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Proc. n.º 336/97
1 ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório:
1. J. L. foi condenado na 3ª Vara Criminal do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa nas penas parcelares de 2 anos e 10 meses de prisão, pela comissão de um crime de homicídio negligente previsto e punido pelo artigo 136º, n.º 2 do Código Penal, e de 2 anos de prisão e 200 dias de multa a 2500$00 diários e de um ano de prisão e 100 dias de multa àquela mesma quantia, por dois crimes de omissão do dever de auxílio, previstos e punidos pelo artigo 219º, n.º 1 do mesmo Código. Operando o cúmulo, foi o arguido condenado na pena unitária de 4 anos de prisão e de 300 dias de multa a 2500$00 diários, dos quais 2 anos de prisão foram perdoados 'em virtude da aplicação do perdão contido nas Leis n.ºs
23/91, de 4 de Julho e 15/94, de 11 de Maio'.
2. Inconformados com esta decisão, recorreram o arguido e o Ministério Público. O primeiro defendeu, designadamente, que a pena respeitante ao homicídio negligente não podia ultrapassar os 2 anos de prisão e multa correspondente, por não se ter provado que o arguido fosse condutor habitualmente negligente, e que os crimes de omissão de auxílio se deveriam considerar abrangidos pelas referidas leis de amnistia de 1991 e 1994, pelo que, a ser aplicada alguma pena ao arguido, ela deveria ser suspensa na sua execução. O Ministério Público, por sua vez, sustentou que a condenação por homicídio negligente deveria ser reduzida a 1 ano e 10 meses de prisão, por aplicação do regime, concretamente mais favorável, do Código da Estrada de 1954, e que igual pena deveria ser-lhe imposta por um dos crimes de abandono de sinistrado, tendo em atenção o artigo 72º do Código Penal, pelo que a pena unitária deveria ter sido fixada em 3 anos de prisão e 280 dias de multa à razão diária de 2500$00.
3. Por Acórdão de 28 de Novembro de 1996, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcialmente provimento aos recursos e, atentas as alterações das punições parcelares, fixou a pena unitária a aplicar ao arguido em 3 anos e 6 meses de prisão, sem qualquer multa. Todavia, considerou o Supremo Tribunal de Justiça que se não podia aplicar ao arguido o perdão previsto na Lei n.º 15/94, de 11 de Maio, em virtude de o artigo 2º, alínea c) deste diploma 'proibir tal aplicação aos condutores de veículos automóveis que tenham cometido infracções estradais (que, ao tempo, incluíam os homicídios negligentes cometidos no exercício da condução) praticadas com abandono das vítimas (ou, na terminologia actual, com comissão do crime de omissão de auxílio).' Só beneficiando o arguido do perdão de 1 ano de prisão previsto na Lei n.º 23/91, foi a sua pena fixada em 2 anos e 6 meses de prisão.
4. Notificado desta decisão, o arguido veio arguir a nulidade do acórdão, por violação da proibição da reformatio in pejus, consagrada no artigo 409º do Código de Processo Penal.
É que, condenado na 1ª instância a uma pena unitária de 4 anos de prisão e 300 dias de multa, o arguido viu serem-lhe perdoados nessa instância 2 anos de prisão, tendo que cumprir os restantes 2 anos de prisão. Enquanto, condenado embora pelo Supremo Tribunal numa pena unitária inferior (3 anos e 6 meses de prisão), o arguido acabou por ver agravada em 6 meses a pena que tem que cumprir, por só lhe ter sido perdoado um ano de prisão. Surpreendido com este resultado, o arguido sustentou que a interpretação e aplicação da proibição contida no artigo 409º do Código de Processo Penal, pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de não abranger a revogação do perdão de pena aplicado na decisão recorrida, violou, designadamente, os 'arts. 9º, al. B),
18º, n.º 1, 32º, n.º 1 e 205º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e, mais precisamente, as garantias de defesa do arguido'.
5. Por Acórdão de 3 de Abril de 1997, o Supremo Tribunal de Justiça indeferiu a arguição de nulidade, considerando que:
'Não houve, por consequência, qualquer ‘reformatio in pejus’, quando, se diminuiram, conforme era pedido nos recursos, as penas parcelares e a pena unitária aplicada ao recorrente, mas simultaneamente se repôs a legalidade decorrente da imposição legal constante da proibição de aplicabilidade ao caso dos autos da própria lei que a primeira instância, inexplicável e talvez automaticamente, mas sem qualquer justificação, entendeu aplicar à situação do arguido.'
6. É desta decisão que o arguido recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, para apreciação da conformidade à Constituição do artigo 409º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a proibição de reformatio in pejus, prevista nesta norma não abrange a revogação, pelo tribunal superior, do perdão concedido pela 1ª instância. Nas alegações apresentadas o recorrente concluiu do seguinte modo:
'I – Foi o presente recurso interposto do Acórdão do S.T.J., de 3 de Abril de
1997, proferido a fls. 1.207 e 1.208, que julgou que aqueloutro aresto do mesmo Tribunal, de fls. 1.163 a 1.183, não violou o princípio constitucional da proibição da ‘reformatio in pejus’, conforme havia sido alegado pelo recorrente, ao arguir a sua nulidade; II – Ora, e como se sublinhou no requerimento de fls. 1.191 a 1.193, o arguido foi condenado na 1ª Instância, e para além do mais, que aqui não interessa, na pena unitária de 4 anos de prisão, dos quais lhe foram perdoados 2 anos, ao abrigo das Leis n.ºs 23/91 e 15/94; III – Recorreu dessa sentença; IV – E dela também recorreu o Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, todavia, como claramente ressalta da sua motivação; V – Os assistentes, por seu turno, conformaram-
-se com ela; VI – Sucede que foi dado provimento parcial a esses recursos, tendo a pena unitária imposta ao arguido passado a ser de 3 anos e 6 meses de cadeia, dos quais, não obstante, e por só lhe ter sido perdoado 1 ano de prisão, da Lei
23/91, passou a ter que cumprir 2 anos e 6 meses, ou seja, mais 6 meses do que antes; VII – A sua surpresa não podia ser maior, atento o supra-mencionado princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no art.º 409º do Cód. Proc. Penal; VIII – Na realidade, dispõe-se nessa morma legal que; '1. Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.
2. A proibição estabelecida no número anterior não se aplica: a) À agravação de pena de multa, se a situação económica e financeira do arguido tiver entretanto melhorado de forma sensível; b) À aplicação de medida de segurança de internamento, se o tribunal superior a considerar aplicável nos termos do artigo 91º do Código Penal.'; IX – Acontece, porém, que o recorrente foi sujeito a cumprir uma pena de medida superior àquela que, segundo a decisão de 1ª Instância, tinha que cumprir; X – O Acórdão impugnado violou, designadamente, o disposto nos artigos 9º, al. b), 18º, n.º 1, 32º, n.º 1, e 205º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, e, mais precisamente, as garantias de defesa do arguido, ao interpretar, como interpretou, o que se prescreve no art.º 409º do Cód. Proc. Penal, impregnando esta norma de um conteúdo manifestamente inconstitucional, e, por isso, ou seja, pelo conteúdo que lhe deu, e também devido àquela interpretação, recusando a sua aplicação.'
7. Por sua vez, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto em funções neste Tribunal pronunciou-se pela procedência do presente recurso de constitucionalidade, aderindo à fundamentação do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/97, de 10 de Julho de 1997 (publicado no Diário da República, II Série, n.º 244, de 21 de Outubro de 1997), que decidiu uma questão similar. Cumpre, agora, apreciar e decidir. II. Fundamentos:
8. O presente recurso tem como objecto a apreciação da constitucionalidade do artigo 409º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a revogação pelo tribunal ad quem do perdão de pena concedido pelo tribunal recorrido não é abrangida pela proibição da reformatio in pejus. O recorrente apenas suscitou esta questão na arguição de nulidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1996, que lhe revogou o perdão de pena concedido pela 1ª instância com invocação da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio. Constituem requisitos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a suscitação, durante o processo, de uma inconstitucionalidade normativa, a aplicação dessa norma, com o sentido alegadamente inconstitucional, como critério de decisão do caso, e o esgotamento prévio dos recursos ordinários à disposição do recorrente. Ora, o Tribunal Constitucional tem interpretado o primeiro requisito referido, não num sentido formal, mas num sentido funcional, de tal modo que a suscitação da inconstitucionalidade 'haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão', 'antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita'. Deste modo, 'porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença, e porque a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, nem torna esta obscura e ambígua, há-de entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade' (Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Setembro de 1994). Esta orientação conhece, todavia, excepções, naqueles casos em que ao interessado não seja exigível que suscite a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão final, já porque não dispôs de oportunidade para intervir no processo antes de proferida essa decisão, já porque a questão de constitucionalidade só se podia levantar perante um circunstancialismo concreto ocorrido depois da sua última intervenção processual, já porque a interpretação da norma efectuada na decisão recorrida foi de tal modo imprevista ou surpreendente que não se podia razoavelmente exigir ao recorrente um prévio juízo de prognose relativamente a ela (v., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 1053/96 e 1124/96, publicados respectivamente no Diário da República, II Série, de 26 de Dezembro de 1996 e de 06 de Fevereiro de 1997).
É justamente este o caso presente, pois nada podia fazer o recorrente prever que o Supremo Tribunal de Justiça viesse a adoptar uma interpretação da proibição da reformatio in pejus tal que excluísse do seu âmbito a condenação do arguido a cumprir pena mais grave por revogação do perdão concedido na 1ª instância. Na sequência da concessão, não impugnada, do perdão de 2 anos de prisão pelo Tribunal Criminal de Lisboa e da interposição de recursos exclusivamente no interesse do arguido (por ele próprio e pelo Ministério Público), não se podia exigir ao réu que previsse que o tribunal ad quem viria a adoptar uma interpretação da proibição da reformatio in pejus que exclui do seu âmbito a revogação do perdão de pena, e, portanto, a agravar as 'sanções constantes da decisão recorrida'. Não era, pois, exigível ao arguido que suscitasse a inconstitucionalidade dessa interpretação normativa antes do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Novembro de 1996, o qual, no tocante ao sentido dado à proibição da reformatio in pejus se configurou assim como verdadeira
'decisão-surpresa' (em idêntico sentido, para um caso similar, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 499/97 – Diário da República, II Série, de 21 de Outubro de 1997; e, para um outro caso de decisão-surpresa por reformatio in pejus, o Acórdão n.º 386/97, publicado no Diário da República, II Série, de 14 de Outubro de 1997). Encontrando-se verificados os restantes requisitos do presente recurso de constitucionalidade, o Tribunal Constitucional vai, portanto, dele tomar conhecimento.
9. A questão da constitucionalidade da interpretação do artigo 409º, n.º 1, do Código de Processo Penal segundo a qual a proibição da reformatio in pejus não abrange a agravação das sanções constantes da decisão recorrida resultante da revogação do perdão de pena concedido pela 1ª Instância (e, no caso, igualmente com invocação da Lei n.º 15/94) foi já decidida por este Tribunal, precisamente no citado Acórdão n.º 499/97. Ponderou-se então sobre a justificação da proibição da reformatio in pejus e sua protecção constitucional:
'A proibição da reformatio in pejus justifica-se fundamentalmente pela protecção das garantias de defesa (cf. parecer da Câmara Corporativa, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 180, 1968, pp. 103 e segs., no qual se discutem as várias posições doutrinárias sobre o fundamento jurídico da reformatio in pejus
(cf. ainda Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1974, p. 259, Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967-1968, p. 36, e Bettiol, Instituições de Processo Penal, 1974, pp. 304-313). Na realidade, a proibição da reformatio in pejus foi referida no pensamento jurídico a fundamentações de natureza diversa, desde as que são baseadas na estrutura do processo penal (princípio do dispositivo para uns, estrutura do acusatório para outros) até às que assentam em razões valorativas substanciais
(iniquidade) ou, até, em razões político-
-criminais (favor rei). A esse tipo de razões, que pretendiam justificar uma ampla proibição da reformatio, sempre que apenas houvesse recurso de defesa ou no seu interesse, contrapôs Delitala os valores de justiça limitativos da proibição da reformatio quando não estivesse apenas em causa impedir uma modificação dos critérios do já decidido, mas corrigir erros na aplicação do direito (cf. parecer citado, loc. Cit., e ainda Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 1994, p. 321). Mas a conformação da proibição da reformatio in pejus, numa perspectiva jurídica que pondere globalmente todos os fins do sistema, não deve, na realidade, considerar apenas uma perspectiva de interesse do arguido, devendo, por isso, o
âmbito da proibição ser delimitado na conexão entre as garantias de defesa e a realização da justiça. Não decorre, obviamente, da Constituição uma proibição absoluta da reformatio in pejus, pois isso seria conflituante com o direito ao recurso da acusação e com a realização da justiça. Mas tem de ser garantida, num certo grau, a estabilidade das sentenças judiciais. A sua revogabilidade não pode ser referida a um plano de justiça absoluta, mas apenas ao plano do recurso e da recorribilidade (cf. Bettiol, ob. cit., p. 307). O próprio direito ao recurso pressupõe a verificação de requisitos determinados, os quais justificam uma reapreciação dos factos provados ou do direito aplicado dentro da matéria recorrida, sendo o recurso a emanação de um poder não ilimitado de controlo pelos tribunais superiores das decisões proferidas em 1ª instância. Ora, a proibição da reformatio in pejus é reclamada pela plenitude das garantias de defesa, quer porque a reformatio in pejus poderia surgir inesperadamente ou de modo insusceptível a ser contraditada pela defesa, quer porque restringiria gravemente as condições de exercício do direito ao recurso. São, assim, princípios constitucionais, na sua concretização no sistema jurídico, que exigem a configuração de uma certa medida de proibição de reformatio in pejus (...).' Ora, será que a interpretação da norma do artigo 409º, n.º 1 do Código de Processo Penal que admite a revogação pelo tribunal de recurso do perdão de pena concedido em 1ª Instância contraria as razões constitucionais para a proibição da reformatio in pejus?
10. Como o Tribunal Constitucional decidiu no citado Acórdão 499/97, a esta pergunta deve responder-se positivamente. Desde logo, deve entender-se que não existe fundamento para subtrair a aplicação e a revogação de perdões e amnistias, como benefícios não invocáveis pelo arguido, ao contraditório e à estrutura acusatória do processo penal, como acontece quando se admite a revogação oficiosa de um perdão aplicado na 1ª instância sem que essa aplicação tenha sido impugnada. E, além disso e decisivamente, é certo que essa aplicação não deve ser subtraída aos mecanismos de recurso, e, para o que importa no caso, às limitações dos poderes do tribunal de recurso, em causa na proibição da reformatio in pejus. Dir-se-á, antes, que as razões que militam a favor da proibição da reformatio in pejus – designadamente, a tutela do direito ao recurso – valem, com igual força, quer a agravação das sanções resulte de um aumento das penas parcelares ou da pena unitária aplicada, quer decorra da eliminação de uma atenuante ou da revogação de um perdão. Não se vislumbra qualquer razão para, sob o ponto de vista da protecção da possibilidade de recurso pelo arguido, tratar diversamente esta última hipótese de alteração em sentido desfavorável ao arguido (reformatio in pejus) das sanções constantes da decisão recorrida, admitindo a intervenção oficiosa do tribunal com o resultado objectivo de agravação das 'sanções constantes da decisão recorrida' (na fórmula do artigo 409º, n.º 1 do Código de Processo Penal) apenas por ela ter como fundamento a aplicação ilegal de um perdão de pena pelo tribunal recorrido - mas já não, por exemplo, a consideração, em violação da lei, de uma circunstância atenuante por aquele tribunal. Isto, desde que, obviamente, não exista recurso por parte da acusação - ou que, como acontece, no caso vertente, esse recurso haja sido interposto no exclusivo interesse do arguido. Acompanhando a fundamentação do Acórdão 499/97, pode dizer-
-se, pois, que:
'seria afectada a estrutura acusatória do processo se se desligasse a revogação da medida de graça do recurso da acusação e se atribuísse ao tribunal ad quem uma intervenção oficiosa com graves efeitos para a situação do arguido (cf. Castanheira Neves, ob. cit., p. 36). Por outro lado, e decisivamente, o ponto de vista segundo o qual a aplicação das leis de amnistia estaria subtraída à proibição da reformatio in pejus afecta, claramente, o direito ao recurso, ainda que se admita o exercício do contraditório por meio diferente da via do recurso. Com efeito, a possibilidade de uma revogação oficiosa de aplicação de uma amnistia ou um perdão no âmbito de um recurso accionado pela defesa [ou, dir-se-á, no exclusivo interesse da defesa] condiciona a interposição desse recurso pelo arguido de modo intolerável, pois torna-o profundamente arriscado, afectando, consequentemente, a possibilidade de realização da justiça no caso
(...). Não sendo concebível, no caso concreto, uma intervenção do tribunal superior sem que houvesse sido interposto recurso pela defesa [ou pelo Ministério Público no exclusivo interesse da defesa, que se deve para efeito da reformatio in pejus equiparar ao recurso interposto pela defesa], a aceitação da revogação oficiosa da reformatio in pejus perverteria a função de tal recurso. Deste modo, o direito ao recurso, concebido como garantia de defesa consagrada no n.º 1 do artigo 32º da Constituição, torna inviável, por si só, a reformatio in pejus oficiosa de uma decisão penal que aplicou um perdão. Mesmo que o contraditório fosse garantido, estaríamos perante uma inconstitucionalidade material por violação da referida garantia de defesa.' Pode, pois, concluir-se, quanto à questão de constitucionalidade da norma do artigo 409º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na interpretação, adoptada pelo Acórdão recorrido, segundo a qual a proibição da reformatio in pejus aí prevista não abrange a agravação das sanções constantes da decisão recorrida resultante da revogação do perdão de pena concedido pela 1ª instância (sem entrar, portanto, na apreciação da legitimidade de tal interpretação, restritiva, à face da letra e do espírito da lei): essa norma, na referida interpretação, é inconstitucional, por violação do princípios da plenitude das garantias de defesa, da garantia da estrutura acusatória do processo e do direito ao recurso consagrados no artigo 32º, n.ºs 1 e 5 da Constituição. III. Decisão: Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
(a) Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição, a norma do artigo 409º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual a proibição da reformatio in pejus não abrange a revogação pelo tribunal superior do perdão de pena concedido pela 1ª instância;
(b) Em consequência, conceder provimento ao recurso e determinar a reforma do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido, de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade. Lisboa 2, de Julho de 1998 Paulo Mota Pinto Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Artur Mauricio Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Luis Nunes de Almeida