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Processo nº 649/95
1ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1.- C..., S.A., intentou, na comarca de Lisboa, acção com processo sumaríssimo contra A..., Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de
131.796$00, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, invocando, para o efeito, o disposto no artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto. A sociedade demandada contestou oportunamente, não apenas por impugnação mas também por via de alegada inconstitucionalidade das normas dos nºs. 1 e 2 daquele preceito legal. O Senhor Juiz do 5º Juízo Cível do Tribunal de Pequena Instância Cível de Lisboa, por decisão de 3 de Julho de 1994, condenou a ré parcialmente no pedido, após afastar a suscitada questão de constitucionalidade, que teve por improcedente.
2.- Inconformada, recorreu a ré para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, considerando terem sido violados pela sentença, com a aplicação do artigo 2º, nºs. 1 e 2, do Decreto-Lei nº 289/88: a) o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República (CR); b) o princípio da proporcionalidade, com assento no artigo 18º, nº 2, da CR; c) o princípio da justiça, acolhido pelos artigos 1º, 2º, 20º, 205º, nº 2, e
207º da CR.; d) o princípio da imparcialidade, conjugado com aqueles três princípios e, desta forma, consagrados no artigo 266º da CR; e) o princípio da legalidade fiscal, admitido nos artigos 106º, nºs. 2 e 3, e
168º, nº 1, alínea i), da CR. Admitido o recurso - não sem prévio apelo ao artigo 75º-A da Lei nº 28/82 - alegaram recorrente e recorrida.
A primeira, concluíu do seguinte modo:
'1º É inconstitucional, por violação dos princípios da Igualdade, da Proporcionalidade e da Justiça, consagrados nos artºs. 1º, 2º, 13º, 18º, nº 2,
20º e 266º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artº 2º, nº 1, do Dec-Lei nº 289/88 de 24.8, ou a interpretação que dela se faça no sentido de estabelecer uma responsabilidade solidária do despachante oficial e do importador pelo pagamento dos direitos e imposições devidas pelas declarações apresentadas por aquele à Alfândega - tanto mais que é o Estado que impõe ao importador que pague as suas obrigações aduaneiras por intermédio do despachante
- e que, ao mesmo tempo, dá ao Estado o direito de reclamar directamente do importador os mesmos direitos, na hipótese de os mesmos não terem sido pagos pelo despachante oficial, e independentemente de este ter recebido do importador as quantias necessárias para o cumprimento das obrigações aduaneiras.
2ª- É inconstitucional por violação dos mesmos princípios constitucionais, consagrados nos artºs. 1º, 2º, 13º, 18º, nº 2, 20º e 266º da Constituição da República Portuguesa, a norma do artº 2º, nº
2, do citado Dec.-Lei nº 289/88 de 24.8, ou a interpretação que dela se faça no sentido de conferir às seguradoras - garantes das obrigações dos despachantes oficiais -, que paguem direitos ou imposições que deveriam ser pagos pelos despachantes oficiais, o direito de se sub-rogarem em todos os direitos da Alfândega e, ainda mais, o direito de regresso contra o importador, mesmo nos casos em que este, comprovadamente, entregou ao despachante as quantias necessárias para o pagamento das obrigações aduaneiras.
3ª- A Douta Sentença recorrida ao não considerar as violações dos princípios constitucionais invocadas na contestação pela ora Recorrente e ao aplicar o referido artigo 2º, nºs. 1 e 2 do Dec.-Lei nº 289/88 de 24.8 violou o Princípio da Justiça, consagrado nos artºs. 1º, 2º, 20º, 205º, nº 2 e 207º da Constituição.
4ª- O artigo 2º do Dec.-Lei nº 189/88, de 24.8 é, ainda, formalmente inconstitucional por violar a reserva relativa de competência da Assembleia da República em matéria de criação de impostos e sistema fiscal e, assim, violar o Princípio da Legalidade Fiscal, consagrado nos artºs. 168º, nº 1, al. i) e 106º, nº 2, da Constituição.'
A autora, ora recorrida, por sua vez, concluíu assim as suas alegações:
'A- A decisão da 1ª Instância apenas invocou o disposto no nº 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto para fundamentar a subrogação que se operou entre a Alfândega de Lisboa e a recorrida nos direitos que àquela pertenciam em relação à recorrente, por IVA liquidado no acto de importação de mercadorias. B- Nessa parte - e outra não foi aqui aplicada - a invocada disposição não viola qualquer preceito constitucional, como o não violam as regras que alicerçam a subrogação contratual e legal em que se espaldou a recorrida. C- Não se verificando, assim, a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.'
Na medida em que pode entender-se suscitada pela recorrida a questão prévia do não conhecimento do recurso, por inverificação do disposto na alínea b) do nº 1 deste artigo 70º, ao menos no tocante ao nº 1 do artigo 2º do Decreto-Lei nº
289/88, foi, ainda, ouvida a recorrente que se pronunciou no sentido da sua improcedência. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1.- Consiste o objecto do presente recurso, como resulta da delimitação feita no requerimento da sua interposição, na apreciação da conformidade constitucional das normas dos nºs. 1 e 2 do artigo 2º do Decreto-Lei nº 289/88, de 24 de Agosto, que, no entender da recorrente, incorrem em vários vícios de constitucionalidade, como sejam a violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, em articulação com o princípio da legalidade fiscal, e dos princípios constitucionais da igualdade, proporcionalidade e da justiça, para o efeito convocando não só o artigo 168º, nº 1, alínea i), da Constituição, como os seus artigos 1º. 2º, 13º, 18º, nº 2,
20º, 106º, nº 2, e 266º (todos os artigos se reportam ao texto oriundo da 2ª Revisão Constitucional). Suscita-se, no entanto, questão a resolver previamente.
Com efeito, pode entender-se ter sido levantada pela recorrida, nas suas alegações, a questão prévia do não conhecimento do objecto do recurso, pelo menos no concernente à norma plasmada no nº 1 do artigo 2º, por não ter sido aplicada pela magistrada recorrida, que centrou e fundamentou a sua decisão exclusivamente no nº 2.
É, no entanto, interpretação a que não se adere: na perspectiva constitucional em debate os nºs. 1 e 2 do artigo 2º formam um complexo normativo que só cabalmente se compreende - mormente quanto ao nº 2 - se articuladamente apreciados. Nem outra parece ter sido a interpretação da magistrada recorrida que, em mais de uma passagem, como sublinhou a recorrente, alude ao artigo 2º, na sua globalidade. Desatende-se, assim, sem necessidade de maiores considerações, a equacionada questão prévia.
2.1.- O Decreto-Lei nº 289/88 teve por confessado objectivo, consoante se retira da respectiva nota preambular, acelerar o processo de desalfandegação de mercadorias, mediante a simplificação do sistema de prestação de garantias e de paga mento dos direitos aduaneiros e demais imposições legais, assim se reduzindo substancialmente os prazos de entrega das mercadorias. Deste modo, criou-se, pelo nº 1 do artigo 1º, a caução global para o desalfandegamento, destinada a garantir os direitos e demais imposições devidos pela totalidade das declarações apresentadas pelos despachantes oficiais às alfândegas, a prestar sob a forma de fiança bancária ou de seguro-caução, nos termos do artigo 3º, compreendendo os direitos e demais imposições os direitos aduaneiros e outras imposições de efeito equivalente, bem como quaisquer outros impostos ou taxas cuja cobrança esteja a cargo das alfândegas, de acordo com o nº 2 do artigo 1º. Neste enquadramento, preceitua o artigo 2º, ora em causa:
'1.- No âmbito da utilização do sistema de caução global para desalfandegamento o despachante oficial age em nome próprio e por conta de outrem, constituindo-se, porém, aquele e a pessoa por conta de quem declara perante as alfândegas solidariamente responsáveis pelo pagamento dos direitos e demais imposições exigíveis.
2.- O despachante oficial ou a entidade garante gozam do direito de regresso contra a pessoa por conta de quem foram pagos os direitos e demais imposições, ficando sub-rogados em todos os direitos das alfândegas relativos às quantias pagas, acompanhadas de todos os seus privilégios, nomeadamente do direito de retenção sobre as mercadorias e documentos objecto das declarações apresentadas.'
2.2.- O Decreto-Lei nº 289/88 responsabiliza solidariamente os interessados no processo de desalfandegamento - dono (ou consignatário) das mercadorias e despachante - pelo pagamento dos direitos e imposições alfandegárias, permitindo
à seguradora, como entidade garante por força do contrato de seguro-caução, exercer direito de regresso contra qualquer deles pelo que pagou à entidade alfandegária. O legislador afastou-se, deste modo, da disciplina civilística do mandato sem representação, tal como a regem os artigos 1180º e seguintes do Código Civil, com o confessado objectivo de facilitar e melhor garantir a cobrança das importâncias respeitantes aos direitos e demais imposições aduaneiras devidas por todos os interessados no processo de desalfandegamento, alargando o le que de responsabilização mediante o esquema mais simples e directo que encontrou. Medida esta certamente discutível, sem embargo de a jurisprudência nacional mais representativa, não obstante alguma considerar a opção do legislador como 'mau direito', não lhe vir a reconhecer vício de inconstitucionalidade (assim, v.g., os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Junho de 1993, publicado na Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ano I, tomo II, págs. 151 e segs., e do Tribunal da Relação do Porto, de 9 de Maio de 1994, 6 de Outubro de 1994 e 30 de Janeiro de
1995, publicados na Colectânea de Jurisprudência, ano XIX, tomo III, págs. 191 e segs., e tomo V, págs. 197 e segs., e ano XX, tomo I, págs. 207 e segs., respectivamente).
2.3.- No caso sub judicio, perante o incumprimento do despachante, a seguradora, ora recorrida, que com ele celebrara contrato de seguro-caução, pagou o devido à Alfândega, ficando, em consequência, nos termos do nº 2 do artigo 2º, subrogada nos direitos desta e, como tal, veio exigir da recorrente o reembolso do que pagou. Esta mecânica, no entanto, vem posta em causa.
Para a recorrente, a norma do nº 1 do artigo 2º, 'confere privilégios ou vantagens inadequadas e desproporcionadas ao Estado e ao garante das dívidas do despachante oficial [...] em prejuízo do importador, na exacta medida em que impõe a este o recurso aos serviços do despachante oficial para efectuar o pagamento dos referidos direitos e imposições e simultaneamente o responsabiliza pela falta do seu pagamento, na hipótese do despachante oficial o não fazer e apesar de já ter recebido do importador as quantias em dinheiro necessárias e destinadas a esse mesmo fim'. Em seu critério, esta norma, ou a interpretação que dela se faça nesse sentido, viola o disposto nos artigos 1º, 2º, 13º, 18º, nº 2, 20º e 266º da CR. Por sua vez, ainda segundo a recorrente, a norma do nº 2 do mesmo artigo 2º, viola os mesmos preceitos constitucionais, na medida em que os privilégios ou vantagens concedidas são inadequadas e não exigíveis nem necessárias, colocando as seguradoras - caso da recorrida - numa situação de vantagem desproporcional face ao importador - como a recorrente - independentemente de este já ter pago o devido ao despachante. Ou seja, o dono da mercadoria assume o risco e a responsabilidade que são eximidos à seguradora, mercê de semelhante mecanismo, não obstante - como é o caso - ter cumprido a sua parte, entregando o devido ao despachante.
Finalmente, ainda a recorrente convoca a inconstitucionalidade formal (quereria dizer orgânica, neste caso) norma do artigo 2º, por violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República em matéria de impostos e sistema fiscal, com o que, do mesmo passo, pretende tenha sido violado o princípio constitucional da legalidade fiscal. Será assim?
3.- A alegada violação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, no tocante à matéria de criação de impostos e sistema fiscal - alínea i) do nº 1 do artigo 168º da CR (redacção da segunda revisão constitucional).
3.1.- A norma do artigo 2º, segundo a recorrente, ao instituir o sistema de caução global para o desalfandegamento, estabeleceu, por essa via, uma forma de cobrança indirecta dos impostos e imposições aduaneiras devidos ao Estado o que, desde logo, se reveste de inconstitucionalidade orgânica (e não for mal) uma vez que o Governo não teria competência legislativa própria para o efeito. Admitindo - o que não é líquido - ter a questão sido suscitada durante o processo de forma adequada e operativa, não procede o argumento segundo o qual se impôs aos cidadãos a obrigação de 'pagar determinado imposto ou direito ou qualquer outra imposição', através de uma 'entidade' (o despachante oficial, supõe-se), simultaneamente obrigando-se os mesmos a pagar directamente ao Estado no caso de aquela 'entidade' se ter locupletado com o dinheiro recebido para esse fim. Com efeito, nem, como veremos, o princípio da legalidade configurado no artigo
106º, nº 2, da CR é tocado nem se está perante o vício de inconstitucionalidade que se desenharia se o Decreto-Lei nº 289/88 tivesse criado um imposto, e que não é manifestamente o caso, independentemente da naturezajurídica dos direitos e demais imposições a que o nº 2 do artigo 1º do diploma se refere. Na verdade, este limita-se a disciplinar a cobrança daqueles direitos e imposições, com o objectivo já referenciado de simplificar o sistema de prestação de garantias e de pagamento desses valores. À Alfândega, só interessa esse pagamento, seja por banda do despachante, seja da seguradora, seja do importador, sem curar de saber se este último pagou ou não àquele, seu mandatário, tais importâncias. Desde que não se encontre satisfeito tal débito - e aqui segue-se de perto o acórdão do Supremo de 15 de Junho de 1993, já referenciado - a seguradora, investida nos direitos da Alfândega, pode exigir o seu pagamento, mesmo de quem não seja parte do contrato de seguro-caução, bastando, para tanto, que tenha beneficiado do pagamento do direito e demais imposições exigidas pela Alfândega. Ora, só constituem a reserva de lei mencionada na alínea i) do nº 1 do citado artigo 168º, a criação de impostos, que abarca a 'criação e a definição dos elementos essenciais daquelas receitas, unilateralmente impostas, que hão-de custear o financiamento em geral das despesas públicas (dir-se-á: das 'despesas gerais'), e hão-de ser repartidas pela 'generalidade' dos contribuintes de harmonia com os critérios genericamente apontados nos artigos 106º e 107º da Constituição da República Portuguesa', como vem sendo sublinhado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr., v.g., os acórdãos nºs. 205/87,
461/87 e 497/89, publicados no Diário da República, I Série, de 3 de Julho de
1987, 15 de Janeiro de 1988 e II Série, de 1 de Fevereiro de 1990, respectivamente).
Como, por sua vez, se ponderou no recente acórdão nº 268/97 (publicado na II Série do citado jornal oficial, de 22 de Maio de 1997), por isso, apenas uma lei parlamentar (ou um decreto-lei parlamentarmente autorizado) pode 'criar impostos', determinar-lhes a incidência e a taxa, e estabelecer os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (citando-se, a propósito, os acórdãos nºs. 321/89 e 231/92, publicados no Diário citado, I Série, de 20 de Abril de
1989, e II Série, de 4 de Novembro de 1992, respectivamente) mas essa 'lei
(formal) já não tem, porém, que versar sobre o lançamento, a liquidação e a cobrança dos impostos: tais matérias podem, com efeito, ser reguladas por decretos-leis (reserva de lei material) [cfr., entre outros, os citados acórdãos nºs. 205/87 e 461/87]'. Ora, o diploma, que visa facilitar o desembaraço aduaneiro em prazos mais razoáveis, nem cria quaisquer impostos, ou de qualquer modo lhe determina a incidência e a taxa, nem toca nas garantias dos contribuintes, limitando-se a dispor sobre o modo de cobrança dos impostos e imposições aduaneiros. A esta luz, por conseguinte, não se vislumbra censura juridico-constitucionalmente pertinente.
4.- A alegada inconstitucionalidade material das normas dos nºs. 1 e 2 do artigo
2º do Decreto-Lei. De acordo com o exposto, as normas sindicandas integrariam matéria colidente com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da CR, do mesmo passo que violariam os princípios da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, igualmente constitucionalmente consagrados. Também aqui improcede a argumentação deduzida. Segundo parece deduzir-se desta, particularmente uma norma como a do nº 2 do artigo 2º, impondo ao dono das mercadorias, ao invés do que sucede no contrato de seguro, a assunção do risco da prestação da garantia em causa, proporcionaria que este pudesse ter de pagar os direitos e imposições alfandegárias à entidade garante, não obstante eventualmente pudesse já o ter feito ao despachante oficial. Nesta leitura, atribuir-se-ia um privilégio desrazoável e desproporcionado à seguradora, mesmo admitindo a possibilidade de onerar o dono das mercadorias com um duplo pagamento.
No entanto, objecta-se, a medida legislativa que o artigo 2º exponencia não foi, como já registamos, arbitrariamente decretada, pois que justificada por uma lógica de celeridade e simplificação que, sempre e em última instância, aproveita essencialmente aos agentes económicos - donos das mercadorias ou seus consignatários, importadores ou exportadores - que retirarão as vantagens inerentes a um desalfandegamento mais expedito e eficiente, sem prejuízo de, em qualquer circunstância, poderem lançar mão dos direitos que lhes assistem e respectivos meios processuais próprios a fim de se ressarcirem de eventuais prejuízos sofridos pelo incumprimento, ou cumprimento defeituoso, dos despachantes oficiais, por eles, de resto, livremente escolhidos para desembaraçarem as suas mercadorias, como técnicos especialistas em matéria aduaneira (como sublinha Antunes Varela na Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 125, pág. 56). Se o despachante embolsou em seu proveito a importância que lhe foi entregue, não lhe dando o devido destino, não deixará de incorrer em responsabilidade civil, pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que terá causado, além da inerente responsabilidade criminal. Não se vê, assim, que se ofenda o princípio da igualdade, tal como sedimentado está no acervo jurisprudencial deste Tribunal, como tão pouco se representa censurável a opção do legislador sob o crivo do princípio da proporcionalidade; não se vislumbra - nem a recorrente explicita cabalmente - violação do disposto nos artigos 1º e 2º da CR, como tão pouco do princípio da imparcialidade da Administração. Não é correcto, nomeadamente, afirmar que o Estado deixa de ter o direito de reclamar directamente ao importador o valor dos direitos e imposições aduaneiros devidos se este demonstrar que entregou ao despachante oficial a quantia devida: a sua obrigação perante a Alfândega não se extinguiu pelo facto de ter posto à disposição do despachante as importâncias destinadas ao pagamento das importâncias devidas, o que, aliás, constitui res inter alios no tocante à Alfândega e à seguradora. Finalmente, por razões de certo modo já adiantadas, de igual modo não se verifica violação do princípio da legalidade fiscal: para além da exigência
'orgânico-formal' que, no caso, vimos não ter razão de ser, a natureza da matéria, substantivamente encarada, não respeita ao princípio da tipicidade dos impostos consignado no nº 2 do artigo 106º da CR (nº 2 do artigo 103º, no texto da quarta revisão constitucional).
III Em face do exposto, decide-se negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita. Lisboa, 2 de Julho de 1998 Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Paulo Mota Pinto Artur Mauricio Maria Helena Brito Luis Nunes de Almeida