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Processo n.º 219/01
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Em 10 de Outubro de 1997, P..., S.A interpôs recurso contencioso para o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto da decisão do Presidente da Câmara Municipal do Porto, de 10 de Setembro do mesmo ano, “que indeferiu a reclamação da liquidação de ‘taxas devidas com ocupação da via pública com armários e pela ocupação de subsolo com tubos, cabos e condutas’ durante os anos de 1994 e 1995, no montante de 101.838.680$00”. Para tanto alegou que, por um lado, dada a natureza dos bens e serviço prestado, não eram devidas as taxas liquidadas e, por outro, que o Presidente da Câmara não teria competência para apreciar a reclamação, pertencendo a mesma ao órgão Câmara Municipal. Na decisão do 3º Juízo daquele Tribunal de 29 de Novembro de 1999, invocou-se a incompetência do Presidente da Câmara para apreciação e decisão da reclamação, defendendo-se a tese da não aplicabilidade do artigo 102º do Código Administrativo (no qual se confere competência aos presidentes das Câmaras Municipais para decidir, “por despacho, sobre os negócios das Câmaras Municipais”). Desta decisão interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo o representante da Fazenda Pública. Por acórdão daquele Supremo Tribunal de 4 de Outubro de 2000, foi concedido provimento ao recurso e ordenada a revogação da sentença recorrida.
2. Regressados os autos ao Tribunal de 1ª Instância do Porto, por decisão datada de 21 de Novembro de 2000, foi anulado o acto de liquidação em análise por inconstitucionalidade do regulamento com base no qual foi feita a liquidação da taxa em questão nos seguintes termos:
“ (...) Poderia questionar-se se todos os bens referidos nos autos de medição que deram causa à liquidação deverão considerar-se como bens pertencentes a essa rede básica. Porém, tendo assim sendo qualificados pela impugnante, tal questão não suscitou qualquer dúvida à autarquia que, como tal aceitou que integravam essa rede básica. Existe porém uma questão cuja análise antecede esta por se referir à questão da lei habilitante do regulamento camarário com base no qual foi liquidada a taxa em discussão. Pela análise do referido regulamento verifica-se que, no momento da liquidação da taxa em discussão, não continha o mesmo indicação expressa da lei habilitante. O Tribunal Constitucional já se pronunciou inequivocamente que, de acordo com o disposto no artº 115º da C.R.P., os regulamentos – todo e qualquer regulamento, independentemente do órgão ou autoridade donde tiverem emanado – devem indicar expressamente as leis que visam regulamentar ou que definem a competência subjectiva e objectiva para a sua emissão, sob pena de padecerem de inconstitucionalidade formal, por desrespeito do citado preceito constitucional, como pode verificar-se também no acórdão de 20 de Outubro de 1999, proferido pelo Tribunal Constitucional no processo de impugnação n.º 1/94, deste juízo. Assim, sem necessidade de mais análises, dado tratar-se de uma questão repetidamente afirmada na doutrina e na jurisprudência, declaro, nos presentes autos a inconstitucionalidade formal do referido regulamento, e, em consequência, a anulação do acto de liquidação nestes autos posta em causa, que não pode subsistir, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas nestes autos.”
3. É desta decisão que vem interposto, pelo representante da Fazenda Pública, ao abrigo das alíneas a)e b), do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o presente recurso de constitucionalidade. Admitido este, concluíam assim as alegações do recorrente:
“ a) O Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996, da Câmara Municipal do Porto refere expressamente que é aprovado em cumprimento do estipulado no n.º
3 do artigo 68-A do DL. n.º 445/91. b) A referência à lei a que o Regulamento dá cumprimento cumpre plenamente o objectivo do conhecimento do destinatário. c) A exigência constitucional de lei habilitante do Regulamento protege justamente o objectivo do conhecimento do destinatário. d) Não ocorre o considerado vício de omissão de lei habilitante.” Não tendo havido outras intervenções processuais, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. O presente recurso de constitucionalidade foi intentado ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, de decisão que recusou a aplicação do Regulamento da Tabela de Taxas e Licenças para 1996 da Câmara Municipal do Porto, por lhe imputar o vício de inconstitucionalidade formal. Com base nessa recusa de aplicação, “sem necessidade de mais análises”, o tribunal a quo decidiu anular o acto de liquidação da taxa em questão, verificando-se, pois, os requisitos para se tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto.
5. A recorrente entende que o referido Regulamento “refere expressamente que é aprovado em cumprimento do estipulado [rectius estatuído] no n.º 3 do artigo
68º-A” do Decreto-Lei n.º 445/91. Ora, como se escreveu no Acórdão n.º 28/01 deste Tribunal (publicado no Diário da República, II série de 12 de Março de 2001), a propósito deste mesmo regulamento:
“(...) certo é que, no caso dos autos, não se encontra no texto do Regulamento, nem no texto do aviso que lhe deu publicidade, qualquer referência à norma que justifica a competência da Câmara Municipal para o aprovar, ou da Assembleia Municipal para o homologar. Na verdade, as disposições legais mencionadas no aviso [que antecede a publicação do dito regulamento no Diário da República, II série de 12 de Março de 1996] dizem respeito tão somente à exigência de publicação no Diário da República de certos regulamentos municipais (n.º 3 do artigo 68º-A do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de Novembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º
250/94, de 15 de Outubro) e à exigência de submissão à apreciação pública dos projectos de regulamentos administrativos (artigo 118º do Código do Procedimento Administrativo). As normas invocadas referem-se portanto a exigências de natureza procedimental, que devem ser observadas aquando da adopção de normas regulamentares por certas entidades. (...) Porém, nenhuma das normas invocadas prevê ou disciplina a competência da Câmara Municipal para aprovar, ou da Assembleia Municipal para homologar, o Regulamento que aqui se discute – mais precisamente, a norma com base na qual foi efectuada a liquidação impugnada nos presentes autos – ou para aprovar ou homologar qualquer outra norma regulamentar. As normas invocadas não são, repete-se, normas atributivas de competência regulamentar aos órgãos autárquicos. Por isso, a referência a essas normas no aviso que precede a publicação do Regulamento não dispensa – e não pode substituir – a menção da respectiva norma legal habilitante. A função de uma e outra referência é diferente, porque distinta é também a finalidade a prosseguir por uma e outra exigência. Sublinhe-se, aliás, a fórmula utilizada no próprio aviso: ‘Em cumprimento do estipulado no n.º 3 do art. 68º-A do Dec. Lei 445/91
[...] publica-se o Regulamento [...]’.” E neste mesmo aresto referiram-se, em passo anterior, essas diversas funções ou finalidades: num caso a demonstração do “cumprimento dessas exigências legais (a publicação no jornal oficial e a apreciação pública do regulamento)”; noutro caso, obrigar “o Governo e a Administração a controlarem, em cada caso, se podem ou não emitir determinado regulamento, e, por outro lado, garantir a segurança e a transparência jurídicas, dando a conhecer aos destinatários o fundamento do poder regulamentar.” Ora, no momento da liquidação das taxas em causa – de que o contribuinte foi notificado em 29 de Abril de 1997 – o referido regulamento não continha indicação expressa da norma habilitante, violando desta forma o (então) n.º 7 do artigo 115º da Constituição (actual n.º 8 do artigo 112º). Pelo que, no seguimento da jurisprudência deste Tribunal (além do já citado Acórdão n.º 28/01, podem ver-se os Acórdãos n.ºs 148/00, 501/00 e 502/00 – o primeiro e o último ainda inéditos, e o segundo publicado no Diário da República, II série, de 4 de Janeiro de 2001), se reitera o juízo de inconstitucionalidade constante daqueles arestos, e, consequentemente, se nega provimento ao recurso. III. Decisão Pelo fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002 Paulo Mota Pinto Bravo Serra Guilherme da Fonseca Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa