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Proc. nº 39/97
1ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
I Relatório
1. M... interpôs contra o Estado Português acção emergente de contrato individual de trabalho no Tribunal do Trabalho de Coimbra.
O juiz do Tribunal do Trabalho de Coimbra, por despacho de 16 de Abril de 1995, ordenou o arquivamento dos autos, em virtude de a autora não ter dado cumprimento ao disposto no artigo 4º, nº 3, do Decreto-Lei nº 282/92, de 27 de Fevereiro (apresentação dos documentos originais).
M... arguiu a nulidade do despacho de arquivamento, arguição que foi indeferida, por despacho de 30 de Maio de 1995.
2. M... interpôs recurso do despacho de 30 de Maio de 1995 para o Tribunal da Relação de Coimbra.
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O juiz do Tribunal do Trabalho de Coimbra, por despacho de 30 de Outubro de 1995, julgou deserto o recurso, em virtude de não ter sido efectuado o pagamento das custas (artigo 292º, nº 1, do Código de Processo Civil).
3. M... interpôs recurso de agravo do despacho de 30 de Outubro de
1995 para o Tribunal da Relação de Coimbra.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 18 de Abril de
1996, negou provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão recorrida.
4. M... interpôs recurso do acórdão de 18 de Abril de 1996 para o Supremo Tribunal de Justiça.
No Supremo Tribunal de Justiça, o Relator proferiu despacho no sentido de se dever julgar deserto o recurso, uma vez que não foi dado cumprimento ao preceituado no artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho (o requerimento de interposição de recurso conter as respectivas alegações e a indicação da decisão recorrida).
A recorrente, em resposta, sustentou que a interpretação do artigo
76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho no sentido de a norma aí contida ser aplicável aos recursos interpostos do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2º,
13º e 20º da Constituição.
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O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 27 de Novembro de
1996, julgou deserto o recurso, não tomando, consequentemente, conhecimento do seu objecto.
5. M... interpôs recurso de constitucionalidade do acórdão de 27 de Novembro de 1996, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alíneas b), f) e g), da Lei do Tribunal Constitucional.
A Relatora proferiu despacho, convidando a recorrente a indicar a norma cujas inconstitucionalidade e ilegalidade pretendia ver apreciada, a norma constitucional que considerava violada, a peça processual em que suscitara a questão de constitucionalidade e ilegalidade, bem como a decisão anterior do Tribunal Constitucional que julgara inconstitucional ou ilegal a norma impugnada.
A recorrente respondeu, afirmando que a norma impugnada é a contida no artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, que tal norma é ilegal, porque viola os artigos 8º, nº 3, 9º, nº 2, 10º e 11º do Código Civil, que tal norma é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 2º, 13º e 20º da Constituição e que as referidas questões foram suscitadas na resposta ao despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça.
Junto do Tribunal Constitucional, a recorrente alegou, invocando a inutilidade superveniente da lide, em virtude de ter havido revogação do Código das Custas Judiciais; sustentando a inconstitucionalidade e a ilegalidade da norma contida no artigo
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76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho; invocando a inconstitucionalidade da norma contida no artigo 145º, nº 3, do Código das Custas Judiciais; e requerendo a dispensa da multa devida pela apresentação das alegações no terceiro dia após o termo do prazo.
A Relatora, por despacho de 15 de Julho de 1997, dispensou a recorrente da multa, nos termos do artigo 145º, nº 7, do Código de Processo Civil.
O Ministério Público contra-alegou, tendo tirado as seguintes conclusões:
1º - A norma constante do artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, interpretada como sendo também aplicável aos recursos de agravo interpostos de decisões proferidas em 2ª instância, não viola qualquer preceito ou princípio da Lei Fundamental.
2º - Termos em que improcede manifestamente o recurso interposto.
6. Corridos os vistos, cumpre decidir.
5 II Fundamentação A Recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
7. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário para que se possa tomar conhecimento do seu objecto que o recorrente indique no requerimento do recurso a decisão do Tribunal Constitucional ou o parecer da Comissão Constitucional que julgou inconstitucional ou ilegal a norma impugnada (artigo
75-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional).
A recorrente só a fls. 103 (depois da resposta ao despacho proferido ao abrigo do artigo 75-A, nº 5, da Lei do Tribunal Constitucional) indicou o Acórdão nº 575/96, que julgou inconstitucional a norma contida no artigo 192º do Código das Custas Judiciais de 1982.
Ora, a decisão recorrida (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
27 de Novembro de 1996) julgou deserto o recurso, em virtude de as respectivas alegações não terem sido apresentadas no momento próprio, nos termos do artigo
76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho. Não fez aplicação da norma julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no Acórdão nº 575/96.
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Concluir-se-á, consequentemente, que o objecto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea g), da Lei do Tribunal Constitucional, não
é de conhecer, não interessando nessa medida averiguar se a indicação do Acórdão foi tempestiva.
B Recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
8. Sendo o presente recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº
1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, o seu objecto só pode ser constituído por uma questão de ilegalidade normativa por violação da lei com valor reforçado, estatuto da região autónoma ou lei geral da República (neste caso, tratando-se de norma constante de diploma regional).
A recorrente considera que a norma contida no artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, tal como foi interpretada aplicada pelo tribunal a quo, é ilegal, por violação do disposto nos artigos 8º, nº 3, 9º, nº 2, 10º e
11º do Código Civil.
Ora, o Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei nº 47334, de 25 de Novembro de 1966, não é, como preceitua a alínea f) do nº 1 do artigo 7º da Lei do Tribunal Constitucional, um diploma qualificável como lei com valor reforçado
[artigos 70º, alíneas f) e c), da Lei do Tribunal Constitucional, e 112º, nº3, da Constituição]. Não contém, obviamente, o estatuto de uma
7 região autónoma, nem o Código de Processo do Trabalho é um diploma regional.
Não se tomará assim, igualmente, conhecimento do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea f), da Lei do Tribunal Constitucional.
C Recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
9. A recorrente invocou a inutilidade superveniente da lide, em virtude de o Código das Custas Judiciais ter sido revogado e, consequentemente, já nada obstar a que o recurso por si interposto perante o Tribunal da Relação de Coimbra viesse prosseguir os seus termos.
Ora, é evidente que tal ponto é irrelevante para o julgamento da questão de constitucionalidade pertinente nestes autos - a que se relaciona com a eventual violação dos artigos 2º, 13º, e 20º da Constituição pelo artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho. É esta norma, tal como foi interpretada e aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão recorrido, e não as normas do Código das Custas Judiciais, que fundamenta a decisão recorrida. Improcede, nessa medida, a questão prévia suscitada pela recorrente.
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10. A redacção da norma impugnada é a seguinte: Artigo 76º
(Modo de interposição do recurso)
1. O requerimento de interposição de recurso deverá conter a alegação do recorrente, além da identificação da decisão recorrida, especificando, se for caso disso, a parte dela a que o recurso se restringe.
(...)
A recorrente sustenta que tal norma, interpretada no sentido de ser aplicável aos recursos interpostos do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, é inconstitucional, por violação do disposto nos artigos
2º, 13º e 20º da Constituição.
No desenvolvimento de tal entendimento, invoca vários argumentos situados no plano infraconstitucional. Porém, tais argumentos não têm qualquer utilidade no âmbito do presente recurso, uma vez que num recurso de constitucionalidade não cumpre apreciar a bondade da interpretação acolhida pelo tribunal a quo, mas antes e tão somente averiguar se tal interpretação é ou não conforme à Constituição.
11. A conformidade à Constituição da norma impugnada já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, no âmbito do julgamento de casos idênticos aos dos autos (cf., nomeadamente, Acórdãos nºs 51/88 e 266/93, D.R., II Série, de 22 de Agosto de 1988 e de 10 de Agosto de 1993, respectivamente).
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Nos arestos invocados, o Tribunal Constitucional considerou que a exigência de a alegação ter de constar do requerimento de interposição do recurso ou mesmo de dever ser apresentada no prazo de interposição do recurso de oito dias não diminui as garantias processuais das partes nem acarreta uma afectação desproporcionada ou intolerável das possibilidades de defesa dos interesses das partes.
Por outro lado, o Tribunal entendeu que o legislador tem uma certa liberdade de conformação quanto ao estabelecimento de requisitos condicionantes dos recursos, desde que sejam respeitados determinados limites (não poderia o legislador infraconstitucional suprimir em bloco os tribunais de recurso e os próprios recursos ou limitar de tal modo o direito de recorrer que, na prática, se tivesse de concluir que os recursos tinham sido suprimidos - cf. os Acórdãos nºs. 673/95 e 365/97, D.R., II Série, de 20 de Março de 1996, e inédito, respectivamente).
Em consequência, o Tribunal Constitucional concluiu que a norma contida no artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho, não viola o disposto no artigo 20º da Constituição.
É para este entendimento que agora se remete.
12. Por outro lado, também não procede a alegada violação do princípio da igualdade (que a recorrente meramente afirma sem fundamentar).
Com efeito, dever-se-á considerar, neste contexto, que no foro laboral se aplica justificadamente legislação processual especial, de acordo com uma longa tradição legislativa, assente,
10 em última instância, nas especificidades do correspondente ramo de direito substantivo (cf., desenvolvidamente, o citado Acórdão nº 266/93).
Acresce que no presente processo não está em causa a supressão de uma instância do recurso (o que, aliás, só por si, não implicaria necessariamente a violação da Constituição), mas tão somente o estabelecimento de um ónus numa categoria de situações genericamente recortada, em obediência aos princípios da celeridade e eficácia processuais.
Não se verifica, nessa medida, qualquer violação do princípio da igualdade.
13. Conclui-se, pois, que a norma impugnada não viola qualquer preceito constitucional.
IV Decisão
14. Em face ao exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional;
b) Não tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo da alínea f) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
11 Constitucional;
c) Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 76º, nº 1, do Código de Processo do Trabalho;
d) Negar provimento ao recurso, confirmando, consequente-mente, a decisão recorrida, de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 18 de Novembro de 1998 Maria Fernanda Palma Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Artur Mauricio Paulo Mota Pinto Maria Helena Brito Jos´Manuel Cardoso da Costa