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Proc. nº 845/98
3ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório.
1. J... e outros (ora reclamantes) instauraram no Tribunal de Trabalho de Lisboa uma acção judicial contra a C..., EP e Estado Português, pedindo a condenação dos réus no pagamento de indemnizações por despedimento, remuneração equivalente ao período de aviso prévio em falta e correcção do valor da moeda.
2. O Tribunal do Trabalho de Lisboa, através da decisão junta a fls. 217 a 220, julgou procedente a excepção de prescrição relativa aos direitos invocados pelos autores, absolvendo, consequentemente, os réus do pedido.
3. Inconformados com o teor desta decisão os autores apresentaram, ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, recurso para o Tribunal Constitucional, por, no seu entender, a decisão recorrida ter feito aplicação implícita da alínea c) do nº 1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 138/85, de 3 de Maio, norma que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Acórdão nº 162/95 (Diário da República, I Série, de 8 de Maio de
1995).
4. Notificado da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional o Ministério Público, na qualidade de representante do Estado português junto do Tribunal do Trabalho, veio dizer o seguinte:
'1. O disposto no artigo 25º do CPT não se aplica aos casos de normal mandato judicial em que o advogado é livremente escolhido pela parte – Cfr. João Lizardo, em 'Questões Laborais', ano II, nº 6, 1995, pág. 162.
2. Ora, os AA. Constituiram livremente mandatário judicial.
3. Que foi notificado da decisão absolutória em 1998.02.02 (Cfr. fls. 220).
4. O prazo de interposição de recurso para o TC é de 10 dias, atento o estatuído no artigo 75º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
5. O recurso entrou em juízo em 1998.03.16!
6. Portanto, manifestamente, fora de prazo. Termos em que o recurso não deve ser admitido'.
5. O Tribunal do Trabalho, através do despacho que consta de fls. 232, decidiu não admitir o recurso para o Tribunal Constitucional, fundando-se, para tanto, nas seguintes considerações:
'O prazo para interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias - artigo 75º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Os autores consideraram-se notificados da decisão recorrida em 2 de Fevereiro de
1998 - fls. 220 -, data a partir da qual se conta o prazo para a interposição do recurso - artigo 25º, nº 4, do Código de processo do Trabalho. O requerimento de interposição do recurso deu entrada em 16 de Março de 1998, transcorrido que estava há muito aquele prazo. Pelo exposto, não admito o recurso interposto pelo requerimento de fls. 226 a
229.'
6. Contra este despacho de não admissão do recurso apresentaram os requerentes, em 1 de Junho de 1998, a reclamação para o Tribunal Constitucional que agora se aprecia, aduzindo na exposição das razões que a justificam o seguinte:
'1º. Com o devido respeito, não tem razão o Meritíssimo Juiz, ao referir que os AA. se consideram notificados da decisão recorrida em 2 de Fevereiro de 1998 – fls. 220 – data a partir da qual se conta o prazo para a interposição do recurso.
2º. Com efeito, os AA. consideram-se notificados, na pessoa da sua mandatária, em 5 de Março de 1998, conforme resulta da notificação que se anexa, como Docs.
1 a 6.
3º. Na verdade, quer no Doc. 1 quer do Doc. 6 (envelope), consta aposta a data de 98/03/01, como tendo sido a data de expedição do correio.
4º. Assim sendo, e nos termos do artigo 25º, nº 4, do CPT, 5 de Março é a data a partir da qual se conta o prazo para a interposição do recurso.
5º. Por sua vez e tal como o Meritíssimo Juiz 'a quo' refere no seu mui douto despacho, que o requerimento de interposição do recurso deu entrada em 16 de Março de 1998, ou seja, atempadamente, de acordo com o previsto no artigo 75º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro.
6º. Pelo exposto, deve a reclamação ser deferida, admitindo-se o recurso interposto, com todas as consequências legais.'
7. Já neste Tribunal foram os autos com vista ao Ministério Público, que emitiu parecer no sentido da improcedência da reclamação pelas razões que de seguida se transcrevem:
'Do estatuído no artigo 254º do CPC decorre que os mandatários são notificados por carta registada, remetida para o seu escritório, presumindo-se feita a notificação no terceiro dia posterior ao do registo. E tal notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente - remetido para o lugar correcto - ser devolvido, cumprindo, neste caso, ao notificado ilidir tal presunção, nos termos do nº 4 do mesmo preceito. Deste modo, a notificação 'complementar', prevista e efectuada como modo de alertar o mandatário da parte para a devolução do expediente em que se corporiza a primeira e válida notificação, não visa
'repetir' ou convalidar tal acto, mas tão-somente facultar ao (presumido) notificando oportunidade para ilidir as presunções decorrentes do estatuído nos nºs 2 e 3 do citado artigo 254º. No caso dos autos, parece resultar efectivamente da cota de fls. 220. que foi expedida carta registada, notificando do teor da decisão o mandatário dos AA., em 30/01/98, a qual veio a ser devolvida, constando de fls. 223 dos autos. A ulterior notificação, constante de fls. 235/236, visou unicamente alertar a mandatária dos AA. para o facto de a estes não ter sido possível notificar o teor da sentença proferida – não pressupondo obviamente a invalidade da primeira notificação, feita em 30/01/98. Nestes termos, sendo de presumir como válida, até prova em contrário, a notificação postal endereçada em 30/01/98 e não tendo a mandatária dos AA. vindo ilidir – nem perante o Tribunal 'a quo', nem no âmbito desta reclamação – a presunção estabelecida no nº 3 do artigo 254º do CPC, é efectivamente intempestivo o recurso de fiscalização concreta interposto.'
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação.
8. Decorre dos autos, com suficiente suporte documental, a seguinte conjuntura factual: a. Em 30 de Janeiro de 1998 foi expedida carta registada, notificando do teor da decisão recorrida a mandatária dos Autores. (cota de fls. 220); b. A qual veio a ser devolvida, constando de fls. 223 dos autos; com a seguinte anotação do correio: 'receptáculo cheio, impossível deixar aviso'. c. Em 2 de Março de 1998 foi expedida nova carta registada à mandatária dos Autores, notificando-a do teor da decisão recorrida e da carta devolvida para notificação da mesma ao autor J... (cota de fls. 225). d. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade deu entrada no Tribunal de Trabalho de Lisboa em 16 de Março de 1998 (fls. 226). O objecto da presente reclamação - a alegada extemporaneidade do recurso - há-de assim ser apreciado com base neste quadro factual.
9. Nos termos do artigo 75º, nº 1, da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o prazo para interposição do recurso de constitucionalidade é de 10 dias, contados a partir da data notificação da decisão de que se recorre. Por outro lado, nos termos do artigo 254º, nº 1, do CPC, os mandatários são notificados por carta registada, remetida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, presumindo-se, nos termos do nº 2 do mesmo preceito, feita a notificação no terceiro dia posterior ao do registo. No caso dos autos foi expedida, em 30 de Janeiro de 1998, carta registada notificando do teor da decisão recorrida a mandatária dos autores (cota de fls.
220), carta que veio a ser devolvida (fls. 224). Nestes casos, dispõe o nº 3 do já citado artigo 254º do CPC, que 'a notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido (...)', presumindo-se a notificação feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja. Assenta este preceito, como vem sendo repetido pelos tribunais, 'no pressuposto de que ao indicar o seu escritório ou domicílio o mandatário forense toma as devidas precauções para receber as notificações que hajam de lhe ser dirigidas' (nesse sentido, entre muitos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1977, BMJ, 264-194; e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Colectânea de Jurisprudência, 1992, 3º - 194). Ao mandatário judicial assim notificado caberá então, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, ilidir tais presunções, provando uma de duas coisas: ou que a notificação não foi efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis.
10. Ora no caso dos autos há que entender que a notificação não foi efectuada através da carta registada expedida em 30 de Janeiro, uma vez que, como resulta da anotação feita pelo correio, 'não foi deixado aviso'. Consequentemente não pôde a mandatária dos autores ilidir então as presunções a que se refere o artigo 254º do CPC. A mandatária dos autores foi efectivamente notificada através da carta expedida em 2 de Março de 1998, considerando-se que esta segunda notificação tem o efeito de permitir contar apenas a partir daí o prazo para a interposição do recurso de constitucionalidade, caso em que, tendo o requerimento de interposição do recurso dado entrada em 16 de Março de 1998, este foi interposto tempestivamente.
III – Decisão. Por tudo o exposto, defere-se a presente reclamação e, em consequência, determina-se que o despacho reclamado seja substituído por outro que admita o recurso interposto. Lisboa, 10 de Março de 1999 José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento Luís Nunes de Almeida