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Proc.Nº 128/98 Sec. 1ª Rel. Cons. Vitor Nunes de Almeida
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. - Em 3 de Janeiro de 1988, o Ministério Público, no Tribunal de Turno da Comarca de Lisboa, determinou a apresentação ao juiz desse Tribunal do arguido A. T., a fim de se proceder ao seu julgamento em processo sumário.
Em despacho dessa mesma data o referido magistrado judicial considerou-se materialmente incompetente para determinar a ulterior tramitação do processo, concluindo a fundamentação da sua decisão da forma seguinte:
'- declaro ilegal e inconstitucional a interpretação dada ao nº 1 do artº 22ºB do DL nº 214/88 pelo Venerando Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa contida na decisão pela qual escalou os Juízes a exercer funções no Tribunal de Turno do círculo judicial de Lisboa;
- declaro inconstitucional o nº 3 do artº 90º da Lei nº 38/87 (com a redacção que lhe foi dada pela Lei nº 44/96 de 3 de Setembro);
- declaro-me materialmente incompetente para determinar a ulterior tramitação deste processo por ser inaplicável, dadas as decisões atrás tomadas, a decisão pela qual fui escalado para exercer funções no tribunal de turno do círculo judicial de Lisboa;
- e, por tudo isso, ordeno no que aos presente autos se reporta, tanto mais que, tendo em atenção a previsão normativa do comando legal indicado na acusação do MºPº (artº 291º a) e b) do C.Penal), na participação da entidade policial não estão suficientemente esclarecidos os factos por forma a integrar os conceitos que constituem o tipo de ilícito em causa (vg. 'perigo para a vida ou para a integridade física de outrém', 'bens patrimoniais de valor elevado') a remessa, digo o reenvio do processo para a forma comum.
O apuramento ainda que indiciário desses elementos não poderá realizar-se, previsivelmente, 'no prazo máximo de cinco dias após a detenção'
(artº 390º c) do CPP).
Deste modo, não há que realizar o julgamento em processo ordinário, não havendo, pois, que declarar aberta a audiência de julgamento.'
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade desta decisão e identificou o respectivo objecto nos termos que se transcrevem:
'O recurso tem por objecto:
a) a apreciação da ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação dada ao nº 1 do artº 22º B do DL 214/88 no despacho do Senhor Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa com fundamento na qual escalou para o serviço do Tribunal de Turno de Lisboa os Juízes colocados no Tribunal de Círculo Judicial de Lisboa;
b) a apreciação da inconstitucionalidade do nº 3 do artº 90º da Lei nº 38/87 de 23 de Setembro na redacção que lhe foi dada pela Lei 44/96 de 3 de Setembro.'
Por sua vez, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal concluiu da seguinte forma as alegações que apresentou:
'1. O artigo 22º-B, do Decreto-Lei nº 214/88 (aditado pela Lei nº
44/96), interpretado no sentido de nela só se incluir os juízes de direito a exercer funções nos tribunais judiciais de 1ª instância, e não também os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e os Juízes das Relações, não padece de ilegalidade, face ao disposto nos artigos 1º, nº 1, e 2º da Lei nº 21/85
(Estatuto dos Magistrados Judiciais), nem de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição.
2. A norma constante do nº 3 do artigo 90º da Lei nº 38/87, na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei nº 44/96, na parte em que prevê que compete ao Presidente da Relação 'a designação dos magistrados judiciais que devem exercer funções nos tribunais de turno', não viola o artigo 219º, nº1, da Constituição.'
2. - Há que começar por referir que os termos da decisão recorrida tornam patente que nela foi também dada aplicação às normas constantes dos artigos 291º, nº1, alíneas a) e b), do Código Penal, e 390º, alínea c), do Código de Processo Penal, em termos que determinaram a não realização do julgamento em processo sumário, bem como que não fosse declarada aberta a audiência de julgamento. No entanto, a questão prévia do não conhecimento do presente recurso, que poderia colocar-se em face desta circunstância, não procede.
Com efeito, a decisão em apreciação surge apoiada em dois fundamentos. Entendeu-se de facto que não estariam reunidos os pressupostos de natureza estritamente instrutória para se proceder ao julgamento mas, independentemente desse aspecto, o juiz julgou-se incompetente, por recusar a aplicação das normas que constituem o objecto directo do presente recurso. Quer isto dizer que, ainda que estivessem reunidos aqueles pressupostos, o julgamento não se realizaria por incompetência do juiz. Assim, quer se entenda a terceira conclusão da decisão como mero reforço das duas primeiras, e nessa direcção indica a locução 'tanto mais que', que introduz o raciocínio subsequente, quer se entenda essa terceira conclusão como dotada de autonomia, certo é que sempre subsiste um juízo de invalidade de normas e que esse juízo constitui indubitavelmente, pelo menos uma das rationes decidendi, a esse título merecedor de consideração em sede de contencioso da validade de comandos normativos.
Isto posto, há portanto que conhecer e decidir.
3. - O Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre as normas que disciplinam a designação dos juízes dos tribunais de turno nos Acórdãos nºs 257/98, de 5 de Março de 1998, 277/98, de 10 de Março de 1998, e
316/98, de 28 de Abril de 1998, o primeiro publicado no 'Diário da República', II série, de 7 de Novembro de 1998 e os outros ainda inéditos, tendo chegado à conclusão de que 'a atribuição de competência ao presidente do Tribunal da Relação do respectivo círculo judicial para organizar as listas de serviço suplementar, designando, em casos pontuais, a ordem por que os juízes do respectivo círculo judicial asseguram rotativamente funções aos fins de semana nos tribunais de turno, não viola o artigo 219º, nº 1, [que no presente momento corresponde ao artigo 217º, nº 1] da Constituição'
A fundamentação daqueles arestos levou ao julgamento de não inconstitucionalidade do nº 3 do artigo 90º da Lei nº 38/87, na redacção introduzida pelo artigo 1º da Lei nº 44/96, de 3 de Setembro. O que se aduz de novo na argumentação da decisão recorrida é contrariado e implicitamente rebatido pela fundamentação dos referidos acórdãos, pelo que, e quanto a essa norma, referida em b) do requerimento de interposição do recurso, se limita agora o Tribunal a remeter para o Acórdão nº 257/98, de que se junta cópia.
4.- Resta portanto apreciar a norma constante do nº 1 do artigo 22º-B do Decreto-Lei nº 214/88,de 17 de Junho, aditado pela Lei nº 44/96, de 3 de Setembro, interpretada no sentido de nela só se incluírem os juízes de direito a exercerem funções nos tribunais judiciais de 1ª instância, e não também os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e os juízes das Relações, ou seja, nos termos em que o recurso veio a ser delimitado pelo Ministério Público, nas alegações produzidas no Tribunal Constitucional. E, diga-se, apreciada do ponto de vista da sua inconstitucionalidade, que não da sua ilegalidade, porque, quanto a este último vício, não tem de conhecer o Tribunal, entre outras razões por o recurso vir ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
De acordo com o referido nº 1 do artigo 22º-B, 'são abrangidos para efeitos de prestação de serviço em cada tribunal de turno os magistrados que exerçam funções nos tribunais com sede nas comarcas abrangidas pelo tribunal de turno'.
Da fundamentação do despacho recorrido extrai-se que a referência a 'magistrados' inserida nessa norma, em uma interpretação que nesse caso seria conforme à Constituição, deveria entender-se como incluindo os juízes de direito a exercer funções nos tribunais judiciais de 1ª instância, mas também os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e os juízes das Relações. Na medida em que a decisão do presidente da Relação de Lisboa interpretou o nº 1 daquele artigo como abrangendo apenas os juízes dos tribunais judiciais de 1ª instância, deu ela aplicação àquela norma mas em interpretação contrária à Constituição, com 'clara violação do Princípio da Igualdade previsto no artº 13º da Constituição da República' (cfr. fls. 12).
5. - A censura de inconstitucionalidade não colhe pela razão simples de que existem três categorias de juízes, de acordo com o nível dos respectivos tribunais na estrutura dos tribunais judiciais. Resulta desta ordenação uma diferença de conteúdo funcional entre os juízes integrados em cada uma daquelas categorias, a qual acabou por se projectar no critério seguido pelo presidente da Relação de afectar aos tribunais de turno, que se posicionam no nível próprio dos tribunais de 1ª instância, apenas juízes de direito a exercer funções nos tribunais judiciais de 1ª instância. As diferenças entre tais categorias de magistrados constituem fundamento material bastante para que só os juízes de direito a exercer funções nos tribunais judiciais de 1ª instância e não também os juízes do Supremo Tribunal de Justiça e os juízes das Relações sejam abrangidos para efitos de prestação de serviço nos tribunais de turno.
Conclui-se, nesta conformidade, pela procedência do recurso interposto.
6. - Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, o despacho impugnado ser reformulado de acordo com o ora decidido sobre as questões de constitucionalidade suscitadas. Lisboa, 18 de Novembro de 1998 Vítor Nunes de Almeida Artur Maurício Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto José Manuel Cardoso da Costa