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Proc. nº. 961/98 TC – 1ª Secção Rel.: Artur Maurício
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1- F..., menor, com os sinais dos autos, representada por seu pai, J..., reclama do despacho, documentado a fls. 46, que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional do acórdão de fls. 32 e segs. de indeferimento do pedido de suspensão de eficácia da deliberação do Conselho dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF), de 30 de Março de 1988, que puniu seu pai com a pena disciplinar de aposentarão compulsiva. A reclamante interpusera recurso daquele acórdão, indicando, depois de convidada para o efeito, como inconstitucionais, as normas dos artigos 46º nº. 1 do Regulamento do STA (RSTA), 170º nº. 2 do Estatuto dos Magistrados Judiciais, 26º nº. 1 a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 76º, 77º,
78º nº. 4, 79º, 80º e 81º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos
(LPTA), na interpretação dada no acórdão recorrido Mais disse que as questões de inconstitucionalidade haviam sido suscitadas no requerimento de suspensão de eficácia, com ressalva da que se reporta à norma do artigo 46º nº. 1 do RSTA que teria sido aplicada no acórdão recorrido, sem que a reclamante tivesse oportunidade de antes arguir a sua inconstitucionalidade. O recurso não foi admitido com fundamento no facto de as normas não terem sido aplicadas no acórdão impugnado.
É deste despacho que vem a presente reclamação, nela sustentando a reclamante que as referidas normas foram aplicadas no acórdão recorrido, sendo de todo inesperada a aplicação da norma do artigo 46º nº. 1 do RSTA, na interpretação que lhe foi dada. Seria o caso da norma do artigo 76º da LPTA, na interpretação segundo a qual os requisitos aí previstos poderiam ser apostos a um juiz, também o da norma do artigo 170º nº. 2 do EMJ, na interpretação segundo a qual o recurso interposto das decisões expulsivas de juízes não tem, por si só, efeito suspensivo, tendo o interessado de requerer a suspensão de eficácia da decisão; e, finalmente o das normas dos artigos 26º nº. 1 alínea a) do ETAF e 76º, 77º, 78º, nº. 4, 79º, 80º e 81º da LPTA, interpretados no sentido de que o tribunal, numa suspensão de eficácia, não pode declarar, desde logo, a nulidade do acto recorrido. O Exmo Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação Vindos os autos à conferência, com dispensa de vistos prévios nos termos do artigo 77º nº. 3 da LTC, cumpre decidir.
2 - Competindo ao Tribunal Constitucional a fiscalização concreta de constitucionalidade das normas mediante recurso interposto de decisões jurisdicionais, é pressuposto de admissibilidade da impugnação que as normas (ou uma sua interpretação) tenham sido efectivamente aplicadas na decisão recorrida como fundamento do julgado, aceitando a jurisprudência deste Tribunal que a aplicação o seja apenas de forma implícita.
É ainda pressuposto de admissibilidade do mesmo recurso que a questão de inconstitucionalidade tenha sido levantada pelo recorrente durante o processo, em termos de suscitar, sobre ela, a pronúncia do tribunal, antes de esgotado o poder jurisdicional. O acórdão recorrido indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto que aplicou ao pai da reclamante a pena disciplinar de aposentação compulsiva, com fundamento na não verificação do requisito previsto no artigo 76º nº. 1 alínea c) da LPTA - inexistência de fortes indícios de ilegalidade de interposição do recurso - por a requerente carecer de legitimidade (falta de interesse directo e pessoal) para recorrer contenciosamente daquele acto. No requerimento de suspensão de eficácia, depois de identificado o acto em causa, a reclamante começou por alegar que, nos termos do artigo 170º nº. 2, in fine, do EMJ, a suspensão de eficácia pedida dependia apenas de um requisito - da execução do acto resultar para o recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação (art. 3º) - mas, logo a seguir, afirma que se mostram também preenchidos os requisitos previstos no artigo 76º nº. 1 da LPTA (art. 4º). Passa depois a alegar os 'prejuízos de difícil reparação' (arts. 7º a 63º), trecho onde, entre outros, invoca que a execução do acto está a privar a requerente do património constituído pelo 'direito ao subsídio por morte, conferido pelo Decreto-Lei nº. 223/95, de 8 de Setembro' (art. 59º). Em seguida, alega a inexistência de grave lesão para o interesse público se a suspensão vier a ser decretada (artigos 64º a 97º); neste passo do requerimento a reclamante invoca a ilegalidade da pena imposta e a nulidade ou inexistência de qualquer 'resolução fundamentada' prevista no artigo 80º nº. 1 da LPTA. Depois, procura a requerente demonstrar que não existem indícios de ilegalidade da interposição do recurso (artigos 98º a 104º), alegando a nulidade ou inexistência do acto recorrido e dizendo no artigo 103º: 'Portanto o STA até pode nesta sede declarar a existência e/ou a nulidade do acto do CSTAF a cuja execução se pretendeu proceder. Nos artigos 105º a 128º, a reclamante alega, dado o disposto no artigo 81º nº.1 da LPTA, a 'utilidade relevante' do recurso. Por último, nos artigos 129º a 154º sustenta a reclamante que a execução que teria sido dada ao acto punitivo foi indevida, (i) por o recurso ter efeito suspensivo nos termos do artigo 170º nº. 2 do EMJ (interpretada em sentido contrário a norma violaria diversos comandos constitucionais que concretiza),
(ii) por o acto ser nulo ou inexistente, (iii) por o pedido de suspensão de eficácia determinar a suspensão provisória da mesma eficácia, (iiii) por não ter havido notificação válida do acto (iiiii) por não ter havido despacho de desligamento de serviço e o CSTAF jamais ter emitido 'a decisão de proceder à execução'. Face ao que se deixa relatado relativamente ao requerimento de suspensão de eficácia e ao decido no acórdão recorrido, não se verificam – e quanto a todas normas invocadas - todos os pressupostos de admissibilidade do recurso. Quanto à norma do artigo 46º nº. 1 do RSTA que se reporta à legitimidade activa no recurso contencioso e que se admite ter sido implicitamente aplicada no acórdão recorrido, está adquirido - a própria reclamante o confessa - que a inconstitucionalidade não foi arguida. Mas teria sido surpreendente e inesperada a decisão de modo a não ser exigível que a reclamante, num juízo de prognose sobre as soluções plausíveis, a previsse
? Entende-se que não. Em primeiro lugar, há que realçar que a decisão foi tomada no âmbito de uma norma que, no procedimento de suspensão de eficácia, impõe, como um dos requisitos do decretamento da providência, a inexistência de fortes indícios de ilegalidade de interposição do recurso; não é, pois, uma decisão que se possa
'transportar' para o recurso com o grau de certeza que neste se impõe para julgar o recorrente parte ilegítima e, em princípio, nada obsta a que, no recurso contencioso, se reconheça à reclamante legitimidade activa. Por outro lado, sendo a requerente filha do destinatário do acto que impôs a pena disciplinar de aposentação compulsiva, é plausível, em conformidade com o disposto no artigo 46º nº. 1 do RSTA, uma decisão - tal como a recorrida - que a considere com um interesse meramente indirecto ou reflexo na anulação do acto em causa. Depois, a invocação da perda de um direito ao subsídio por morte inseriu-se, formal e substancialmente, no trecho do requerimento em que a requerente procurava demonstrar que a execução do acto causaria à requerente prejuízos de difícil reparação, estabelecendo-se assim entre aquela e estes um nexo de causalidade adequada, que não tem necessariamente que interferir na resolução da questão da legitimidade para o recurso. Ainda, a invocação da 'titularidade' do direito ao subsídio por morte, no ponto em que esta apenas se determina de acordo com a situação vigente à data da morte do funcionário – podendo até não vir a encabeçar-se na reclamante – em nada contende com a legitimidade activa no recurso contencioso da deliberação em causa, razão por que, também, se não pode considerar imprevisível a decisão tomada no acórdão de que a reclamante pretende recorrer. Quanto à norma do artigo 170º nº. 2 do EMJ e na primeira vez que a requerente a invoca, não se questiona a inconstitucionalidade de uma interpretação que obrigue o interessado ao pedido de suspensão de eficácia do acto nos termos do artigo 76º da LPTA, sendo certo até que a reclamante logo alega que se mostram preenchidos os requisitos constantes deste preceito, estruturando mesmo o seu requerimento em conformidade com tal alegação. A questão de inconstitucionalidade só é referida para demonstrar a 'execução indevida' do acto a que se teria procedido; ora, o acórdão recorrido nunca conhece - por estar prejudicado pela solução dada ao pedido de suspensão de eficácia - do problema da execução indevida do acto (artigo 80º nº. 3 da LPTA). Isto significa que a reclamante não suscitou a questão de inconstitucionalidade na dimensão que veio a impugnar e apenas o fez com referência a uma outra, que não foi apreciada no acórdão recorrido e onde, consequentemente, não pode reconhecer-se uma aplicação, explícita ou implícita, da norma em causa. Também e não obstante ter defendido a aplicação do artigo 170º nº. 2 do EMJ nos termos apontados, nunca a reclamante sustentou a inconstitucionalidade da norma do artigo 76º da LPTA, interpretada no sentido de que os requisitos aí previstos podem ser 'apostos a um juiz'. No que concerne ao último grupo de normas, interpretadas no sentido de que no processo de suspensão de eficácia não pode ser declarada a nulidade do acto em causa, importa deixar claro que o facto de o acórdão recorrido não ter feito - como não fez - uma tal declaração, não é, só por si, bastante para nele se reconhecer, implícita, aquela interpretação. A questão foi suscitada pela reclamante a propósito do requisito estabelecido no artigo 76º nº. 1 alínea c) da LPTA, aí se concluindo que 'o STA até pode nesta sede declarar a existência e/ou a nulidade do acto do CSTAF a cuja execução se pretendeu proceder' e que 'isto mesmo resulta do artigo 268º nº. 4 da Constituição, pois onde se dizia que 'é garantido aos administrados recurso contencioso' diz-se agora que 'é garantida tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses'. Mesmo que se queira ver aqui a suscitação, de forma idónea, de uma questão de inconstitucionalidade, certo é que o acórdão impugnado, pelo tipo de decisão que tomou, não tinha que a apreciar. Em primeiro lugar e como é jurisprudência pacífica dos nossos tribunais administrativos, o requisito previsto no artigo 76º nº. 1 alínea c) da LPTA, nada tem a ver com a legalidade do acto cuja eficácia se pretende ver suspensa, mas apenas com circunstâncias - em especial, pressupostos processuais do recurso contencioso - que obstam ao conhecimento do objecto do recurso. Por outro lado e ainda que o acto fosse, como se pretende, nulo ou inexistente, sempre a reclamante teria que ser considerada parte legítima para o poder impugnar contenciosamente; e foi precisamente a existência de fortes indícios de ilegitimidade - questão que sempre seria prioritária - que determinou o indeferimento do pedido. Não há, assim, qualquer julgado implícito relativamente a uma alegada inconstitucionalidade das referidas normas, no sentido apontado pela reclamante. Não se verificam, deste modo, e quanto a todas as normas apontadas, os requisitos de admissibilidade do recurso previsto no artigo 70º nº. 1, alínea b), da Lei nº. 28/82.
3 - Decisão: Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs, a cobrar nos termos do artigo 54º do DL nº. 387- B/87, de 29 de Dezembro. Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Artur Maurício Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa