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Processo n.º 490/01
2ª Secção Relator - Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional: I - Relatório
1. Após despacho de arquivamento, datado de 14 de Fevereiro de 1997, do inquérito instaurado pelo Ministério Público ao homicídio de A ..., ocorrido em
27 de Julho de 1992, veio o seu irmão, J..., como assistente, requerer a abertura de instrução e diversas diligências probatórias. Não tendo sido informado das diligências probatórias que já tinham sido realizadas, das que não eram legalmente admissíveis e das que não foram tidas por indispensáveis aos fins da instrução, sendo, por isso indeferidas, e inconformado com esta situação, que só lhe foi presente no debate instrutório, em 9 de Março de 2001, logo o assistente interpôs recurso de tal decisão para o Tribunal da Relação do Porto. Findo tal debate instrutório, o juiz do 1º Juízo de Competência Especializada Criminal do Tribunal Judicial de Viana do Castelo decidiu não pronunciar os arguidos e ordenou o arquivamento dos autos. Paga a taxa de justiça e apresentada a motivação do recurso, foi este tido por não admissível, por despacho do Meritíssimo Juiz de 28 de Março de 2001, face ao disposto no artigo 291º, n.º 1, do Código de Processo Penal, invocando jurisprudência do Tribunal Constitucional em abono da conformidade de tal norma com a Lei Fundamental, e concretizando o que já adiantava no despacho proferido no debate instrutório. Desta decisão de não admissão do recurso veio o assistente reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, nos termos do artigo 405º do Código de Processo Penal, suscitando a inconstitucionalidade das normas dos artigos
291º, n.º 1 e 86º, n.º 5 do Código de Processo Penal. Por despacho de 10 de Maio de 2001, a reclamação foi indeferida, considerando, designadamente, que “não compete ao presidente da Relação pronunciar-se sobre a constitucionalidade duma norma sobre a qual ele não tivera qualquer pronunciamento.” E acrescentou:
“Se foi o Tribunal do processo que aplicou uma norma que se considera inconstitucional é a este Tribunal que compete dirigir o pedido de apreciação dessa inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, pois foi este tribunal que teria cometido” a inconstitucionalidade.”
2. Em 17 de Maio de 2001, o assistente apresentou recurso de constitucionalidade no Tribunal Judicial de Viana de Castelo, requerimento no qual:
“... vem, pelos motivos expendidos no douto despacho de Exmo. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, interpôr recurso, para o Tribunal Constitucional, do despacho de V.Excia que versa a aplicação do artigo 291º do CPP.” Por despacho de 12 de Junho seguinte, o juiz do processo não admitiu o recurso, considerando, designadamente, não estar “preenchido o elemento necessário de aplicação pelo tribunal de norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”, já que a questão de inconstitucionalidade do artigo 291º do Código de Processo Penal só tinha sido suscitada pelo assistente na reclamação dirigida ao Presidente do Tribunal da Relação do Porto. Trouxe então o assistente a presente reclamação ao Tribunal Constitucional, escrevendo:
“A questão de inconstitucionalidade foi suscitada apenas na reclamação para o Exmo Presidente do Tribunal da Relação, pelo facto de o anterior recurso (que se não destinava ainda à apreciação da constitucionalidade) ter sido rejeitado. Foi nesse momento (...) que foi levantada a questão da inconstitucionalidade, por ser o momento (crucial) em que a mesma inconstitucionalidade se configurou nos autos, até pelo facto de o recorrente só então incorre no risco de trânsito em julgado. O mesmo problema foi já levantado no recurso para esse Venerando Tribunal no Processo 472/00 da 2ª Secção, tendo o recurso sido admitido e sobre o mesmo proferido, o douto Acórdão n.º 459/00, em 25 de Outubro de 2000.” Subidos os autos, pronunciou-se o Ministério Público pelo indeferimento da reclamação, seja porque o recurso deveria ter sido interposto do despacho do Presidente do Tribunal da Relação que consumiu o despacho do juiz da 1ª instância sobre a irrecorribilidade da decisão que rejeita as diligências instrutórias recebidas, seja porque um outro sentido da norma (v.g. relativo à rejeição “discricionária” de diligências instrutórias) não foi adequadamente suscitado durante o processo. Cumpre decidir. II. Fundamentos
3. Face ao teor do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, logo se vê que deveria ter sido proferido o despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional para delimitar o tipo de recurso interposto. De toda a forma, pelo decurso dos autos depreende-se, claramente, que se pretendeu interpor um recurso ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional: foi pela falta de verificação dos requisitos de tal tipo de recurso que o requerimento foi rejeitado, e a argumentação do ora reclamante não só não pôs isso em causa, como vem depor no mesmo sentido. Implicitamente, portanto, foi tal requerimento de interposição de recurso completado no que diz respeito ao tipo de recurso intentado – ainda que o não tenha sido quanto à exacta dimensão da norma que é tida por desconforme com a Constituição, nem quanto aos preceitos constitucionais violados.
4. Como se sabe, são requisitos específicos do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, que seja suscitada, durante o processo, a inconstitucionalidade de uma norma utilizada como ratio decidendi na decisão recorrida e que haja prévio esgotamento dos recursos ordinários, de modo que a decisão seja definitiva na ordem jurisdicional em causa. O despacho de não admissão do recurso de inconstitucionalidade interposto na 1ª instância bastou-se com a falta de um destes requisitos – a não suscitação, durante o processo, da questão de constitucionalidade. Mais do que reapreciar o bem fundado de tal decisão quanto a este ponto, importa verificar se o recurso pretendido interpor está em condições de poder ser apreciado por este Tribunal.
5. Ora, a tal possibilidade de apreciação do recurso obsta, desde logo, o facto de se não ter recorrido da decisão definitiva dentro da ordem dos tribunais de que proveio a decisão. Na verdade, após a não admissão do recurso pelo despacho do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo foi interposta reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto que, confirmando a decisão anterior, a veio consumir. Como resulta do Acórdão n.º 268/94 (v. logo o respectivo sumário e o texto integral in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 27, 1994, p. 1157), “Se o presidente da Relação rejeitar o recurso, é a ele que se há-de também dirigir o requerimento de reclamação para o Tribunal Constitucional, para que ele o despache.”
É que, não sendo assim, a admitir-se a hipótese de o recurso de constitucionalidade se dirigir ao despacho do tribunal de 1ª instância, transitaria em julgado a decisão do Tribunal da Relação que inviabilizava o recurso, com a consequência de uma eventual decisão de inconstitucionalidade da norma que obstava a esse recurso criar uma contradição entre a decisão do Tribunal Constitucional, que obrigaria o juiz da 1ª instância a reformular a sua decisão (admitindo o recurso), e a decisão do Tribunal da Relação, que o não admitia. No citado Acórdão deste Tribunal, em situação paralela à dos presentes autos, escreveu-se (loc. cit., p. 1163):
“Por isso, o requerente, a interpor tal recurso (ou seja o recurso para o Tribunal Constitucional daquele despacho do Presidente da relação), devia ter sido endereçado ao juiz que o proferiu, que foi o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Podia, é certo, ser entregue na secretaria do Tribunal de Polícia (em vez de na secretaria da Relação), por ser aí que o processo se encontrava, mas, a fim de que o seu Presidente, como autor do despacho recorrido, admitisse ou rejeitasse o recurso (cfr. o citado artigo 76º, n.º 1, da Lei n.º 28/82). E, no caso de o recurso para o Tribunal Constitucional ter sido rejeitado pelo Presidente da relação, o requerimento para o mesmo Tribunal Constitucional (...) devia, de igual modo, ser dirigido ao autor do despacho reclamado (o Presidente da Relação) e por ele despachado.' Foi exactamente esse (como não podia deixar de ser) o procedimento adoptado no caso decidido no Acórdão n.º 459/2000 (publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Dezembro de 2000), que o reclamante invoca: face à não admissão do recurso que os arguidos intentaram, reclamaram estes para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, que, com base no n.º 1 do artigo 291º do Código de Processo Penal, confirmou tal não admissão do recurso – vindo então dessa decisão recurso para o Tribunal Constitucional, que decidiu o caso por estarem preenchidos os requisitos do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional. É que, tendo os arguidos suscitado a questão de constitucionalidade na reclamação que dirigiram ao Presidente do Tribunal da Relação do Porto, e recorrendo de tal decisão, puderam obter um juízo sobre a conformidade constitucional do artigo 291º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sindicável por este Tribunal Constitucional. O que, porém, não acontece nos presentes autos.
É certo que, no presente caso, o Presidente desse Tribunal da Relação enjeitou expressamente a emissão de um tal juízo de constitucionalidade, nos termos que se deixaram descritos – e, em boa verdade, sem fundamento para tal. Seja, porém, como for quanto ao que tenha motivado o equívoco do recorrente, a verdade é que a decisão da 1ª instância, de que recorreu, não era recorrível, por ter sido já consumida pela decisão do presidente do Tribunal da Relação.
6. Em suma: não sendo a decisão de que foi interposto recurso a última proferida sobre a questão, sempre subsistindo uma decisão superior, transitada em julgado, a impedir o efeito útil que se pretende obter com o recurso de constitucionalidade, tem a presente reclamação de ser indeferida. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, indefere-se a presente reclamação, condenando-se o reclamante nas custas e fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa