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Procº nº 542/98.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 25 de Fevereiro de 1999 o relator lavrou nos presentes autos
(fls. 122 a 126) despacho com o seguinte teor:-
'1. Pelo Acórdão nº 736/98 (fls. 98 a 103) foi indeferida a reclamação deduzida por J... do despacho de não admissão de recurso para este Tribunal da sentença proferida em 13 de Fevereiro de 1998 pelo Juiz do 2º Juízo do Tribunal de comarca de Coimbra.
Nesse acórdão, foi dito, no que ora interessa:-
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1. Independentemente da questão de saber se, efectivamente, na sentença pretendida pôr sob censura, houve, ou não, ainda que de forma implícita, aplicação da norma cuja compatibilidade com a Lei Fundamental foi questionada pelo ora reclamante, torna-se inquestionável que no despacho saneador lavrado nos autos de acção sumária em causa foi considerada improcedente a excepção levantada por este na sua contestação e que se fundava, na realidade das coisas, na inexistência da obrigação cujo incumprimento foi causa dessa acção, inexistência essa radicada na invalidade constitucional da norma instituidora do vínculo jurídico que o adstringiria à realização da prestação.
Porque o ora reclamante não impugnou o assim decidido (e essa impugnação poderia ter sido efectivada por intermédio de recurso para este Tribunal, uma vez que o valor da acção não permitia o recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, razão pela qual não havia, in casu, de respeitar o que se prescreve no nº 2 do artº 70º da Lei nº 28/82), torna-se claro que tal questão se firmou na acção. Desta arte, e ainda que se entenda que a sentença posteriormente proferida se alicerçou no normativo indicado pelo reclamante, nunca nela poderia vir a ser entendido que tal normativo - instituidor da obrigação cujo incumprimento baseou a petição – sofria de invalidade do ponto de vista da sua conformidade com o Diploma Básico.
2. Significa isto que, se em julgamento se apurasse, como se apurou, a existência dos pressupostos fácticos que, por um lado, apontassem em abstracto para o dever de prestar e para o seu não cumprimento objectivo e, por outro, para, verbi gratia, a inexistência de causas justificativas de uma concreta não realização da prestação ou de extinção da obrigação para além do cumprimento, não poderia o Tribunal de comarca de Coimbra, com base na invalidade normativa que prescreveu aquele dever, deixar de condenar o ora reclamante.
E isto, repete-se, suposto que a sentença intentada recorrer tivesse, ainda que de modo não explícito, fundado o dever de realização da prestação não cumprida na norma que foi questionada pelo ora reclamante como enfermando do vício de inconstitucionalidade.
Pois bem.
3. Tendo em conta o caso julgado formal que se operou na acção, sempre na sentença a proferir teria ele de ser respeitado, razão pela qual (e, ainda perante a suposição acima referida) um eventual julgamento, levado a cabo por este Tribunal, de inconstitucionalidade da norma constante do nº 5 do artº
21º do Regulamento do Serviço Telefónico Público, aprovado pelo artº 1º do Decreto-Lei nº 199/87, de 30 de Abril, não poderia influenciar aquele respeito.
E, sendo assim, aquele eventual julgamento nenhuma repercussão poderia ter na sentença querida recorrer, pois que, mesmo que esse julgamento viesse a constituir caso julgado, tendo em atenção aqueloutro respeitante ao saneador, que primeiramente se operou, haveria este último de ser cumprido ex vi do nº 1 do artº 675º do Código de Processo Civil.
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Desse aresto arguiu o reclamante a respectiva nulidade, o que veio a ser indeferido pelo Acórdão nº 94/99 (fls. 111 a 113), no qual se discreteou que:-
‘...................................................................................................................................................................................................................................................
Para tanto, esgrimiu, em síntese, com a circunstância de, tendo, na sua óptica, sido referido no aresto ora arguido de nulo que, ao não ter ele, arguente, reagido conta o despacho saneador que considerou improcedente a excepção suscitada na acção que corria termos naquele 2º Juízo, por isso se tendo formado caso julgado quanto a essa questão, e tendo em conta que nesse mesmo aresto se reconheceu que o valor dessa acção não permitia o recurso para a Relação, isso constituiu uma nulidade consubstanciada em oposição entre os fundamentos e a decisão.
Cumpre decidir.
2. É, adianta-se desde já, claramente infundada a arguida nulidade, resultando a fundamentação carreada para suportar a sua suscitação porventura numa menos cuidada leitura do que, no Acórdão nº 736/98 se contém.
É que, o que aí se disse foi - e transcreve-se:-
‘.........................................................................................................................
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Desta transcrição resulta que não foi, minimamente, dito que se impunha que, para evitar a formação de caso julgado quanto ao decidido no despacho saneador - no que concerne à improcedência da excepção suscitada na acção pelo ora arguente, excepção essa fundada na invalidade de determinada norma, porventura com base na qual era alicerçado o pedido, e cuja incompatibilidade constitucional foi questionada - haveria que recorrer, primeiramente, para o Tribunal da Relação de Coimbra. Antes, e pelo contrário, o que se referiu foi que, para evitar aquela formação, se impunha ao réu da mencionada acção que, sobre o decidido no tocante à excepção, viesse a deduzir impugnação directamente para este Tribunal, e isso atendendo a que o valor da acção não permitia o recurso ordinário.
E, adiantou-se, que, não o tendo feito, veio a formar-se caso julgado formal sobre a matéria - atinente à excepção não atendida - decidida no despacho saneador, pelo que, na sentença final proferida na acção, o Juiz do 2º Juízo do Tribunal de comarca de Coimbra não podia vir a decidir diferentemente.
Desta arte, não existe nenhuma contradição entre os fundamentos e a decisão constantes do acórdão em apreço, razão pela qual se desatende arguida nulidade.
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Vem agora o reclamante, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, ‘interpor recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade’, ou, se ‘assim se não entender’, requerer que o recurso suba ‘em termos análogos aos previstos no n.º 1 do artigo 79º-D’ daquela Lei.
Quanto à sua primeira pretensão, invocou:-
- que teria sido entendimento deste Tribunal ‘que o artigo 672.º do C.P.C. consagra, invariável e fatalmente, a existência do caso julgado formal, com as clássicas consequências’, entendimento esse que reputa de inconstitucional, pois que ‘sempre que, numa acção, se agitar uma questão de inconstitucionalidade, o caso julgado formal sobre a matéria em que essa norma possa vir a ser aplicada, só deveria tornar-se firme depois de se pôr ponto final nessa questão’;
- que só agora arguiu a inconstitucionalidade daquela norma porquanto
‘não esperava a sua aplicação com o alcance que ela tomou’, e isso porque unicamente ‘após a respectiva reclamação por aquilo que pareceu ao ora recorrente uma nulidade, é que este se apercebeu do sentido que a norma controvertida assume perante esse Alto Tribunal, interpretação com a qual nunca contou, nem podia contar, face ao que dispõe a letra da lei, a qual, para o ora recorrente, não impunha outra conclusão que não fosse esta: em processos como o dos presentes autos, não há caso julgado formal, independentemente da conformidade ou não-conformidade à Constituição do preceito contido no artigo
672.º do C.P.C.’
Pelo que tange à segunda pretensão, disse:-
‘12.º
Assim sendo, cabe perguntar se não será altura de pensar-se numa correcta interpretação da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, se não mesmo, na sua integração pois se o n.º do seu artigo 79.º-D permite recurso para o plenário sempre que ‘o Tribunal Constitucional vier a julgar a questão de inconstitucionalidade (...) em sentido divergente do anteriormente adoptado quanto à mesma norma (...)’, porque não há-de admitir-se igual recurso de cada vez que o Tribunal Constitucional aplicar norma que infrinja a Constituição?
Será possível que uma simples divergência jurisprudencial seja considerada mais grave que uma violação da Constituição? Uma jurisprudência uniforme importará mais que o respeito pela Constituição?
13.º
Se na previsão do artigo 79.º-D, se pretende obviar ao mal do Tribunal Constitucional se contradizer, porque não procurar o meio de evitar que ele contradiga o Juiz por excelência, qual é o povo soberano reunido em assembleia constituinte? Que é a Constituição, num Estado de Direito, senão uma sentença ex ante, um monumental acórdão no qual vai ínsito este juízo: todo aquele que pautar o seu comportamento pelas regras aqui definidas, está dento do direito; quem não o fizer, vive à sua margem?
14.º
Em suma: se o recurso não pudesse ser admitido ao abrigo do artigo
70.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, deveria sê-lo através dum processo integrativo, nos termos do n.º do artigo 79.º-D daquele diploma'
2. Não admito quaisquer das formas de impugnação de que o peticionante intenta lançar mão.
Assim, quanto à primeira [a de recorrer do Acórdão nº 736/98, fundado na alínea b) do nº 1 da Lei nº 28/82], suposto que ela seria admissível e suposto ainda que aquele aresto aplicou o artº 672º do Código de Processo Civil na interpretação ora pretendida pôr em causa (do que legitimamente se pode duvidar), o que é nítido é que o ora recorrente não suscitou a inconstitucionalidade dessa interpretação.
É que, mesmo que (na dita suposição) essa interpretação tivesse sido acolhida naquele aresto, então, a sê-lo, ela teria sido idêntica à sufragada no despacho de não admissão de recurso que deu origem à reclamação decidida pelo aludido Acórdão nº 736/98.
Na verdade, nesse despacho consignou-se:-
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É certo que na sua contestação de fls. 26 o Réu ora recorrente suscitou a ‘questão prévia’ desta inconstitucionalidade, mas tal foi oportunamente apreciado em sede de Despacho saneador, no qual se decidiu pela improcedência de tal ‘excepção’.
Pelo que não se estava agora em sede de sentença final obrigado a conhecer dessa questão da inconstitucionalidade, como efectivamente se não conheceu.
...............................................................................................................................................................................................................................................................................’
Ora, no requerimento consubstanciador da reclamação, nenhuma questão de inconstitucionalidade é suscitada tocantemente a uma interpretação do normativo constante do artº 672º do Código de Processo Civil que, agora, pretensamente se diz que foi aplicada no Acórdão nº 736/98.
Daí que, para além do muito mais que poderia ser dito, se não admita, por falta de um dos seus pressupostos, o recurso estribado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
2.1. Pelo que tange à pretensão «subsidiária» de recurso para o plenário deste Tribunal - pretensão essa baseada numa «interpretação analógica» do que se prescreve no artº 79º-D da mencionada Lei nº 28/82 -, também não admito essa forma de impugnação, por isso que a situação sub specie não entronca na previsão daquele preceito, sendo certo que aquilo que se almeja (isto é, a apreciação da incompatibilidade com a Constituição de uma norma aplicada numa decisão tomada por este órgãos de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa) não tem qualquer correspondência, directa ou indirecta, remota ou próxima, com a situação para a qual foi estatuída a referida norma da Lei nº 28/82, razão pela qual sempre seria, no mínimo, incurial lançar mão de uma analogia para integrar uma lacuna que, verdadeiramente, inexiste'.
2. Notificado do transcrito despacho veio do mesmo reclamar para a conferência o referido J..., sendo que no requerimento corporizador da reclamação nenhuma razão indica ou aduz no sentido de sustentar a sua discordância com o que se contém naquele despacho.
Cumpre decidir.
3. Não é de admitir o recurso desejado interpor.
Efectivamente, por um lado, não existe impugnação para o plenário, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, de decisões tomadas por este Tribunal e, por outro, no tocante ao recurso a que alude o artº 79º-D da mesma Lei, como, aliás já se assinalou no despacho reclamado, não se verificam, no vertente caso, os respectivos pressupostos, sendo que tão pouco é invocável qualquer analogia para a aplicação desse normativo à situação sub iudicio (tenha-se em conta, desde logo, o nº 3 do artigo 224º da Constituição).
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em 10 unidades de conta. Lisboa, 14 de Abril de 1999. Bravo Serra Maria Fernanda Palma Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Maria Helena Brito Artur Maurício Messias Bento Guilherme da Fonseca José de Sousa e Brito Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Vítor Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa