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Processo nº 748/01
2ª Secção Relator: Cons. Guilherme da Fonseca
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. F..., com os sinais identificadores dos autos, veio, “nos termos do Artº 76º, nº 4 da Lei nº 28/82, de 15.11, apresentar RECLAMAÇÃO para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL”, do despacho proferido pelo Relator do processo pendente no Supremo Tribunal Militar, de 13 de Novembro de 2001, que indeferiu o seu requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, na base nuclear de que, “não obstante estar ciente de tal, o mesmo recorrente absteve-se de suscitar efectivamente a inconstitucionalidade da norma constante dos artºs 1º e
193º, nº 1, a), do Código de Justiça Militar, de modo processualmente adequado perante este Supremo Tribunal em termos de este estar obrigado a dela conhecer na decisão de que ora recorre”, e, sendo assim, “segundo o disposto no nº 2 do artº 72º da LTC, o requerente não tem o poder de recorrer, carecendo de legitimidade para o fazer”.
2. Na extensa reclamação o reclamante sustenta no essencial o seguinte:
“O reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, para fiscalização concreta da constitucionalidade das normas com que o Supremo Tribunal Militar fundamentou a sua decisão no procedimento de habeas corpus, que considerou constitucional o foro militar para apreciação dos factos que integram o crime de que é indiciado de acordo com a sua qualificação de essencialmente militar“, e, tratando-se de um recurso interposto ao abrigo da alínea b), do nº 1, do artigo
70º, da Lei nº 28/82, “do requerimento constavam ainda as normas e princípios constitucionais que se consideram violados, bem como a peça processual em que o reclamante suscitou a questão da constitucionalidade invocada“.
“Considera o Meritíssimo Juiz a quo que na única peça produzida pelo, ora, reclamante nos presentes autos, não é suscitada a inconstitucionalidade dos Artºs 1º e 193º, a), do CJM, fazendo-o pela primeira vez no requerimento de interposição do recurso“, mas da petição de habeas corpus “resulta claramente de todo o conteúdo do requerimento que o reclamante alegou a inconstitucionalidade do foro militar para a apreciação dos factos de que é indiciado“
Acrescenta o reclamante e pode aqui aproveitar-se:
- “O que está em causa no recurso para o Tribunal Constitucional é a inconstitucionalidade dos Tribunais Militares para a apreciação do tipo de crime pelo qual o reclamante é indiciado“, ou seja, “submeter aos Tribunais Militares a instrução e o julgamento de crimes essencialmente militares é inconstitucional“.
- “Logo, o que está em causa é a jurisdição militar, cujo âmbito de aplicação do CJM está definido no Artº 1º e, consequentemente, o crime de que o arguido é indiciado e previsto no Artº 193º, ou qualquer outro que seja apenas
‘essencialmente militar’“, estando em causa “a aplicação material do foro militar ao tipo de crime pelo qual o reclamante é indiciado“.
- “Assim, a norma infra constitucional pela qual a decisão do Meritíssimo Juiz a quo fundamentou o indeferimento da providência de habeas corpus, não pode deixar de ser o Artº 1º do CJM que define o âmbito de aplicação aos crimes essencialmente militares quando hoje os Tribunais Militares apenas se restringem
à apreciação, ainda que em tempos de excepção, aos crimes de natureza estritamente militar“ e, ao pretender-se “atribuir competência aos Tribunais Militares para apreciar o crime em causa através do Artº 1º do CJM, é tal inconstitucional, gerando a sua incompetência“
Para concluir que “deve a presente reclamação ser atendida e o recurso interposto ser admitido por satisfazer os requisitos previstos no Artº 75º-A, nºs 1 e 2 da LTC“
3. O despacho reclamado, depois de nele se considerar que “a única peça processual produzida pelo recorrente foi o requerimento, inicial, de Habeas Corpus“, espraia-se deste modo:
“É certo que no seu requerimento inicial de Habeas corpus, que dirigiu a este Supremo Tribunal, defendeu: ‘...os Tribunais Militares não podem deixar de ser considerados inconstitucionais...’ – conclusão f), a fls 18; e alegou ‘uma inconstitucionalidade superveniente dos Tribunais Militares’ – conclusão q), a fls 19; o que quer que se entenda que isso seja, não constitui, sem mais, questão susceptível de ser apreciada pelo Tribunal Constitucional em recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, nem nada que obrigasse este Supremo Tribunal a decidir sobre qualquer questão relativa a desaplicação normativa nos termos do artº 204º da Constituição. Nomeadamente, tal não constitui alegação da inconstitucionalidade da norma dos artºs 1º e 193º, nº 1, a), do Código de Justiça Militar.
O mesmo se diga da citação do artº 193º, do Código de Justiça Militar, que faz no mesmo requerimento; tal citação é feita, não para suscitar a inconstitucionalidade de qualquer norma contida naquele preceito, mas para convencer que a matéria factual não é subsumível ao mesmo, e para daí retirar a consequente conclusão da incompetência do foro castrense – v fls 10 dos autos. Aliás, se bem interpretamos a linha de pensamento ínsita na conclusão o) do requerimento em causa (fls 19 dos autos), parece-nos ser aí admitida a validade constitucional da norma constante do citado artº 193º no caso de a ‘atribuição’ aos Tribunais Militares de processo ainda pendente ter ocorrido anteriormente à revisão constitucional de 1997. Como decorre, para além do mais, daquilo que afirma em vários pontos, o ora recorrente estava ciente de que o Mmº Juiz de Instrução Criminal Militar aplicara na sua decisão uma norma jurídica constante do artº 193º, do Código de Justiça Militar”.
4. Cumpre decidir.
Do que fica transcrito resulta claramente que a questão situa-se em saber se as normas identificadas no requerimento em causa de interposição do recurso de constitucionalidade, feito “ao abrigo da alínea b) do Artº 70º, do douto acórdão do Supremo Tribunal Militar de 01.11.01, pelo qual foi indeferida a requerida providência de habeas corpus” – e a que o recorrente chama de “ALEGAÇÕES” – foram ou não objecto de suscitação ou arguição no momento da “requerida providência de habeas corpus”. No dito requerimento o recorrente termina pedindo que seja “julgado procedente” o recurso, “declarando-se inconstitucionais os Artºs 1º e 193º, nº 1, a), do Código de Justiça Militar, por violação do disposto nos Artºs 13º, 32º, nº 9,
209º, nºs 1 e 4, 211º, nº 1 e 213º, todos da Constituição, assim como dos princípios da salvaguarda e da defesa das garantias do arguido, ora, recorrente”.
Este modo claro de expressão não se encontra no articulado do habeas corpus, e daquelas duas normas só é referenciada a do artigo 193º, nº 1, a), “no âmbito de indícios integradores do crime” aí previsto, não se chamando à colação nem aquele artigo 1º, nem os artigos 210º e 211º, do mesmo Código, definindo que a justiça militar “é exercida através de autoridades judiciárias e de tribunais militares” e enumerando tais autoridades..
É que, o eixo da argumentação do recorrente é o da “ilegalidade da prisão com fundamento na falta de competência e jurisdição da autoridade que a decidiu” e o ponto I tem exactamente a epígrafe: ”Da inconstitucionalidade dos Tribunais Militares”, nele se concluindo que “é para o arguido evidente que a sujeição dos factos que lhe foram dados a conhecer, bem como toda a instrução e decisões integradas, ao foro militar, é inconstitucional por violação do disposto nos Artºs 209º e 213º da CRP”. (“Ao indiciar o arguido pela prática do crime previsto naquele preceito, o Sr. Juiz Instrutor declarou-se competente quando não o é” e “Ao integrar os factos indiciados nos autos na jurisdição militar, o Sr. Juiz Instrutor declarou a mesma competente para o fazer, quando tal jurisdição não o é” – diz ainda o recorrente).
E, nas conclusões adiantadas na mesma peça processual, o recorrente volta a reafirmar que a “intenção do legislador constitucional foi, claramente, extinguir os Tribunais Militares”, verificando-se, assim, “uma inconstitucionalidade superveniente dos Tribunais Militares”.
Se, como se extrai agora do discurso do recorrente, o que está em causa “no recurso para o Tribunal Constitucional é a inconstitucionalidade dos Tribunais Militares para a apreciação do tipo de crime pelo qual o recorrente é indiciado” e se “resulta claramente de todo o conteúdo do requerimento que o reclamante alegou a inconstitucionalidade do foro militar para a apreciação de factos de que é indiciado”, então este modo de dizer do reclamante teria logo de constar no articulado do habeas corpus, mas não consta, havendo, assim, que concluir que a arguição de inconstitucionalidade normativa não foi feita de modo processualmente adequado, como se exige no nº 2 do artigo 72º, da Lei nº 28/82. A circunstância de falhar no articulado a identificação clara das normas que se reportam a tal questão, nomeadamente as dos artigos 1º, 210º e 211º do Código de Justiça Militar(e também estas duas falham no requerimento do recurso de constitucionalidade),é, como se decide no despacho reclamado, obstáculo decisivo
à arguição de inconstitucionalidade normativa, mínima que seja, como é a presente arguição.
Com o tem de manter-se o despacho reclamado.
Aliás, sempre se dirá que não vingou no Tribunal Constitucional a tese “Da inconstitucionalidade dos Tribunais Militares”, como se pode ver dos acórdãos nºs 392/99 e 64/2001, publicados no Diário da República, II Série, de 9 de Novembro de 1999 e de 27 de Março de 2001, respectivamente, aceitando ambos como inequívoca a transitória manutenção da competência dos Tribunais Militares, pelo que sempre seria manifestamente infundado o presente recurso de constitucionalidade.
5. Termos em que, DECIDINDO, indefere-se a reclamação e condena-se o reclamante nas custas, com a taxa de justiça fixada em 15 unidades de conta.
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2002- Guilherme da Fonseca Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma (voto a decisão, mas apenas pelo fundamento constante da parte final do Acórdão relativo ao carácter manifestamente infundado do presente recurso de constitucionalidade). José Manuel Cardoso da Costa (votei a decisão, com base, em definitivo, na
última consideração do acórdão: a da manifesta falta de fundamento do recurso).