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Processo nº 734/01
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interpostos ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, em que são recorrente A ... e recorrido o Município de Sintra, foi proferida, em 14 de Janeiro último, tendo em conta o disposto no nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, decisão sumária na qual se não tomou conhecimento do objecto do recurso.
É do assim decidido que o reclamante vem, agora, reclamar para a conferência (nº 3 do citado artigo 78º-A).
2. - A decisão sumária é do seguinte teor:
“1. - A .. requereu, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a suspensão de eficácia do despacho de indeferimento, proferido em 8 de Fevereiro de 2001, pelo competente Vereador da Câmara Municipal de Sintra, que recaiu sobre o seu requerimento apresentado em 30 de Outubro de 2000, para autorização da exploração de uma saibreira. Alegou, para o efeito, tratar-se de acto revogatório de outro, anterior, constitutivo de direitos, sendo ilegal a vários títulos, causando-lhe prejuízos de difícil reparação, uma vez que, tendo o requerente por única actividade a de exploração de saibro, fica dela impossibilitado de exercer, o que é a única fonte de rendimentos, do próprio e da família, aí tendo investido as suas economias e assumido compromissos que ficará impossibilitado de cumprir. Mais alegou que, desse modo, se impossibilitará o projecto de reflorestação do terreno, projecto que implicou avultado investimento. E que a cessação da actividade lançará no desemprego os empregados que tem ao serviço, com prejuízos inquantificáveis e de difícil reparação, sendo certo, por outro lado, que a suspensão requerida não causará qualquer dano para o interesse público. O pedido foi indeferido por sentença de 21 de Junho de 2001, por se considerar não se mostrarem preenchidos os requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 76º do Decreto-Lei nº 267/85, de 16 de Julho (Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – LPTA). Inconformado, o requerente interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo do assim decidido, mas este Tribunal, por acórdão de 14 de Setembro de 2001, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida.
À argumentação desenvolvida pelo recorrente no sentido da violação do contraditório com o fundamento de que não pôde pronunciar-se sobre requerimento junto ao processo instrutor, sendo englobável na cláusula geral sobre nulidades processuais, constantes do nº 1 do artigo 201º do Código de Processo Civil, sendo indiscutível que a sua inobservância é susceptível de influir no exame e na decisão da causa, sob pena de outro entendimento “importar a inconstitucionalidade da decisão por violar o princípio da equidade ou da igualdade das partes e os artigos 1º, 2º e 13º da CRP”, o Tribunal recorrido não configurou a situação configurada pelo recorrente nessa moldura, por não ser integrável nas causas de nulidade da sentença previstas no artigo 668º, nº 1, da lei processual civil, concluindo, desse modo, pela inexistência de nulidade. Quanto à verificação dos requisitos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 76º da LPTA, o Tribunal a quo concluiu pelo indeferimento do pedido de suspensão, desde logo por não se ter demonstrado o que se refere àquela alínea a). A decisão foi objecto de um pedido de aclaração, ao discordar-se do “itinerário cogniscitivo e valorativo percorrido pelo Tribunal recorrido”, ao referir que o Código de Processo Civil distingue claramente aquilo que considera nulidades de sentença das outras nulidades processuais”, o que o requerente pretende aclarar por considerar obscuros os fundamentos aduzidos quanto a essa distinção. O acórdão do Tribunal Central Administrativo de 7 de Novembro de 2001 indeferiu a reclamação apresentada, por não se vislumbrar qualquer obscuridade ou ambiguidade, traduzindo-se a reacção manifestada na discordância quanto ao decidido (a “obscuridade” constituiria materialmente uma censura do julgado por
“erro de julgamento”, matéria insusceptível de ser apreciada no âmbito do pedido de esclarecimento da sentença, tal como gizado vem no artigo 669º, nº 1, alínea a) do CPC).
3. - Reagiu o interessado mediante a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, do “acórdão que antecede”, ou seja, do acórdão sobre o pedido de aclaração – o que fez ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro. Fundamentou-se na inconstitucionalidade (das normas) dos artigos 517º e 201º, nº
1, do Código de Processo Civil, “na interpretação que lhe foi dada pelo acórdão recorrido”, por violar os artigos 1º, 2º e 13º da Constituição da República
(CR).
4. - O recurso foi admitido, o que não vincula o Tribunal Constitucional – nº 3 do artigo 76º da Lei nº 28/82. Já neste Tribunal, o relator convidou o recorrente, nos termos e para os efeitos dos nºs. 1, 2, 6 e 7 do artigo75º-A do mesmo diploma legal, a indicar, clara e inequivocamente, a interpretação normativa posta em causa e, bem assim, em que momento e peças processuais suscitou a questão de constitucionalidade. Respondeu este, esclarecendo ter sido a questão equacionada nas alegações de recurso para o Tribunal Central Administrativo. E acrescentou:
“A interpretação que se coloca em causa na aludida peça processual é a interpretação que é dada ao direito do contraditório, o qual se encontra expressamente enunciado no Artº 517º do Código de Processo Civil. Ao se considerar que o facto de o Recorrente não ter sido notificado da junção aos autos do processo instrutor não constitui uma nulidade processual nos termos do Artº 201º, nº 1, desse mesmo diploma legal, está-se a violar abertamente o princípio da equidade e da igualdade das partes e os Artºs. 1º, 2º e 13º da CRP.”
5. - Entende-se ser de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo
78º-A da Lei nº 28/82, por não poder conhecer-se do objecto do recurso.
6. - Na verdade, o acórdão de que se recorre, de 7 de Novembro último, ao indeferir o pedido de aclaração do acórdão anterior, não aplicou as normas dos artigos 517º e 201º do CPC, limitando-se a decidir pela inexistência de qualquer
“obscuridade ou ambiguidade” do anterior aresto, salientando que a reclamação apresentada “[...] traduz no essencial, uma certa discordância do ora reclamante, contra o decidido”. Assim, a única norma interpretada e aplicada no aresto foi a do artigo 669º, nº
1, alínea a) do CPC, relativamente à qual o recorrente nada diz. No entanto, ainda que se admitisse que o recurso abrange igualmente o acórdão de
14 de Setembro, não é diferente a sorte do recurso: este primeiro acórdão não aplicou as normas dos artigos 517º e 201º, nº 1, do CPC, ou, pelo menos, não o fez na perspectiva que originou a interpretação invocada pelo recorrente nas conclusões do recurso para o Tribunal Central Administrativo – onde, de resto, põe em causa a constitucionalidade da decisão –, uma vez que o aresto recorrido não tomou conhecimento da nulidade convocada por entender não se enquadrar a mesma nas causa de nulidade da sentença a que o nº 1 do artigo 668º citado alude.
7. - Não se verificam, pois, os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, nomeadamente o concernente à aplicação da norma, ou sua interpretação, integrando a causa decidendi.
8. - Em face do exposto, decide-se, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 unidades de conta.”
3. - Na reclamação apresentada –à qual não respondeu o recorrido – pretende o seu autor que a mesma seja julgada procedente de modo a que o recurso siga os seus termos normais.
Com efeito, defende que não só o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo como a decisão do Tribunal Administrativo de Círculo violaram os princípios da equidade e da igualdade das partes consagrados nos artigos 1º, 2º e 13º da Constituição uma vez que não foi dada ao recorrente a oportunidade de se pronunciar sobre todos os elementos carreados para o processo pela entidade recorrida.
E, de qualquer modo, o acórdão de 14 de Setembro aplicou, se bem que implicitamente, os artigos 517º e 201º, nº 1, do CPC ao decidir que a decisão não enfermava de qualquer nulidade.
4. - Reitera-se, no essencial, o que a este respeito se escreveu no ponto 6 da decisão sumária.
De resto, destaca-se da posição assumida pelo recorrente não se equacionar, propriamente, uma dada interpretação normativa – e só esta poderia conduzir à via do recurso de constitucionalidade – uma vez que, inequivocamente, o alegado vício de inconstitucionalidade é dirigido a concretas decisões judiciais e não a quaisquer normas ou dimensões normativas cuja interpretação se questione.
5. - Em face do exposto, indefere-se a reclamação deduzida, mantendo-se o anteriormente decidido quanto ao não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida