Imprimir acórdão
Proc. nº 695/98
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
I
1. - B..., identificada nos autos, intentou, em 20 de Dezembro de 1995, no Tribunal de Trabalho de Lisboa, acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum sumário contra S..., Lda., com sede nesta cidade, alegando, em síntese:
a) em 4 de Janeiro de 1993 foi admitida ao serviço da H..., Lda., empresa que se dedica predominantemente à actividade de prestação de serviços de limpeza, para trabalhar sob a sua direcção, autoridade e fiscalização;
b) exercendo, quando da sua admissão, as funções correspondentes à categoria profissional de encarregada de limpeza C, prevista no contrato colectivo de trabalho aplicável ao tempo, foi promovida, em 1 de Setembro de 1994, à categoria profissional de supervisora geral, cujas funções passou a exercer no Centro Cultural de Belém, onde a sua entidade patronal assegurava a prestação de serviços de limpeza, auferindo, desde essa promoção, uma retribuição base no valor de 110.000$00, acrescida de um subsídio de refeição de 400$00;
c) em 31 de Dezembro de 1994, a H... deixou de assegurar a prestação desses serviços de limpeza, sendo substituída, a partir de 1 de Janeiro de 1995, pela demandada, que passou a ocupar a posição da entidade patronal da autora;
d) no entanto, em Janeiro de 1995, a ré pagou à autora apenas a remuneração base de 92.450$00, acrescida de um subsídio de refeição no valor de 2100$00, à razão de 100$00 diários (21 dias);
e) a ré veio, aliás, a recusar-se a aceitar a prestação de trabalho da autora e a não a reconhecer como trabalhadora ao seu serviço, alegando ter havido alterações no valor dos salários e na categoria profissional da autora, no período dos 90 dias anteriores à mudança de empresa de limpeza no Centro Cultural de Belém, o que é inexacto.
A atitude da demandada configura, na tese da autora, despedimento sem justa causa, que, assim, termina por pedir:
a) a condenação da ré a pagar-lhe a importância de
23.760$00, a título de diferença de retribuição, acrescida de juros moratórios à taxa de 10% desde a data da sua citação;
b) a declaração de ilícito do despedimento da autora pela ré;
c) a condenação da ré a pagar à autora as retribuições que normalmente auferiria estando ao seu serviço desde a data do seu despedimento, encontrando-se já vencida a importância de 1.184.000$00, à qual devem acrescer as retribuições que vençam até à data da sentença, bem como juros moratórios à taxa de 10%, contados desde a data da sua citação;
d) a condenação da ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho, sem prejuízo de eventual opção desta por indemnização;
e) a condenação da ré em custas e condigna procuradoria.
A acção, contestada pela demandada, seguiu seus trâmites que culminaram em sentença do 4º Juízo do Tribunal de Trabalho de Lisboa, de 20 de Outubro de 1997, que a julgou improcedente a absolveu a ré do pedido.
Inconformada, a autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 3 de Junho de 1998, julgou improcedente o recurso e, consequentemente, confirmou a sentença recorrida.
2. - Reagiu novamente a autora, agora atravessando requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, com a seguinte fundamentação:
a) no acórdão recorrido consideraram-se válidas as limitações à manutenção do contrato de trabalho introduzidas pela cláusula 17º do CCT para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza, quando ao regular a manutenção do contrato de trabalho em caso de perca de uma empreitada por uma empresa e aquisição da mesma empreitada por outra empresa, exclui a manutenção do contrato de trabalho com a empresa adquirente, quando nos 90 dias anteriores
à transmissão houve alteração de categoria profissional ou da remuneração do trabalhador;
b) por outro lado, o acórdão considerou que a cláusula
17º daquele CCT continha regulamentação distinta da previsão normativa do artigo
37º do Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969.
Defende a autora, ora recorrente, ter a decisão recorrida adoptado um entendimento relativo à citada cláusula que viola frontalmente o disposto no artigo 53º da Constituição da República (CR), questão que suscitou nas alegações de recurso de apelação para a 2ª Instância.
Recebido o recurso, alegaram oportunamente as partes.
A recorrente concluíu do seguinte modo:
'1.- Na actividade de prestação de serviços de limpeza os locais de trabalho em que esses serviços são prestados por conta dos clientes são locais onde se desenvolve todo o relacionamento entre a empresa de limpeza e os trabalhadores ao seu serviço, incluindo a direcção do empregador, o pagamento das retribuições, e a definição e resolução de todas as situações que surgem na relação jurídico-laboral, desconhecendo até muitas vezes os trabalhadores qual o local onde se situa a sede ou os escritórios da empresa empregadora;
2.- Esse situação faz com que os locais de execução da empreitada de serviços de limpeza sejam autênticos 'estabelecimentos', no sentido de que os locais de trabalho representam efectivamente neste sector de actividade o conceito de organização técnico-laboral objecto de relações jurídicas perfeitamente automatizadas em relação ao conceito de empresa em sentido amplo - Monteiro Fernandes, in 'Noções Fundamentais de Direito do Trabalho';
3.- No caso de se verificar a perda de um local de trabalho por uma empresa prestadora de serviços de limpeza, empreitada essa que passa a ser desempenhada por outra empresa do mesmo sector, o princípio da 'continuidade da empresa/estabelecimento' e o direito à estabilidade no emprego consignados no artigo 53º da Constituição e no artigo 37ºdo Decreto-Lei nº 49.408 impõem o direito à manutenção do trabalho dos trabalhadores que nesse local/estabelecimento desempenham a sua função ao serviço das empresas prestadoras de serviços de limpeza - Acórdão nº 107/88 desse Tribunal Constitucional;
4.- E a cláusula 17º do CCT em análise mais não traduz do que a transposição para o CCT dos princípios consignados no artigo 53º da Constituição e no artigo
37º do Decreto-Lei nº 49.408, entendendo-se como mera transmissão do estabelecimento a sucessão da execução de empreitadas de limpeza no mesmo local de trabalho - Acórdãos desse Tribunal Constitucional nºs. 249/90 e 431/91
(Plenário);
5.- À luz desses princípios não é lícita a limitação introduzida pelo nº 4 da cláusula 17º em análise que restringe o direito à segurança no emprego e à manutenção do posto de trabalho quando à luz de princípios de regulamentação da concorrência entre as empresas impede que haja manutenção do contrato de trabalho com o adquirente da empreitada se nos 90 dias antes da transmissão houve mudança da categoria profissional ou da retribuição do trabalhador;
6.- Essa limitação ditada por razões de concorrência entre as empresas não é oponível aos trabalhadores interessados, e na medida em que se defenda que tal não é assim está-se a violar o artigo 53º da Constituição, e, claramente o artigo 6º o Decreto-Lei nº 519-C1/79;
7.- O acórdão recorrido, ao considerar que na sucessão de execução de empreitadas de limpeza não se verifica a transmissão de um estabelecimento e que por isso não é aplicável o artigo 37º do Decreto-Lei nº 49.408, julgando válida a limitação à manutenção do contrato e posto de trabalho introduzida pelo nº 4 da cláusula 17º, violou o artigo 53º da Constituição. Termos em que, Deverá ser dado provimento ao presente recurso, declarando-se a inconstitucionalidade do nº 4 da cláusula 17º do CCT para as Empresas Prestadoras de Serviços de Limpeza, na medida em que a considera oponível aos trabalhadores, e, por isso, impeditiva da manutenção do contrato e posto de trabalho.'
A recorrida, por sua vez, concluíu assim:
'a) O douto acórdão recorrido, e bem, julgou improcedente a arguição da Recorrente de inconstitucionalidade do nº 4 da cláusula 17º do CCT, confirmando, assim, a decisão proferida em 1ª instância. A cláusula 17º do CTT e os seus números, na parte em que prevê e define o conceito de ‘normalidade de prestação de serviço’ não afecta direitos constitucionalmente consagrados dos trabalhadores, nomeadamente o direito à estabilidade e segurança do emprego, previsto no artigo 53º da CRP.
É o conceito de ‘normalidade de prestação de serviço’ que, no limite, permite que a cláusula 17º do CCT possa validamente coexistir com o direito constitucionalmente consagrado à livre iniciativa económica privada. A consagração sem reservas e sem regras da transmissão da posição do empregador para novas empresas ganhadoras de concursos para prestação de serviços de limpezas permitiria todo um conjunto de abusos e fraudes que, ao afectarem a gestão das empresas e o controlo dos seus custos, seriam incompatíveis com o direito constitucionalmente consagrado de livre iniciativa económica privada, previsto no artigo 61º da CRP. Nestes termos, a cláusula 17º nº 4 do CCT não viola o artigo n53º da CRP. b) A cláusula 17º do CCT e o artigo 37º da LCT têm pressupostos de aplicação diferentes, visam realidades distintas e contêm regimes que não se sobrepõem ou contrariam, antes se complementam. As cláusulas do tipo da cláusula 17º do CCT não limitam ou derrogam o regime previsto no artigo 37º da LCT, antes regulam, numa perspectiva de tutela da segurança do emprego dos trabalhadores e, por via indirecta, de defesa da viabilidade económica das respectivas empresas, realidades e situações não contempladas no âmbito do artigo 37º da LCT. A cláusula 17º do CCT não contraria nem inclui qualquer regime menos favorável que o regime do artigo 37º da LCT, antes cobre e tutela direitos dos trabalhadores que, de outra forma, ficariam sem protecção. Nestes termos, e nos demais de direito aplicáveis, para o que se invoca o douto suprimento de Vossas Excelências, não deve ser dado provimento ao presente recurso.'
II
1. - Está em causa a cláusula 17ª - mais precisamente, o nº 4 dessa cláusula - do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas, Profissões Similares e Actividades Diversas e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 8, de 28 de Fevereiro de 1993, nº 7, de 22 de Fevereiro de 1994, e nº 9, de 8 de Março de 1995 - e que, por força de Portarias de extensão se estendeu a todas as empresas prestadoras de serviços de limpeza e trabalhadores ao seu serviço (publicadas no citado Boletim, 1ª Série, nº 19, de 22 de Maio de 1993, nº 18, de 15 de Maio de 1994, e nº 30, de 15 de Agosto de 1995).
A mencionada cláusula - epigrafada 'Perda de um local ou cliente' - tem o seguinte teor (excluem-se os nºs. 5 a 8 por manifestamente desinteressarem e acentua-se que está particularmente em causa o seu nº 4):
'1- A perda de um local de trabalho por parte da entidade patronal não integra o conceito de caducidade nem de justa causa de despedimento.
2- Em caso de perda de um local de trabalho, a entidade patronal que tiver obtido a nova empreitada obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.
3- No caso previsto no número anterior, o trabalhador mantém ao serviço da nova empresa todos os seus direitos, regalias e antiguidade, transmitindo-se para a nova empresa as obrigações que impendiam sobre a anterior directamente decorrentes da prestação de trabalho tal como se não tivesse havido qualquer mudança de entidade patronal, salvo créditos que, nos termos deste CCT e das leis em geral, já deveriam ter sido pagos.
4- Para os efeitos do disposto no nº 2 da presente cláusula, não se consideram trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho: a) Todos aqueles que prestam serviço no local de trabalho há 90 ou menos dias; b) Todos aqueles cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 90 ou menos dias, desde que tal não tenha resultado directamente da aplicação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Os 90 dias mencionados neste número são os imediatamente anteriores à data do início da nova empreitada.
(...).'
Sendo esta a delimitação normativa do objecto do recurso, interessa reter o que a Relação decidiu no respeitante à restrição constante do nº 4 da cláusula 17º, na sua hipotética projecção normativa inconstitucional, segundo a tese da recorrente (observe-se, a este propósito, não se colocarem aqui dúvidas sobre a natureza normativa do preceito, na medida que foi 'apropriado' por portaria de extensão, cujas disposições preenchem o conceito de norma para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade, o que se regista considerando a divergência jurisprudencial existente na matéria, reflectida, por exemplo, nos acórdãos deste Tribunal nºs. 214/94 e
98/95, publicados no Diário da República, II Série, de 19 de Julho de 1994 e de
16 de Junho de 1995, respectivamente).
Mercê do disposto no nº 2 da cláusula, a recorrida ficou obrigada, a partir de 1 de Janeiro de 1995, a assumir a posição de entidade patronal, anteriormente pertencente à H..., em relação aos trabalhadores desta, que prestavam serviço no Centro Cultural de Belém, entre os quais se contava a recorrente, que a anterior empresa havia promovido cerca de 30 dias antes de ter perdido a concessão dos serviços de limpeza naquele local.
Ora, a este respeito, entendeu-se na decisão recorrida, não só que a alteração da categoria profissional da recorrente não decorreu directamente de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, como também que a recorrida não conhecia a situação pessoal daquela quando tomou a empreitada dos serviços de limpeza, não tendo, por outro lado, ocorrido transmissão do direito à exploração de serviços de limpeza directamente da anterior empresa adjudicatária para a nova empresa. O que acontece nestes casos, escreveu-se, 'é que a primitiva empresa adjudicatária, atingindo o termo do seu período de realização da empreitada dos serviços de limpeza, deixa de prestar tal actividade no estabelecimento, entregando-o para este efeito à entidade que dele é titular, sendo esta quem, por sua vez, o entrega para o mesmo efeito, à nova empresa adjudicatária, não sendo, por isso, aplicável directamente ao caso o disposto no artigo 37º da LCT.'
Não existiu, assim, no caso concreto, um negócio que afecte o estabelecimento, nem um negócio translativo entre a entidade empregadora dos trabalhadores que em certo local prestaram a sua actividade e a nova empresa adjudicatária que vai ocupar o lugar da primeira, através de nova empreitada, ou de uma concessão de exploração.
Partindo destas premissas, o acórdão não surpreendeu no clausulado violação do exercício dos direitos fundamentais dos trabalhadores, concretamente o princípio da segurança no emprego, plasmado no artigo 53º da CR.
Para a Relação, se o nº 2 da cláusula 17º visa, primordialmente, garantir a estabilidade do vínculo laboral, que poderia ser posto em causa pela perda do local de trabalho pela entidade patronal, o nº 4 da mesma cláusula pretende evitar a fraude, os abusos e o próprio conluio, sempre possível, entre patrões e trabalhadores e, até, a própria concorrência desleal entre empresas.
O juízo feito foi, deste modo, o de não existir afronta com o preceito constitucional em referência, nem tão pouco violação quer do artigo 37º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 49 408, de 24 de Novembro de 1969 (LCT), quer do artigo 6º, nº 1, alíneas a), b), c) e d), do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
2. - O Tribunal Constitucional já se debruçou sobre a questão da constitucionalidade do nº 2 da cláusula 17ª ora em referência, e fê-lo pronunciando-se no sentido da sua não inconstitucionalidade.
Assim, em acórdão recente - nº 47/98, ainda inédito - constatou-se o paralelismo existente com a norma da cláusula 43ºdo contrato colectivo de trabalho vertical celebrado entre a Associação das Empresas de Prestação de Serviços de Limpeza e Actividades Similares e o Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza e Actividades Similares e outros (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, nº 7, de 22 de Fevereiro de 1981) e a norma do nº 2 desta cláusula 17ª, de teores praticamente idênticos, recordando-se, então, a polémica que essa cláusula 43º suscitou, a ponto de ser objecto de orientação jurisprudencial divergente - acórdãos nºs. 392/89 e 249/90, publicados no Diário da República, II Série, de
14 de Setembro de 1989 e 24 de Abril de 1992, respectivamente. O que motivou ter sido interposto deste segundo acórdão recurso para o Plenário deste Tribunal que, por maioria, lavrou o acórdão nº 431/91 (no Diário citado, II Série, de 24 de Abril de 1992) que, em face da fundamentação aduzida neste último aresto, não julgou inconstitucional a norma da dita cláusula 46ª, na parte em que 'por força do que preceitua a portaria de extensão de 21 de Julho de 1981, publicada naquele Boletim, 1ª Série, nº 19, de 8 de Agosto de 1981, determinou que as empresas - que, não estando inscritos naquela associação, exerçam na área do dito contrato colectivo a actividade nele regulada, tenham ao seu serviço trabalhadores das profissões e categorias profissionais previstas no mesmo contrato e passem a prestar serviços em locais onde anteriormente operavam empresas similares que perderam esses locais em concurso - fiquem com os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço'.
Não sendo esta a norma em causa, nem a decorrente da disposição paralela do nº 2 do artigo 17º a que os autos respeitam, por si só considerada, é, no entanto, evidente a imbricação desta com a do nº 4 do mesmo artigo 17º: a perda de um local de trabalho por parte da entidade patronal não integra o conceito de caducidade ou o de justa causa de despedimento (nº 1 da cláusula 17º), ficando a entidade patronal que obtiver a nova empreitada obrigada a conservar todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço (nº 2), sendo certo que, pelo nº 4, não se consideram como tais
(trabalhadores a aí prestarem normalmente serviço), nem os que aí prestam serviço há 90 ou menos dias [alínea a) do nº 4], nem aqueles - como é o caso da recorrente - cuja remuneração e ou categoria profissional foram alteradas dentro de 90 ou menos dias, 'desde que tal não tenha resultado directamente da aplicação do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho' [alínea b) do citado nº 4].
3. - Uma disposição como a que vincula a nova entidade patronal a ficar com todos os trabalhadores que, pela anterior entidade, no respectivo local de trabalho normalmente prestavam serviço, tem o duplo escopo de proporcionar a estes estabilidade de emprego, do mesmo passo que não descura a viabilidade económica das empresas, valores cuja defesa não parece contestável serem constitucionalmente protegidos.
A este respeito, no mencionado acórdão nº 249/90, o Tribunal aderiu a um tipo de argumentação que considera a norma questionada conforme aos critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade exigidos para a salvaguarda daqueles valores constitucionais de segurança no emprego e de viabilidade económica das empresas.
Estava em causa - relembre-se - a perda de um local de trabalho por parte da entidade patronal, obrigando-se a nova entidade que, em concurso, obtivera a nova empreitada, a ficar com todos os trabalhadores que ali normalmente prestavam serviço.
Ponderou-se, então, que a restrição à liberdade negocial
ínsita na cláusula na altura em apreço revelava-se não só necessária e adequada como também contribuindo significativamente para a segurança do emprego dos trabalhadores e, por via indirecta, para a viabilidade económica das respectivas empresas.
'O tipo de empresas aqui em causa [escreveu-se] reveste-se, em princípio, de uma peculiar configuração organizativa que tem a ver com a própria natureza dos serviços prestados e com as condições laborais em que os mesmos se concretizam
[...]. A sucessiva perda de locais de trabalho - sempre possível no aleatório sistema do concurso de empreitada sujeito à dinâmica do mercado e da concorrência - poderia finalmente pôr em causa a sobrevivência destas empresas, que ficariam obrigadas à manutenção de uma forte componente salarial sem quaisquer contrapartidas no campo dos lucros resultantes da prestação de serviços. Dizer isto é dizer também que logo seriam abrangidos os postos de trabalho dos respectivos trabalhadores e, automaticamente, e segurança e a estabilidade do emprego.'
Concluíu-se, na sequência e uma vez que igualmente se teve a norma por não desproporcionada, não violar esta seja o artigo 61º, nº 1, da Constituição, sejam os artigos 62º, 81º e 13º do mesmo texto.
4. - Objectar-se-á que a situação subjacente não é integralmente ajustável à contemplada naquele acórdão.
Na verdade, se uma cláusula como a do nº 2 do artigo 17º visa proteger os trabalhadores da instabilidade proveniente da sucessão de entidades patronais na exploração do mesmo local de prestação de serviços, e, do mesmo passo, acautelar essas próprias entidades das frequentes e bruscas variações de necessidade de pessoal, já uma cláusula como a do nº 4 pode ser considerada em diferente perspectiva, uma vez que o eixo sintagmático
'trabalhadores a prestar normalmente serviço no local de trabalho' exclui os trabalhadores incluídos na sua previsão - como é o caso da recorrente - do
âmbito daquele nº 2.
Pensa-se, no entanto, que a filosofia informante destes nºs. 2 e 4 do artigo 17º é a mesma e como tal devem ser interpretados esses incisos normativos, numa leitura constitucionalmente conforme.
Em primeiro lugar, como se observou em acórdão da Relação de Lisboa, de 6 de Junho de 1990 (publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XV – 1990 – tomo III, págs. 188 e ss.), na falta de uma regulamentação casuística mais especificada, prevendo em concreto os requisitos de tempo e outros que se devam verificar, para que se possa afirmar que o trabalhador desempenhava as suas funções normalmente em certo local as regras da boa fé impõem que se interprete este inciso por forma a excluir a possibilidade de exercício de um abuso de direito. Assim ocorreria no caso ilustrado por esse acórdão: confrontada com a eventual perda de um local de exploração, a entidade patronal procura prevalecer-se dessa situação para se 'desfazer dos seus próprios trabalhadores, sobretudo daqueles com maiores direitos resultantes da antiguidade, e que a vinham servindo noutros locais, transferindo-os para o local que está na iminência de perder em novo concurso, dessa forma procurando também tornar as coisas mais difíceis para os concorrentes e até, eventualmente, desincentivá-los de se candidatarem'.
Ora, a pertinência destas considerações tem lugar, também, em situações como a dos autos, susceptíveis de serem intencionalmente provocadas, nomeadamente por conluio entre a própria entidade patronal e o trabalhador.
Assim, numa segunda ordem de ponderação, reconhece-se que uma disposição como a do nº 4 do artigo 17º obedece aos mesmos vectores que ditaram o nº 2, na desejada compaginação entre segurança no emprego e viabilidade económica das empresas - e nesse sentido se autovincularam as partes, no contrato colectivo de trabalho.
Crê-se nesta linha de entendimento que as realidades deste específico sector laboral justificam a flexibilização necessária que, sem prejuízo do núcleo inatingível, viabilizem margem de manobra na contratação colectiva, articulando-se melhor com a realidade conjuntural (assim, Bernardo da Gama Lobo Xavier, Curso de Direito do Trabalho, 2ª ed., Lisboa [1993], págs. 244 e segs., maxime 258/259).
Não se colocam, deste modo, nem os convocados problemas de matriz legal - como o atinente aos limites contidos no artigo 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/79 - nem, como aqui fundamentalmente interessa, procede qualquer censura de ordem constitucional, designadamente no tocante ao direito à estabilidade no emprego.
Como já houve oportunidade de se sublinhar, não ocorreu, no caso concreto, uma transmissão de estabelecimento, nos moldes previstos no artigo 37º da LCT, mas sim a caducidade do direito da entidade patronal da recorrente, sucedendo-se outra entidade na exploração do mesmo local, à revelia de qualquer acto ou negócio jurídico de transmissão.
III
Em face do exposto, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida no que à questão de constitucionalidade respeita.
Custas pela recorrente com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 5 de Maio de 1999- Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza José de Sousa e Brito Messias Bento (votei a decisão, por ser aplicação de jurisprudência fixada em Plenário no entanto, continuo a subscrever a doutrina que expus na declaração de voto que juntei ao acórdão nº 431/91 (DR, I, de 24/4/92) e que são as do acórdão nº 392/89 (DR, II, de 14/9/89), de que fui relator). Luís Nunes de Almeida