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Proc. nº 580/97
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
I
1. L. M., executado em processo de execução fiscal originariamente instaurado pela Fazenda Nacional contra V...,SA por dívida de imposto de capitais respeitante aos anos de 1983 a 1986, deduziu oposição, perante o Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto, com fundamento em ilegitimidade.
A juíza do 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto considerou que, tendo o oponente integrado o conselho de administração da sociedade em causa apenas durante parte do ano de 1986, somente poderia ser responsabilizado pela quantia em dívida relativa a esse ano; consequentemente, julgou a oposição improcedente, no tocante à importância em dívida respeitante ao ano de 1986, e procedente, com a consequente extinção da execução, no tocante
às importâncias em dívida respeitantes aos anos de 1983, 1984 e 1985.
Na sua decisão, a mesma juíza julgou inconstitucional a norma do artigo 3º do Decreto-Lei nº 199/90, conjugada com as tabelas I e II a ela anexas, 'por violação do direito de acesso aos tribunais inserto no art. 20º, nº
1 da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade' e determinou que a taxa de justiça fosse calculada de acordo com a tabela anexa ao artigo 13º do Código das Custas Judiciais aprovado pelo Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro.
2. Da decisão interpôs recurso o Magistrado do Ministério Público junto daquele Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, a), e 72º, nºs 1, a), e 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
3. No Tribunal Constitucional, o Ministério Público produziu alegações, tendo concluído que o recurso deveria ser julgado procedente, com fundamento em que:
?1º - Não pode inferir-se do juízo de inconstitucionalidade ínsito no Acórdão nº
1182/96 que toda a tabela I de custas anexa ao Decreto--Lei nº 199/90, de 19 de Junho, seja materialmente inconstitucional, pelo facto de as custas devidas em certos processos tributários serem de valor mais elevado do que as que seriam devidas na jurisdição comum, em processos de função ou natureza análoga.
2º - Na verdade, importa ponderar, em termos concretos e casuísticos, qual o montante das custas devidas, formulando um juízo comparativo em função das tabelas anexas ao Código das Custas Judiciais e ao citado Decreto-Lei nº 199/90, tendo em conta o valor da causa e a repercussão que o montante devido possa ter na efectividade prática do direito de acesso à justiça fiscal.
3º - Não pode considerar-se desproporcionado o estabelecimento de um montante de custas, devidas em oposição à execução fiscal e que foi julgada improcedente, de
90 725$00, sendo o valor da execução em que tal oposição se inseriu de 611
656$00 ? e representando o agravamento das custas tributárias, numa acção desse valor, cerca de 3 vezes o que corresponderia a processo, de idêntica natureza, que fosse instaurado perante os tribunais judiciais.? II
4. O presente recurso tem por objecto a apreciação da constitucionalidade da norma do artigo 3º do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, que determina que 'as tabelas de custas dos tribunais tributários e a tabela dos emolumentos dos serviços das contribuições e impostos [...] são substituídas pelas correspondentes tabelas publicadas em anexo ao presente diploma'.
5. Ao pronunciar-se anteriormente sobre a constitucionalidade de normas relativas a custas judiciais, o Tribunal Constitucional teve ocasião de afirmar a liberdade do legislador na fixação do montante das custas, considerando que ao legislador compete optar por uma justiça mais ou menos cara. O Tribunal admitiu porém a existência de um limite a essa liberdade ? limite que resulta do imperativo de 'a justiça ser realmente acessível à generalidade dos cidadãos sem terem de recorrer ao sistema de apoio judiciário' (acórdão nº 352/91, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º vol., p. 549 ss).
6. O Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a apreciar a constitucionalidade da norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto--Lei nº 199/90, de 19 de Junho, com as tabelas I e II anexas ao mesmo diploma.
O Tribunal começou por reconhecer que 'os valores fixados para a
'taxa de justiça' [...] relativos à jurisdição fiscal foram, desde sempre, substancialmente mais elevados que os correspondentes valores estabelecidos para a justiça cível comum', que 'a procura de uma racionalidade para esta situação não pode deixar de ter presente a especificidade do fenómeno jurídico em torno do qual se constrói esta jurisdição' e que os custos de utilização da justiça fiscal se relacionam com a própria eficácia do sistema fiscal.
Verificando no entanto que os quantitativos concretos das custas no processo tributário, quando encarados numa lógica comparativa com os decorrentes do Código das Custas Judiciais, se revelam manifestamente excessivos e desproporcionados e tornam a justiça tributária frequentemente incomportável quando se toma por paradigma a capacidade contributiva do cidadão médio, o Tribunal concluiu no sentido da inconstitucionalidade da norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, com as tabelas I e II anexas ao mesmo diploma, por violação do direito de acesso aos tribunais, decorrente do artigo 20º, nº 1, da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade (acórdão nº 1182/96, in Diário da República, II Série, nº 35, de 11.2.1997).
Argumentação semelhante fundamentou diversos acórdãos posteriores
(nºs 70/98, 102/98, 107/98, 110/98, ainda inéditos).
Conclui-se deste modo que a aplicação das referidas tabelas conduz, em geral, a montantes desproporcionadamente elevados e que ?o facto de, nalgum caso, essa desproporção não ser tão significativa não justifica [...] que a norma sub iudicio seja julgada inconstitucional apenas em parte, e não na sua totalidade? (assim, expressamente, nos mencionados acórdãos nºs 70/98 e 110/98).
III
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) julgar inconstitucional a norma que se extrai da conjugação do artigo 3º do Decreto-Lei nº 199/90, de 19 de Junho, com a tabela I anexa ao mesmo diploma, por violação do direito de acesso aos tribunais, inscrito no artigo 20º, nº 1, da Constituição, combinado com o princípio da proporcionalidade;
b) negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que respeita à questão de constitucionalidade.
Lisboa, 2 de Julho de 1998 Maria Helena Brito Alberto Tavares da Costa Paulo Mota Pinto Maria Fernanda Palma Artur Mauricio Vitor Nunes de Almeida Luis Nunes de Almeida