76 está em vigor (como pretende a recorrente) ou se o mesmo foi revogado pelo mencionado Decreto-Lei nº 362/78, «por incompatibilidade» com ele, ou, pelo menos, se, com a publicação deste último diploma legal, aquele cessou a
«sua vigência», por desvinculação externa da República de Cabo Verde, ao assumir o Estado Português todas as obrigações» (como se decidiu no acórdão recorrido) - não pode este Tribunal decidi-la, uma vez que o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da lei 28/82, de 15 de Novembro. Na verdade, na tese da recorrente, «o artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, viola o disposto no artigo 8º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, por se considerar (no acórdão recorrido, obviamente) que tal norma revogou tacitamente o Decreto-Lei nº 524-M/76, diploma que transpôs para a ordem interna o Acordo celebrado entre Portugal e a República de Cabo Verde». Significa isto que a recorrente entende que o direito internacional convencional regularmente ratificado ou aprovado ? para além de vigorar na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincular o Estado Português ? tem primazia sobre o direito ordinário interno. Significa ainda que, para ela, o Acordo celebrado entre Portugal e Cabo Verde, aprovado pelo Decreto-Lei nº 524-M/76, é direito internacional convencional vinculante na ordem jurídica interna portuguesa. E significa, finalmente, que, do seu ponto de vista, a violação de um acordo celebrado entre Portugal e um outro Estado por um diploma legislativo
(no caso, a violação do acordo aprovado pelo Decreto-Lei nº 524-M/76, celebrado com a República de Cabo Verde, pelo decreto-Lei nº 362/78, de 28 de Novembro, é uma questão de constitucionalidade (violação do princípio consagrado na parte final do nº 2 do artigo 8º da Constituição) que cumpre a este Tribunal decidir neste recurso. Ora, como se decidiu no Acórdão nº 405/93 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 19 de Janeiro de 1994) - seguindo, de resto, na esteira da jurisprudência anterior desta secção - , as questões de constitucionalidade que ao Tribunal «cumpre conhecer ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da lei nº 28/82, de 15 de Novembro, são apenas aquelas em que a norma arguida de inconstitucional viola directa ou imediatamente, uma norma ou princípio constitucional, e não também os casos de inconstitucionalidade indirecta (ou seja, aqueles casos em que a violação da Lei Fundamental ocorre porque, em primeira linha, existe uma violação de um preceito de lei infraconstitucional)». Esta última será a situação dos autos - suposto, obviamente, que o direito internacional convencional tem primazia sobre o direito interno; que o referido acordo é direito internacional convencional vinculante na ordem jurídica interna, e que ele é violado pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78. O Tribunal não precisa, no entanto, de decidir as questões por último enunciadas, porque ? citando mais uma vez o acórdão nº 405/93 - «os casos de contrariedade de norma constante de acto legislativo com convenção internacional só podem ser objecto de recurso para o Tribunal Constitucional - recurso que é restrito às questões de natureza jurídico-constitucional e jurídico-intrenacional implicadas na decisão recorrida (cfr. o nº 2 do artigo
71º da Lei do Tribunal Constitucional) ? na hipótese prevista na alínea i) do artigo 70º da mesma lei. Ou seja, só se pode recorrer para este Tribunal das decisões ?que recusem a aplicação de norma constante de acto legislativo com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a questão pelo Tribunal Constitucional'. Tal não aconteceu, porém. Assim, havendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º - e não ao da sua alínea i) - e não colocando o artigo 1º do Decreto-Lei nº 362/78, quando em confronto com o Decreto-Lei nº 524-M/76 e com o artigo 8º, nº 2 da Constituição uma questão de constitucionalidade da competência deste Tribunal, não pode conhecer-se deste fundamento de
«inconstitucionalidade» invocado pela recorrente (cf., neste sentido, entre outros e para além do acórdão nº 405/93, os acórdãos nºs 277/92, 351/92, 603/92 e 162/93, o primeiro publicado no Diário da República, 2ª Série, de 23 de Novembro de 1992, e os últimos por publicar.' Também na situação que é objecto dos autos - como naquela que foi objecto do acórdão nº 354/97 - o recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que, não havendo razões para alterar o sentido do anteriormente decidido, apenas há agora que reiterar, e pelos mesmos fundamentos, aquele julgamento.
10. No que se refere à alegada violação dos artigo 13º e 15º, nº 2, da Constituição, o Tribunal Constitucional afirmou também já por diversas vezes, designadamente no aresto supra referido, que o artigo 1º do Decreto-Lei nº
362/78, de 28 de Novembro, não era inconstitucional. Disse então, em síntese, o Tribunal Constitucional:
'Em direitas contas, o que o legislador fez foi abrir aos servidores da Administração Pública dos ex-territórios portugueses do ultramar que reuniam as condições para a aposentação, mas que, por força das circunstâncias em que ocorreu o processo de descolonização, se viram privados do direito à respectiva pensão e forçados a sair das suas terras e vir para Portugal, a possibilidade de a receber. E com isso, o que procurou foi colocá-los em situação idêntica à daqueles que, tendo exercido funções semelhantes às suas, a mudança histórica não privou desse direito.
É uma medida fundada em razões de justiça. Não uma decisão arbitrária nem discriminatória. Por isso mesmo não pode ela violar a igualdade. A norma sub judicio não é, pois, inconstitucional'.
É, pois, mais uma vez, este entendimento, e pelas mesmas razões, que agora aqui se reitera. III - Decisão.
Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso e confirmar, consequentemente, a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade. Lisboa,17 de Novembro de 1998 José de Sousa e Brito Messias Bento Guilherme da Fonseca Bravo Serra Maria dos Prazeres Beleza Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa