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Proc. nº 658/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional:
Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente F. T. e recorrida P....,SA, foi elaborada exposição prévia, pelo relator, tendente ao não conhecimento do recurso.
A resposta do recorrente não abalou aquela exposição, porquanto:
a) em relação à norma constante do artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, o que naquela exposição se disse, não foi, como pretende o recorrente, que a norma não foi aplicada por a tal o obstar o artigo 67º do CPT, mas sim que a decisão recorrida a não aplicou por na mesma se ter considerado que o recorrente deixou «passar o momento oportuno para» a suscitação pretendida, «sendo intempestiva tal reclamação em sede de recurso», nos termos do preceituado naquele mesmo artigo 67º do CPT;
b) e, quanto às restantes normas, perante o STJ não suscitou o recorrente em relação a elas uma verdadeira questão de inconstitucionalidade, já que, em boa verdade, o que efectivamente contestou foi a forma como essas mesmas normas foram aplicadas pela decisão de que recorria, e não a interpretação
(eventualmente desconforme com a Constituição) efectuada pela referida decisão, o que corresponde a suscitar a questão de inconstitucionalidade de uma decisão judicial e não uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Nestes termos, e pelo essencial das razões constantes daquela exposição prévia, decide-se não tomar conhecimento do recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) UC’s.
Lisboa, 17 de Novembro de 1998 Luis Nunes de Almeida Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Maria dos Prazeres Beleza Bravo Serra Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa Proc. nº 658/97
2ª Secção Relator: Cons. Luís Nunes de Almeida
Exposição prévia
(Artigo 78º-A da LTC)
1. F. T. intentou acção declarativa com processo ordinário no Tribunal de Trabalho de Lisboa contra P...,SA, pedindo a declaração de nulidade das cláusulas do aditamento ao acordo de cessação do contrato de trabalho entre eles celebrado.
Nos termos de tais cláusulas, o Autor comprometeu-se a não trabalhar ou colaborar, ainda que indirectamente, para qualquer entidade que exercesse a mesma finalidade comercial ou industrial que a prosseguida pela Ré ou pela sua associada P..., Lda, pelo período de três anos, e ainda a guardar segredo, vitaliciamente, acerca das fórmulas técnicas ou de fabrico que fossem propriedade da Ré ou daquela sua associada à data da assinatura daqueles acordo e aditamento.
Entendia assim o Autor que tais cláusulas eram nulas, nos termos dos nºs 1 e 2 do artigo 36º do Decreto-Lei nº 49408, de 24 de Novembro de 1969
(LCT).
Contestando, a Ré deduziu pedido reconvencional contra o Autor, pedindo a condenação do mesmo no pagamento de uma indemnização no montante de
7.350.000$00, nos termos da cláusula penal estabelecida no identificado aditamento; e concluiu ainda, para o caso de procedência da acção, pela declaração de nulidade do acordo de cessação do contrato de trabalho e consequente devolução da importância de 6.000.000$00 e do veículo automóvel que o Autor recebeu da Ré, ou, subsidiariamente, para o caso de assim se não entender, pediu a condenação do Autor a restituir à Ré a importância de
2.750.000$00 correspondente à compensação paga no pressuposto da validade daquela cláusula de não concorrência constante do aditamento.
2. Efectuada a audiência de julgamento, foram, a final, lidas as respostas aos quesitos, não tendo sido apresentadas quaisquer reclamações.
Por requerimento datado de 17 de Janeiro de 1994, o Autor veio, «nos termos do disposto no artº 70 nº 1 al. b) da LEI 28/82, de 15/11,» arguir as seguintes inconstitucionalidades:
a) da norma aplicada, por errada interpretação do disposto no artº
653 nº 2 do C.P.C., de onde se extraiu uma norma segundo a qual 'a declaração pelo Tribunal de quais os factos que julga provados especificará os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador - sem discriminar nem indicar os quesitos a que esses fundamentos se referem, nem reportar, identificando-a, a documentação a que alude essa dita fundamentação aos respectivos quesitos.
[...]
b) São inconstitucionais ainda as normas em que o Tribunal se apoiou para formular o quesito 13º.
[...]
c) De qualquer modo, a resposta dada ao quesito 13 consubstancia também errada aplicação do disposto no artº 664 do C.P.C. na medida em que abstrai do alegado nos artigos 24, 25 e 26 da contestação/reconvenção [...]
3. Por decisão de 31 de Maio de 1995, a acção foi julgada procedente, com a consequente declaração de nulidade das cláusulas 1ª, 2ª, 3ª e
4ª do aditamento ao acordo de cessação do contrato de trabalho, julgando-se ainda parcialmente procedente o pedido reconvencional, e condenando-se o Autor, consequentemente, a restituir à Ré a importância de 2.350.000$00, correspondente
à compensação que lhe fora paga na pressuposição da validade do pacto de não concorrência inscrito naquele Aditamento.
4. Inconformado com essa decisão, o Autor interpôs recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Nas respectivas alegações, reiterou aquelas questões de inconstitucionalidade suscitadas no anterior requerimento.
Por acórdão de 20 de Novembro de 1996, a Relação de Lisboa negou provimento a ambos os recursos, confirmando o despacho e a decisão recorridos.
5. Novamente inconformado, o recorrente interpôs recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.
Formulou assim as respectivas conclusões:
5º
A decisão proferida sobre a matéria de facto não está fundamentada de acordo com a nossa ordem jurídica; e não pode confundir-se de a questão de só se poder reclamar imediatamente após o exame a que se refere o nº 4 do art. 653º do C.P.C., com a questão da suscitação do vício em sede de recurso.
6º
Nos termos do art. 8º nº 1 do D.L. 64-A/89, de 27/2, o acordo de cessação do contrato de trabalho deve ser reduzido a escrito e assim também, por identidade de razões, qualquer estipulação contrária à presunção legal do nº 4 do mesmo artigo do citado Decreto Lei, no sentido de que a referência à natureza global da indemnização é de entender que nela foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação ou exigíveis em virtude da cessação.
7º
E não que nela se inclui, como vem arbitrariamente provado, à revelia das exigências legais de documento escrito, uma verba compensatória de
2.350.000$00 por contrapartida da obrigação de não concorrência.
[...]
9º
Foi violado por isso o citado art. 8º do DL 64-A/89, para além das disposições citadas, nomeadamente: art. 238º nº 2, 249º, 393º nº 2, 394º nºs 1 e
2, 664º todos do C.Civil; art. 158º, art. 490º nº 1, art. 511º nº 1, art. 653º nº 2 e 659º nº 3 todos do C.P.C.; art. 13º, 47º nº 1, 53º e 58º nº 1, 61º, nº 1,
208º nº 1 e 209º todos da Constituição da República Portuguesa.
No seu parecer, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do improvimento da revista.
6. Por acórdão de 4 de Junho de 1997, o STJ negou provimento ao agravo e negou procedência à revista, confirmando a decisão recorrida.
Entendeu-se nesse aresto:
Dispõe o art. 67º, nº 1 do C.P. Trabalho que: «A falta ou insuficiência de especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador prevista no nº 2 do artigo 653º do Código de Processo Civil, só pode ser objecto de reclamação imediatamente após o exame a que se refere o nº 4 do mesmo artigo».
[Segundo o nº 5 do artigo 653º do CPC], após a leitura das respostas aos quesitos serão as mesmas facultadas para exame a cada um dos advogados, podendo qualquer um deles reclamar contra a deficiência, obscuridade ou contradição das respostas ou contra a falta da sua fundamentação.
Ora, compulsando os autos verifica-se que não houve qualquer reclamação contra a falta ou insuficiência da fundamentação das respostas. Assim, e tendo em conta o que dispõe o citado nº 1 do art. 67º, logo é de concluir que a «reclamação» feita na apelação foi intempestiva.
Por outro lado, haverá que ter em conta o estatuído no nº 2 do mesmo art. 67º que determina que só pode haver recurso do despacho que decidir a reclamação sobre a fundamentação, no caso de ter havido falta absoluta de motivação. Ora, e sem apreciar agora se a motivação das respostas deve ou não ser considerada correcta, a verdade é que ela existe, motivo pelo qual se não poderia recorrer.
E quanto à alegada violação do artigo 8º do Decreto-Lei nº 64-A/89 entendeu ainda o acórdão:
Ora, sendo esta a matéria de facto provada, e tendo sido declarada a nulidade das cláusulas do falado Aditamento, necessariamente que cessaram ab initio as obrigações assumidas nesse Aditamento pelo A, e designadamente a obrigação de não concorrência com a Ré, provando-se que a R lhe pagou aquela quantia de 2.350.000$00 como contra-partida da obrigação assumida pelo A, a declaração judicial da referida nulidade conduz à imediata obrigação de o A restituir à R aquela quantia, conforme dispõe o art. 289º, nº 1 do C.Civil, que dispõe: «1-Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado...».
Se assim não fosse, o A veria anuladas as referidas cláusulas e ficaria com a compensação que nelas se fundamentava, o que viria a constituir um seu enriquecimento sem causa.
E tal solução em nada contende com o disposto no artº 8º da LCCT, até pela razão de que aquela quantia não se compreendia na compensação global referida no nº 4 daquele artigo que se refere aos créditos já vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude dessa cessação. E aquela quantia destinava-se a compensar o A pela não concorrência com a R e não se pode considerar como englobada nas que aquele artigo 8º, nº 4 se refere.
7. Após pedido de aclaração, que foi indeferido, o recorrente interpôs recurso daquele aresto para este Tribunal, «com base na alínea b) do nº
1 do artigo 70º e ainda e nomeadamente com base nos artigos 75º e 75º-A» da LTC. Indicou como normas constitucionais violadas os artigos 13º, 47º, nº 1, 53º,
58º, nº 1, 61º, nº 1, 208º, nº 1 e 209º da Constituição.
Notificado, nos termos do disposto no artigo 75º-A da LTC para indicar quais as normas cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, o recorrente veio indicar:
a) a norma extraída do art. 653º nº 2 do CPC segundo a qual «a declaração pelo Tribunal de quais os factos que julga provados especificará os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador - sem discriminar nem indicar os quesitos a que esses fundamentos se referem, nem reportar, identificando-a, a documentação a que alude essa dita fundamentação aos respectivos quesitos norma essa que viola do Princípio Constitucional da Publicidade.
b) as normas em que se apoiou para formular o quesito 13º extraídas dos artigos 511º nº 1 CPC, este aplicável ex vi artigo 59º nº CPT; art. 8º nº 1 e 4 do DL 64-A/89, de 27/2; 67º, 69º e 238 nº 1 e 2 do C.Civil, em conjugação; normas esta violadoras dos artigos 53º, 58 nº 1, 47º nº 1, 61º nº 1 todos da CRP;
c) da norma aplicada, extraída do artigo 664º CPC, na medida em que permite a abstracção do alegado nos artigos 24º, 25º e 26º da contestação/reconvenção, a justificar a resposta dada ao quesito 13º;
d) da norma extraída nos artigos 511º nº 1 e 38º ambos do CPC por violação do Princípio Constitucional da Igualdade.
8. O presente recurso só poderia ter por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas concretamente aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade o recorrente houvesse suscitado durante o processo.
Vejamos, então, se se verificam tais requisitos quanto ás normas indicadas pelo recorrente.
Assim, quanto à norma constante do artigo 653º, nº 2, do CPC, como aliás claramente resulta do acórdão recorrido, a mesma não foi aplicada na decisão recorrida.
O que aí se entendeu foi que o recorrente, não tendo reclamado daqueles quesitos após o exame dos mesmos, nos termos do artigo 67º, nº 1, do Código de Processo de Trabalho, deixou assim passar o momento oportuno para tanto, sendo intempestiva tal reclamação em sede de recurso. Aplicado foi, assim, e apenas, aquele artigo 67º, nº 1, (parte final) do CPT.
O mesmo se diga das normas dos artigos 67º, 69º e 238 do Código Civil, que não foram explicita ou implicitamente sequer aplicadas na decisão recorrida. Nela foi efectivamente aplicado, além do indicado artigo 67º, nº 1, do CPT, apenas o artigo 289º do Código Civil, referente à declaração de nulidade das cláusulas do aditamento ao acordo de cessação do contrato de trabalho celebrado entre o recorrente e a recorrida. E em relação a estas normas o recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade.
9. Quanto às normas constantes dos artigos 511º, nº 1, do CPC, 8º, nºs 1 e 4, do Decreto-Lei nº 64-A/89 aqui, o que o recorrente alega é que o tribunal - ou a decisão recorrida - violou estes preceitos, ou os não respeitou. No fundo, clama pela não aplicação dos mesmos, não se descortinando aqui qualquer questão de inconstitucionalidade.
O que, aliás, resulta claramente das alegações do recorrente para o STJ, onde se pode ler:
Na verdade, o artigo 511º nº 1 do CPC manda especificar e quesitar apenas os factos que interessem à decisão da causa segundo as várias soluções plausíveis de direito. Esta disposição é aplicável por força do art. 59º nº 2 do CPT.
Remete-nos o art. 511º nº 1 do CPC para o direito aplicável.
Nos termos do art. 8º nº 1 do DL 64-A/89, de 27/2, o acordo de cessação do contrato de trabalho deve ser reduzido a escrito.
Nos termos do nº 4 do mesmo artigo a referência a uma natureza global da indemnização é de entender, salvo estipulação em contrário, que naquela foram incluídos e liquidados os créditos já vencidos à data da cessação ou exigíveis em virtude da cessação.
Isto é, prevenindo qualquer hipótese de se não ter sido suficientemente exaustivo ao referir expressamente alguns.
Qualquer estipulação em contrário teria de ser reduzida a escrito
(citado art. 8º nº 1 do citado Decreto Lei).
Quer dizer, o recorrente não suscita em relação a estas normas qualquer questão de inconstitucionalidade mas antes o que ele entende e o que quis expressar nas suas motivações foi que a decisão recorrida não respeitou aquelas normas ou seja, entendeu que o tribunal a quo não fez aplicação dessas normas, quando o deveria ter feito, e nomeadamente com o sentido que propugna.
O que na decisão recorrida se entendeu foi que a aplicação da declaração de nulidade, nos seus precisos efeitos, não contendia com a norma constante do artigo 8º do citado Decreto-Lei nº 64-A/89. E entendeu-se também que a declaração de nulidade das cláusulas do aditamento fora efectuada de acordo e nos exactos termos do que determina o artigo 289º do Código Civil, este, sim, aplicado e fundamento da decisão.
10. Quanto à norma constante do artigo 664º do CPC, alega o recorrente:
c) De qualquer modo, a resposta dada ao quesito 13º consubstancia também errada aplicação do disposto no art. 664 do CPC na medida em que abstrai do alegado nos artigos 24º, 25º e 26º da contestação/reconvenção e, salvo o devido respeito, arbitrariamente, responde ao quesito 13º que as partes ajustaram uma verba compensatória de 2.350 contos pela contrapartida de não concorrência assumida pelo Autor. Tal só faria sentido se a parte tivesse requerido a rectificação do alegado nos citados artigos da contestação e esse requerimento tivesse sido deferido. Não é o caso.
[...]
De resto, já é questionável que à face do Principio Constitucional da Igualdade a matéria dos quesitos 13º, 16º e 17º pudesse ser quesitada. Isto por também no particular pormenor de falta de igualdade de probabilidades, de a matéria poder ser tomada em consideração para efeitos de decisão sobre a matéria de facto, as alegações da Ré falharam.
[...]
Estas erradas interpretações - inconstitucionais - permitiram que tivessem sido dados como assentes factos que no rigor da nossa ordem jurídica o não poderiam ser.
O que o recorrente assim manifesta é a sua discordância por ter sido quesitada matéria que, no seu entender, o não deveria ter sido, e vice-versa. Ora, o que se retira assim das suas alegações é a sua discordância com a decisão recorrida do estrito ponto de vista da desconformidade da mesma com aquelas normas, entendendo o recorrente, nomeadamente, que estas deveriam ter sido aplicadas, ou tidas em conta pela decisão recorrida. A argumentação do recorrente mais não visa, afinal, do que a própria decisão, o que não se confunde com a arguição de uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
12. Por fim, as normas dos artigos 511º, nº 1, e 38º do CPC: também aqui o que se verifica é a discordância do recorrente com a decisão recorrida do ponto de vista da desconformidade da mesma - no entender do recorrente - com essas normas, entendendo, uma vez mais, que estas deveriam ter sido aplicadas, ou tidas em conta pela decisão recorrida, nomeadamente com o sentido propugnado. Também quanto a estas normas, a argumentação do recorrente apenas visa a própria decisão recorrida, não se vislumbrando aí a arguição de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Nestes termos, entendo que se não deve conhecer do recurso.
*
Cumpra-se o disposto no artigo 78º-A da LTC.