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Processo nº 836/01 Plenário Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, no Plenário do Tribunal Constitucional:
1. No dia 28 de Dezembro de 2001, entrou no Tribunal Constitucional, remetido pelo Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral, onde deu entrada a 20 de Dezembro, o seguinte recurso:
“A Coligação Democrática Unitária, vem, através da sua candidata M..., portadora do B.I. nº 11660192 de 16/03/2000 do SIC de Leiria, nos termos do disposto no artº 156, 157, 158 e 159 da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14 de Agosto, interpor RECURSO CONTENCIOSO do, aliás douto despacho que recaiu sobre a RECLAMAÇÃO apresentada no decurso da Assembleia de Apuramento Geral do Concelho do Bombarral, pelos fundamentos seguintes:
1. A requerente detectou a existência de discrepância nos resultados eleitorais apresentados pela Câmara Municipal do Bombarral e pelo Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo eleitoral, do Ministério da Administração Interna.
2. Tal discrepância, que não foi justificada, verifica-se na votação para a Câmara Municipal, porquanto a Câmara Municipal do Bombarral apresenta 670 votos e o STAPE apresenta 698 votos.
3. Na versão da Câmara Municipal, tal diferença deve-se a erros de votos numa das mesas da vila do Bombarral, sem que nos tenha sido justificada ou explicada a sua origem, nem o tipo de erro na contagem.
4. Perante esta situação, só detectada imediatamente antes da Assembleia de Apuramento Geral, foi objecto de reclamação da parte da Coligação, que a apresentou à M. Juiz de Direito nessa Assembleia, conforme se pode verificar pelo documento que junta e que se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos (Doc. Nº 1).
5. Porém, não foi aceite tal reclamação, tendo a M. Juiz entendido que não era possível verificar os erros e fazer a recontagem dos votos, pelo facto de estes se encontrarem no Tribunal, sugerindo que a Coligação se socorresse do presente recurso para o efeito, o que ora se faz.
6. Pelo exposto, só através da recontagem dos votos para a Câmara Municipal, na totalidade das mesas do Concelho, se poderá chegar ao resultado válido, que poderá ser o da C.M.B., ou o do STAPE, ou até um outro.
7. Chama-se a atenção de V. Exa para o facto de, desta recontagem, poder vir a resultar a eleição de um vereador, que já foi até anunciada pelo Governo Civil de Leiria e pelo STAPE.
Requer a V. Exa. se oficie ao Governador Civil de Leiria no sentido de remeter para estes autos cópia dos resultados transmitidos ao STAPE. Mais requer se oficie à Câmara Municipal do Bombarral, no sentido de juntar aos autos cópias das diversas actas do Apuramento Local das diferentes secções de voto deste Concelho. Bombarral, 20 de Dezembro de 2001”.
2. Notificados os demais partidos concorrentes à eleição para a Câmara, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 159º da Lei Eleitoral dos
Órgãos das Autarquias Locais, respondeu apenas o Partido Social Democrata.
Sustentou, em primeiro lugar, a ineptidão da petição de recurso, por
“ininteligibilidade da causa de pedir”; em segundo lugar, e para o caso de assim se não entender, que, se a recorrente se estava a referir “a uma situação ocorrida com a mesa da secção de voto nº 2 da assembleia de voto da freguesia do Bombarral”, o que se verificou foi “um erro no preenchimento do mapa a enviar pelo Presidente da Junta de Freguesia do Bombarral ao Governo Civil de Lisboa”, erro de que, aliás, foram informados os representantes da Coligação Democrática Unitária.
3. Resulta da cópia da acta junta com a petição de recurso que foi apresentada à Assembleia de Apuramento Geral do Concelho do Bombarral, pelo mandatário da Coligação Democrática Unitária, a seguinte reclamação:
“A Coligação Democrática Unitária, vem por este meio requerer a V.ª Exª que se digne mandar proceder à recontagem de votos no que respeita à Câmara Municipal de Bombarral, tendo em conta a discrepância de resultados apresentados entre
órgãos oficiais (Câmara Municipal de Bombarral, Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral do Ministério da Administração Interna) no que respeita à Coligação Democrática Unitária. Assim enquanto que a C.M.B. apresenta 670 votos o STAPE apresenta 698 e nesta diferença está em causa a eleição de um vereador. As razões apresentadas pela Câmara para esta discrepância prendem-se com erros de votos numa das mesas sem que nos tenha sido explicado de que erros se trata e sem que qualquer representante da C.D.U. nas mesas de voto tivesse feito referência a tal. Pedimos deferimento”. Esta reclamação, como consta da mesma acta, foi objecto da seguinte decisão da Presidente da Assembleia:
“Esta Assembleia tem a competência definida pelos Artº 146 e 149 da Lei 1/2001 de 14 de Agosto. O Apuramento conforme decorre do disposto no Artº 141 Nº 1 é feito com base nas Actas, nos Cadernos de Recenseamento e demais documentos, que os acompanharem. Os Boletins de Voto válidos, encontram-se depositados no Tribunal, destinando-se ao Juiz da Comarca respectiva estando, assim vedada a esta Assembleia a verificação dos mesmos. Conclui-se que a Assembleia não tem competência para a recontagem, razão pela qual não submeto o requerimento à votação, decidindo não conhecer do mesmo”.
É desta decisão que foi interposto o presente recurso.
4. Ora, nos termos do disposto no artigo 158º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, os recursos relativos às operações de apuramento são interpostos no Tribunal Constitucional “no dia seguinte ao da afixação do edital contendo os resultados do apuramento” geral. Assim, e independentemente de saber se o edital foi afixado no dia 19 – data da respectiva assinatura – ou a 20 de Dezembro – data da entrada do recurso no Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral – é sempre extemporâneo o recurso, por ter entrado no Tribunal Constitucional apenas no dia 28 seguinte. Cabia à recorrente o ónus de apresentar o recurso, dentro do prazo legal de interposição, no tribunal competente, o Tribunal Constitucional, sendo irrelevante a sua entrada no dia 20 no Tribunal Judicial da Comarca do Bombarral. Como o Tribunal Constitucional teve a oportunidade de afirmar já no domínio da actual Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, a propósito da prática de actos através do correio no âmbito do contencioso de apresentação de candidaturas, “a natureza específica destes recursos, diversas vezes apontada pelo Tribunal Constitucional, que tem assinalado tratar-se «de actos urgentes cuja decisão não admite quaisquer delongas, uma vez que o seu protelamento implicaria, com toda a probabilidade, a perturbação do processamento dos actos eleitorais, todos estes sujeitos a prazos improrrogáveis» (Acórdão nº 585/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., pág. 549) (...), torna inaplicável ao contencioso de apresentação de candidaturas o regime previsto na parte final do nº 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil, que considera o acto a praticar em tribunal como tendo sido realizado no dia do registo postal.”
(acórdão nº 510/2001, Diário da República, II Série, de 19 de Dezembro de 2001). A mesma razão vale, naturalmente, para o contencioso relativo às operações de apuramento, e para a hipótese – que, acrescente-se, nem teria apoio em nenhuma disposição legal semelhante ao citado nº 1 do artigo 150º do Código de Processo Civil – de a petição de recurso ser entregue em tribunal incompetente.
Apenas tendo dado entrada neste Tribunal no dia 28 de Dezembro de 2001, o recurso é, pois, extemporâneo.
Nestes termos, decide-se não conhecer do recurso.
Lisboa,4 de Janeiro de 2002 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Artur Maurício
*Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Maria Fernanda Palma Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa