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Proc. n.º 510/94
1ª Secção Relator — Paulo Mota Pinto
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório:
1. C... foi condenado, por Acórdão de 9 de Junho de 1993 proferido pelo colectivo do Tribunal da Comarca do Cartaxo, a uma pena única de 3 anos e 9 meses de prisão e de 70000$00 de multa pela autoria material de um crime de detenção de arma proibida, um crime de coacção contra funcionário e cinco crimes de injúrias contra agente da autoridade. Tendo pretendido interpor recurso daquela decisão, foi-lhe tal pretensão indeferida, com fundamento em extemporaneidade, por despacho de 1 de Julho de
1993 proferido pela Mma. Juíza que havia presidido ao debate instrutório. De tal despacho interpôs o arguido reclamação com um duplo fundamento: o violação do preceituado nos artigos 41º n.º 3 do Código de Processo Penal, 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 16º da Constituição; o ter o recurso sido apresentado no prazo de 10 dias contado desde a notificação da totalidade do acórdão que o condenou, embora não desde a leitura da sentença. Embora considerando duvidoso o primeiro fundamento para o meio processual utilizado - a reclamação prevista no artigo 405º do Código de Processo Penal -, veio o Presidente em exercício do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de
19 de Agosto de 1993, considerar ambos improcedentes: o primeiro por a disposição legal que cria o impedimento gerador da nulidade referida no n.º 3 do artigo 41º do Código de Processo Penal (o artigo 40º do citado Código) ter um
âmbito de aplicação ('respeita tão somente à intervenção no julgamento') que se não quadrava com a situação em causa ('despacho de admissão ou de rejeição do recurso interposto da decisão final proferida nesse mesmo julgamento'); o segundo por o prazo de 10 dias previsto no artigo 411º do Código de Processo Penal se contar da notificação da decisão - ocorrida na própria audiência de discussão e julgamento, na presença do arguido - ou do depósito da sentença na secretaria, que ocorreu no mesmo dia, pelo que 'é absolutamente irrelevante, para o efeito da contagem de prazos para a interposição do recurso, que se tenha procedido a uma outra notificação do arguido em data posterior.'
2. Por neste despacho de 19 de Agosto de 1993 se fazer incorrecta referência à pena aplicada, pediu o recorrente a rectificação do mesmo e arguiu a sua nulidade por omissão de pronúncia quanto à existência de justo impedimento e quanto a uma interpretação conforme à Constituição do artigo 411º do Código de Processo Penal. Por despacho de 3 de Janeiro de 1994, foi efectuada a devida rectificação e indeferida a arguição de nulidades, invocando-se anterior pronúncia do Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização preventiva do Código de Processo Penal. Inconformado, o arguido pretendeu apresentar recurso para o Tribunal Constitucional do indeferimento de tal reclamação, mas o recurso não foi admitido, por ter sido considerado como 'manifestamente infundado'. Deste despacho de indeferimento trouxe o ora recorrente nova reclamação, desta feita para o Tribunal Constitucional, que, pelo Acórdão n.º 501/94, concluiu que a situação dos autos se não subsumia ao 'conceito de ‘recurso manifestamente infundado’', pelo que determinou a admissão do respectivo recurso.
3. Neste recurso, o arguido concluiu assim as suas alegações:
'a) A interpretação dada nos autos ao art. 40º da CPP é inconstitucional porque ofende o art. 32º da Constituição e de mais disposições citadas. b) O art. 411º nº 1 do CPP (como aliás o nº 1 do art. 307) do CPP são inconstitucionais porque não permitem o conhecimento do teor completo do que contra ele s arguidos é proferido, evitando assim reacção adequada, quando se devia dar prevalência à 2ª parte do nº 5 do art. 113 do mesmo CPP que esse está de acordo com os arts. 32 e 18 da Constituição, e 27, nº 4 da Constituição' c) A não ser assim chega-se à ironia de que o processo judicial garante menos que o processo administrativo. d) Devem pois declarar-se as inconstitucionalidades solicitadas com a reforma dos actos implicados.' Por sua vez, nas suas contra-alegações, conclui o Exmo. Procurador Geral-Adjunto em funções neste Tribunal:
'1º - Não constitui qualquer violação das garantias de defesa e do princípio do acusatório a possibilidade - emergente do estatuído dos artigos 40º e 41º do Código de Processo Penal - de o juiz que presidiu ao debate instrutório e pronunciou o arguido vir a proferir despacho de rejeição liminar do recurso interposto da decisão final do colectivo - de que não fez parte - com fundamento na sua intempestividade.
2º - Não infringe o princípio constitucional das garantias de defesa a circunstância de o prazo de interposição de recurso se iniciar, nos termos preceituados no artigo 411º, nº1, do Código de Processo Penal, com a leitura em audiência do acórdão condenatório, estando o arguido e seu defensor presentes, e seu subsequente depósito na secretaria.' Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos:
4. Uma vez que, nos termos do n.º 4 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, a decisão do Tribunal Constitucional que revoga o despacho de indeferimento 'faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso', há que proceder à delimitação do seu objecto. No requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade foram impugnadas as normas dos artigos 40º, 41º e 411º do Código de Processo Penal. Porém, nas conclusões das alegações de recurso as únicas normas impugnadas são as dos artigos 40º e 411º do Código de Processo Penal - de harmonia, aliás, com o pressuposto de que a decisão da reclamação faz caso julgado 'quanto à admissibilidade do recurso e quanto ao seu objecto' (cfr. Acórdão n.º 417/95, publicado no Diário da República, II Série, de 17 de Novembro de 1995, e, no presente processo, o Acórdão n.º 501/94). Assim, e porque o objecto do recurso de constitucionalidade subjectivamente delimitado pelas normas indicadas no requerimento de interposição de recurso pode ser restringido nas conclusões da alegação (cfr., por todos, o Acórdão n.º
20/97, publicado no Diário da República, II Série, de 1 de Março de 1997) só se terão em conta as normas dos citados artigos 40º e 411º do Código de Processo Penal. Quanto a esta última disposição, porém, só é de considerar o seu n.º 1: é que, por um lado, o recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional só pode ter por objecto as normas que tenham sido aplicadas na decisão recorrida - e só esse n.º 1 o foi
- e, por outro lado, só esse n.º 1 foi mencionado nas conclusões das alegações de recurso.
5. É a seguinte a redacção da primeira norma impugnada:
'Artigo 40º
(Impedimento por participação em processo) Nenhum juiz pode intervir em recurso ou pedido de revisão relativos a uma decisão que tiver proferido ou em que tiver participado, ou no julgamento de um processo a cujo debate instrutório tiver presidido.' O recorrente sustenta que, face a esta norma,
'o Juiz não pode proferir despacho sobre a admissibilidade do recurso interposto quando tiver participado no julgamento ou se tiver presidido, e por isso decidido, o despacho instrutório, proferindo despacho de pronúncia.' E acrescenta que esta interpretação é conforme
'com o artigo 32,1 da Constituição e com os arts. 8º e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, ou ainda, com a Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais - art. 6.' Sendo invocada, portanto, uma multiplicidade de parâmetros para aferir a norma impugnada, haveria que, preliminarmente, apurar as consequências do desfasamento de tal norma com os diferentes parâmetros impugnados. Esta questão prévia pode, porém, ser descartada com os fundamentos invocados pelo Acórdão n.º 124/90, publicado no Diário da República, II Série, de 8 de Fevereiro de 1991, como o foi também no Acórdão n.º 935/96, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Dezembro de 1996. Neste último aresto, discutindo-se justamente a conformidade constitucional do artigo 40º do Código de Processo Penal de 1987 com o disposto no artigo 32º da Constituição e no artigo 6º, n.º1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, considerou-se 'que não se justifica uma consideração autónoma deste preceito' porquanto, como se decidira em casos anteriores,
'os princípios jurídico-internacionais invocados, pelo recorrente (...) não dizem nada que já se não contenha nas normas ou princípios constitucionais pertinentes.'
