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ProcACÓRDÃO Nº 557/98 Proc.º nº 98/98
2ª Secção Rel.: Consº Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. Por decisão do Governador Civil do Porto, de 28 de Julho de 1995, foi aplicada a A...a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de um mês, pela prática da contraordenação prevista no artigo 36º, nº 1, do Código da Estrada, cuja coima, no montante de 20.000$00, fora entretanto já voluntariamente paga pelo infractor. O arguido impugnou judicialmente aquela decisão, alegando, nomeadamente, que não lhe fora enviada a notificação da contraordenação, constante do ponto 3 da decisão, pelo que não se podia pronunciar sobre a mesma, «devendo essa decisão ser declarada nula por não ter sido respeitado o previsto no artigo 50º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27 de Outubro 'ex vi' artigo 155º do Código da Estrada». Por despacho de 8 de Novembro de 1995, o Governador Civil do Porto manteve a decisão proferida.
2. Remetidos os autos à instância judicial, foram os autos distribuídos no Tribunal de Pequena Instância Criminal do Porto. Efectuada a audiência de julgamento, sem a presença do arguido, que também se não fez representar por advogado, foi proferida decisão, em 17 de Outubro de
1996, julgando improcedente a impugnação judicial interposta e mantendo «a decisão da Direcção Geral de Viação que condenou o arguido pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelos artºs. 36º, nº 1 e 2, 148º, al. e) e 149º, al. g) do Código da Estrada na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de um mês». Requerida a justificação da falta à audiência de julgamento pelo arguido, a mesma foi considerada justificada, por despacho de 25 de Outubro de 1996.
3. Inconformado com a sentença proferida, o arguido interpôs recurso da mesma para o Tribunal da Relação do Porto, vindo a suscitar, nas suas alegações, a questão da inconstitucionalidade do nº 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro, «ao permitir o julgamento do arguido sem a sua presença na audiência de julgamento», por violação dos artigos 13º e 32º, nº 8, da Constituição. Por acórdão de 5 de Março de 1997, a Relação do Porto negou provimento ao recurso. Quanto à questão de inconstitucionalidade suscitada, considerou-se nesse aresto que a norma invocada não fora aplicada pela decisão recorrida, porquanto: O julgamento já havia sido adiado uma vez por falta do arguido. Constatada a ausência na nova data designada, a Mmª Juiz procedeu em conformidade com o preceituado no artº 68º nº 1 do DL 433/82. Não sendo aqui, no domínio contra-ordenacional, aplicável o invocado artº 11º nº
3 do DL 17/91 de 10 de Janeiro cujo conhecimento de inconstitucionalidade fica, por isso, prejudicado. E sendo certo que, como observa o Ministério Público na sua resposta, a justificação ou não da falta do arguido não interfere com a aplicação daquele artº 68º (cfr. redacção do nº 2 deste artigo na versão anterior e a que foi introduzida ao nº 1 do mesmo artº pelo DL 244/95 de 14.9). O recorrente requereu, então, cópia dactilografada deste aresto, por considerar que o mesmo estava «incompreensível [...] talvez porventura devido à má qualidade da fotocópia», o que foi indeferido por despacho de 2 de Abril de
1997. Reclamou, então, o recorrente deste despacho para a conferência. Por acórdão de 28 de Maio de 1997, a conferência confirmou o despacho reclamado e indeferiu o requerimento. O recorrente pediu cópia dactilografada também deste aresto, o que também foi indeferido por acórdão de 1 de Outubro de 1997.
4. O recorrente veio então requerer a reforma do acórdão de 5 de Março de 1997,
«nos termos da alínea b) do artigo 669º do Código Civil, aplicável por força do artigo 4º do C.P.P.», invocando, no essencial, a prescrição da contra-ordenação em que fora condenado «atendendo ao disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 29º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27/10, com as alterações subsequentes». Pelo seu acórdão de 5 de Novembro de 1997, em conferência, a Relação indeferiu aquela pretensão. Inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, «nos termos dos artigos 71º, 72º nº 1 alínea b), de harmonia com o estatuído nas alíneas b) a l) do artigo 70º, todos do disposto na Lei nº 28/82 de 15/11 e alterações subsequentes», para apreciação da inconstitucionalidade das normas constantes «do nº 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/91» e «do artigo 67º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27/10 [...] por violação do artigo 13º e o nº 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa».
5. Admitido o recurso, subiram os autos a este Tribunal, tendo o recorrente concluído as suas alegações pela forma seguinte:
20 - O nº 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/91, bem como o artigo 67º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27/10, com as alterações subsequentes, ao permitirem o julgamento do arguido sem a sua presença na audiência de julgamento, é inconstitucional, por violar o artigo 13º e o nº 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa;
21 – [...] o nº 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/91 viola o artigo 13º da C.R.P., porque, segundo esta norma constitucional, 'todos os cidadãos têm a mesma dignidade social, e são iguais perante a lei', e 'ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito...';
[...]
23 – O nº 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/01, bem como o artigo 67º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27/10, com as alterações subsequentes, violam o nº 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, porque esta norma Constitucional dispõe: 'Nos processos de contra--ordenação são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa';
Por sua vez, o Ministério Público, nas suas alegações, formulou questão prévia relativa à inadmissibilidade do recurso nos termos seguintes: a) Em primeiro lugar, é manifesto que a única decisão que se debruçou sobre a questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente – ligada às consequências da falta do arguido à audiência, em processo contraordenacional – foi o acórdão de fls. 98/100, proferido em 5 de Março de 1997. Ora, tal decisão manifestamente não aplicou a norma cuja constitucionalidade havia sido suscitada pelo recorrente, na sua motivação de recurso, de fls. 72 verso: a do artigo 11º, nº 3, do Decreto-Lei nº 17/91, por não se tratar de processo de transgressão, mas contra-ordenacional. b) Em segundo lugar, e relativamente à norma do artigo 67º do Decreto-Lei nº
433/82, que integra também o objecto deste recurso, verifica-se que:
- tal norma não foi, também ela, aplicada na decisão recorrida, que se fundou no preceituado no artigo 68º, nº 1, do citado Decreto-Lei nº 433/82;
- não foi suscitada pelo recorrente a sua inconstitucionalidade durante o processo, sendo evidente que, estando em causa processo contraordenacional, era perfeitamente previsível a sua aplicação ao caso dos autos. c) Finalmente, é claramente extemporâneo o recurso de constitucionalidade, interposto em 17 de Novembro de 1997 – e reportado ao acórdão de 28 de Maio de
1997, logo notificado ao recorrente.
Notificado para responder, veio o recorrente reafirmar a tempestividade do recurso «face ao disposto nos artigos 669º e 670º do Código de Processo Civil», entendendo ainda que «na decisão recorrida foi aplicado o disposto no artigo 67º do Decreto-Lei nº 433/82 de 27/10». Dispensados os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
6. Independentemente da eventual extemporaneidade do presente recurso de constitucionalidade, é manifesto que dele não se pode conhecer, por falta dos respectivos pressupostos essenciais.
É que o recurso de constitucionalidade só pode ter por objecto a apreciação da constitucionalidade de norma ou normas jurídicas que tenham sido concretamente aplicadas na decisão recorrida e cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo. Como flui do disposto no artigo 280º, nº 1, alínea b), da Constituição, e do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade ali previsto há-de interpor-se de decisões judiciais que apliquem norma ou normas jurídicas cuja inconstitucionalidade o recorrente haja suscitado durante o processo. E o presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da LTC, apesar de o recorrente se referir, no respectivo requerimento de interposição de recurso, às alíneas b) a l), pois verifica-se, no caso concreto, que apenas aquela alínea b) poderia fundar o seu recurso. Ora, constata-se, quanto à norma constante do nº 3 do artigo 11º do Decreto-Lei nº 17/91, de 10 de Janeiro, que a mesma não foi efectivamente aplicada na decisão recorrida, por se tratar de norma atinente ao processo de transgressões, e se estar, no caso dos autos, em sede de processo contraordenacional, tendo o tribunal a quo expressamente afastado a aplicabilidade da pretendida norma.
É, pois, evidente que se não pode conhecer do recurso nesta parte, por manifesta falta de um pressuposto essencial para o efeito (artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional): que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado a norma em causa.
7. Quanto à pretendida questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 67º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, só no requerimento de interposição do presente recurso suscitou o recorrente, pela primeira vez, a inconstitucionalidade do mesmo, o que vale por dizer-se que não o fez durante o processo, como lhe era exigido.
É que, suscitar a inconstitucionalidade de uma norma jurídica, durante o processo, significa fazê-lo a tempo de o tribunal recorrido poder, e dever, conhecer dessa questão e pronunciar-se sobre a mesma, ou seja, antes de esgotado o poder jurisdicional respectivo. E isto, tanto mais quanto, estando-se no âmbito de um processo contraordenacional, e sendo a norma em causa integrante do respectivo regime jurídico, seria previsível a sua aplicação. Assim, e também independentemente de o tribunal a quo ter aplicado a norma, sempre se verifica a manifesta extemporaneidade da suscitação da questão da inconstitucionalidade feita pela primeira vez no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional; o que quer dizer que, também aqui, se verifica a falta de um pressuposto essencial para o conhecimento, nessa parte, do presente recurso: os recorrentes não suscitaram durante o processo a questão da inconstitucionalidade da norma impugnada no presente recurso.
III – DECISÃO
8. Nestes termos, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 10 (dez) unidades de conta. Lisboa, 29 de Setembro de 1998 Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Messias Bento José Manuel Cardoso da Costa