6. A similitude na resolução desta questão prévia não é, todavia, extensível à questão de fundo: é que o que se discutia nos citados Acórdãos era a intervenção no julgamento da causa de quem tinha determinado, e decidido posteriormente manter, a prisão preventiva do arguido. Ao passo que o que aqui está em causa é uma intervenção, do juiz que emitiu o despacho de pronúncia do arguido, mas a jusante do julgamento – no momento de decidir sobre a admissão do recurso da decisão final. Em conformidade, no Acórdão citado reconduziu-se o problema à delimitação do sentido da estrutura acusatória do processo penal, tal como constitucionalmente consagrada no n.º 5 do artigo 32º da Constituição, e recusou-se autonomia ao apuramento de qualquer desconformidade com as garantias de defesa constantes dos restantes números do mesmo artigo 32º, concluindo-se pela inconstitucionalidade da
'norma constante do artigo 40º do Código de Processo Penal na parte em que permite a intervenção no julgamento do juiz que, na fase de inquérito, decretou e posteriormente manteve a prisão preventiva do arguido, por violação do artigo
32º, nº5, da Constituição'. Esta conclusão surgiu como consequência da necessidade de assegurar (nas palavras de Figueiredo Dias, aí citado), 'que a entidade que julga (o juiz) não tenha funções de investigação e acusação'. E, deste modo, resultou como uma das implicações da estrutura acusatória do processo penal, tal como traçadas por Gomes Canotilho/Vital Moreira, aí transcritos:
'a) Proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também o órgão de acusação; b) Proibição de acumulação subjectiva a jusante do processo, isto é, que o órgão de acusação seja também órgão julgador; c) Proibição de acumulação orgânica na instrução e julgamento, isto é, o órgão que faz a instrução não faz a audiência de discussão e julgamento, e vice-versa.' Em conformidade com estas implicações, e com a citada jurisprudência do Tribunal Constitucional, aliás, após a revisão do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, passou a ser proibida a intervenção no julgamento do juiz 'que tiver aplicado e posteriormente mantido a prisão preventiva do arguido' (artigo 40º). Diferentemente, na solução do problema sub judicio, as referidas implicações da estrutura acusatória do processo não se revestem da mesma força. Razão, esta, pela qual se não pode, como naqueloutro caso, reconduzir a invocada violação do n.º 1 do artigo 32º da Constituição à violação do princípio do acusatório consagrado no n.º 5 do mesmo artigo.
É que a salvaguarda deste princípio não obriga a uma proibição de toda e qualquer intervenção a jusante do julgamento, por parte de quem tenha tido uma qualquer intervenção anterior no processo – nomeadamente, não impõe a proibição de intervenção (aliás, legalmente vinculada) para decisão sobre admissão ou recebimento de recursos, muito menos quando operada por quem não teve sequer intervenção em sede de julgamento. Consequentemente, pode excluir-se a resolução do problema da avaliação do artigo
40º do Código de Processo Penal em face do n.º 1 do artigo 32º da Constituição pela sua dissolução na apreciação da conformidade com o n.º 5 do mesmo normativo.
7. Saber se a intervenção processual na decisão do recebimento do recurso pelo juiz que proferiu o despacho de pronúncia contende com as garantias de defesa constitucionalmente consagradas - e desde logo com o n.º 1 do artigo 32º da Constituição - resulta facilitado, por argumentação a fortiori, pela consideração de decisões nas quais outras intervenções processuais não foram reputadas constitucionalmente desconformes. Assim, nos Acórdãos n.ºs 219/89 e 124/90, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 30 de Junho de 1989 e de 8 de Fevereiro de 1990, consideraram-se não inconstitucionais (embora com votos de vencido) as normas dos artigos 365º do Código de Processo Penal de 1929, 59º da Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro, e 8º do Decreto-Lei n.º 269/78, de 1 de Dezembro, na parte em que ao juiz que tivesse lavrado despacho de pronúncia 'com simples dimensão garantística' (isto é, 'sempre que esta não desborde significativamente a acusação') era consentido que pudesse ser o juiz do tribunal de julgamento, ou que participasse nesse tribunal. E dos votos de vencido sobre este ponto (um em cada Acórdão) resulta claro que as dúvidas de constitucionalidade derivaram unicamente de o despacho de pronúncia constituir 'uma ‘pré-decisão judicial’
(sobre o fundo da imputação criminal, bem entendido)'. E acrescentava-se:
'Ao decidir pronunciar, o juiz é necessariamente envolvido na acusação, sendo forçado a uma pré-compreensão (ainda que provisória) sobre a responsabilidade do acusado. Por isso, se o juiz do despacho de pronúncia participar no julgamento poderá ser afectado o princípio da imparcialidade.' Ora, por um lado, esta preocupação é absolutamente alheia à decisão de recebimento ou não recebimento do recurso. A questão jurídica a decidir neste momento, segundo parâmetros objectivos que são sindicáveis, em reclamação, pelo Tribunal ad quem, é inteiramente distinta da questão de fundo, sendo irrelevantes as aludidas 'pré-compreensões' que eventualmente se pudessem ter formado em relação à decisão de que se recorre. Por outro lado, a regra fixada no n.º 1 do artigo 700º do Código de Processo Civil - norma, de resto, não impugnada - é a de que é o juiz a quem o processo é distribuído que fica sendo o relator, com a consequência de ser, em geral, o próprio juiz do julgamento a admitir ou não o recurso das decisões por ele proferidas, ou em que tomou parte. Assim sendo, admitindo que o regime decorrente deste artigo 700º, n.º 1, não é inconstitucional (não tendo ainda sido objecto de um tal julgamento por este Tribunal), por maioria de razão a possibilidade de o autor do despacho de pronúncia ser também o autor do despacho relativo à admissão do recurso em nada poderá contender com as garantias de defesa que o processo criminal deve assegurar. Aliás, se isto é assim qualquer que seja a decisão a proferir face ao requerimento de interposição de recurso, dir-se-ia que o é ainda com maior razão
(por confronto, por exemplo, com a não admissão do recurso por 'manifestamente infundado') quando a margem de discricionariedade da decisão esteja afastada, como acontece no caso, que é o dos autos, de verificação – objectiva - do cumprimento dos prazos legalmente fixados para a interposição do recurso. Assim, tendo o despacho ora impugnado como fundamento a extemporaneidade da interposição do recurso, parece desde logo evidente que não subsistem razões para o pôr em causa por eventual violação do princípio da imparcialidade. Ainda que se pudesse divisar violação de tal princípio na identidade entre o decisor daquela questão de tempestividade do recurso e o juiz que pronunciou o arguido - o que, como se viu, está totalmente excluído -, a forma de contagem do prazo seria exactamente a mesma (devendo considerar-
-se irrelevante, para efeito da averiguação do respeito pelo princípio da imparcialidade, a eventualidade de, na questão de direito relativa à interpretação da norma que prevê o prazo em questão e o respectivo dies a quo, poderem existir divergências doutrinais ou jurisprudenciais). E foi, justamente, em relação ao dies a quo do prazo de interposição de recurso que se suscitou a segunda questão de constitucionalidade que cumpre apreciar.
8. Em relação à segunda norma impugnada, considera o Exmo. Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal
'que o recorrente confunde a questão da (in)constitucionalidade normativa de certo regime jurídico-processual - atinente (...) ao início do prazo para recorrer de uma sentença ou acórdão - com a possível e ocasional ocorrência de situações subsumíveis à figura do ‘justo impedimento’, tal como aparece delineada nos n.ºs 2 e 3 do artigo 107º do Código de Processo Penal.' Na verdade, se a razão da impugnação da constitucionalidade de uma norma que fixa um prazo radica nas dificuldades de, em certas situações de facto, se cumprir esse prazo, verdadeiramente o que se questiona é a delimitação da hipótese normativa que prevê as situações relevantes para os casos de impossível
(ou de impedimento para) cumprimento do prazo - ou a sua aplicação
(não-aplicação) a um caso, ou a um certo tipo de casos. Coisa diversa é, realmente, contestar-se o próprio prazo em si (por se ter por exíguo em todo e qualquer caso, por exemplo). Ora, no presente caso não se questiona a interpretação da norma que prevê o justo impedimento, no sentido de a não ter por aplicável ao caso. E não se questiona sequer a insuficiência do prazo. O que se invoca, como fundamento de inconstitucionalidade da norma do n.º1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, foi uma certa interpretação do dies ad quo, ou 'termo' inicial, do prazo de interposição do recurso, porque, alegadamente, 'não permite [...] o conhecimento do teor completo de que contra eles arguidos é proferido'.
9. É a seguinte a redacção de norma em questão:
'Artigo 411º
(Interposição e notificação do recurso)
1. O prazo para interposição do recurso é de dez dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria, ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
(...)' Como se vê, a hipótese da norma recorta três momentos a partir dos quais se pode dar início à contagem do prazo para interposição de recurso: o o da notificação da decisão; o o do depósito da sentença na secretaria; o o da data em que tiver sido proferida a decisão, no caso de se tratar de decisão oral reproduzida em acta. Estes momentos podem diferir (embora os dois primeiros fossem no caso em apreço coincidentes), dando origem a diferentes datas de esgotamento do prazo para interposição do recurso. No presente caso, o recorrente entende que, sob pena de inconstitucionalidade, o prazo em questão se deve contar da data da notificação da decisão através de remessa de cópia integral (15 de Junho de 1993), por só esta notificação permitir o conhecimento do teor completo da decisão. Isto, enquanto as instâncias decidiram que tal prazo se conta a partir da data do depósito da sentença na secretaria (9 de Junho de 1993), coincidente, in casu, com o próprio dia em que foi proferida a decisão, na presença do arguido e do seu defensor. Naturalmente, a decisão da questão de aplicação do direito tal como feita pelas instâncias não é sindicável por este Tribunal, excepto no tocante à sua conformidade constitucional. Ora, a interpretação adoptada foi a de que os três momentos atrás referidos se resolviam numa dicotomia - notificação presencial, nos termos da parte final do referido artigo 411º (cfr. também o n.º 4 do artigo 372º do Código de Processo Penal) por um lado, depósito da decisão na secretaria por outro - dicotomia essa adoptada na decisão de 19 de Agosto e repetida na de 3 de Janeiro de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça. Acontecendo normalmente que o momento do depósito da sentença na secretaria é - excepto nos limitados casos em que era possível efectuar o julgamento sem a presença do arguido (cfr. art.º 334º do Código de Processo Penal) - posterior ao da notificação da decisão ao arguido (que ocorre em audiência), em regra, portanto, o prazo iniciar-se-á apenas nesse dia (de depósito da decisão na secretaria) - acontecendo, aliás, que, no caso em apreço, a notificação da decisão ao arguido e o depósito da sentença na secretaria ocorreram no mesmo dia. E, do mesmo modo, segundo essa interpretação, tal como a notificação presencial anterior não fará logo iniciar o prazo, a ulterior notificação escrita não o faz iniciar-se em momento posterior. Como se escreve na referida decisão de 3 de Janeiro de 1994 do Supremo Tribunal de Justiça:
'A dualidade de situações para a contagem do prazo de interposição do recurso prende-se, como é sabido, com a possibilidade da consulta integral do texto da sentença, dado que a simples audição da leitura da decisão pode não ser suficiente para se aquilatar da conveniência em recorrer, tanto mais que tal leitura, por vezes, não é completa. Por isso, o depósito da sentença na secretaria é um acto processual que passou a ter a virtualidade de permitir ao interessado a consulta global do texto da decisão, e que tem como efeito implicar o início da contagem do prazo para a interposição do recurso, sem permitir o alongamento do referido prazo em função de uma posterior e eventual notificação que possa vir a ser feita ao arguido.'
(Itálico nosso).
10. Não interessa, nesta sede, curar de saber se esta interpretação tem sido seguida pelos tribunais nemine discrepante. Seja-o ou não, a única questão curial em sede de controlo da constitucionalidade da regra fixada no n.º1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, assim interpretada, é a de saber se a Constituição impõe necessariamente solução diversa desta interpretação, seguida na decisão recorrida. E, claramente, não impõe: além do conhecimento pessoal directo da sentença (cfr. n.º 3 do artigo 372º do Código de Processo Penal) o arguido tem, a partir do momento do depósito da sentença na secretaria, a possibilidade de aceder ao seu texto integral, só a partir desse momento se contando um prazo de dez dias para interpor recurso. Isto, mesmo antes de uma qualquer notificação escrita do teor completo da decisão que possa vir posteriormente a ser feita ao arguido. Além do mais, recorde-se que, face a um qualquer justo impedimento (n.ºs 2 e 3 do artigo 107º do Código de Processo Penal) é ainda possível a este dilatar o prazo. Trata-se, portanto, de regime que assegura perfeitamente as garantias de defesa do arguido e que é compatível com as exigências constitucionais que foram assim formuladas no Acórdão n.º 61/88, publicado no Diário da República, II Série, de
20 Agosto de 1998 (e reiteradas, designadamente, nos Acórdãos n.ºs 322/93 e
41/96, o primeiro publicado no Diário da República, II Série, de 29 de Outubro de 1993 e o segundo ainda inédito:
'A ideia geral que pode formular-se a este respeito – a ideia geral, em suma, por onde terão de aferir-se outras possíveis concretizações (judiciais) do princípio da defesa, para além das consignadas nos nºs 2 e segs. do artigo 32º - será a de que o processo criminal há-de ser um due process of law, devendo considerar-se ilegítimas, por consequência, quer eventuais normas processuais, quer procedimentos aplicativos delas, que impliquem um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.' A situação do arguido no presente caso, aliás, corresponde à normal aplicação das normas em causa, e não a uma sua hipótese-
-limite, nem sequer tendo o depósito da sentença na secretaria ocorrido posteriormente ao momento em que a decisão foi notificada ao arguido, em audiência – pelo que o arguido, já notificado, ficou logo em posição de poder conhecer integralmente a sentença, depositada na secretaria. Como se referiu, não existe fundamento para concluir que este sistema de início de contagem do prazo de recurso, resultante do artigo 411º, n.º 1, é estruturalmente inconstitucional, por implicar, na expressão do referido Acórdão n.º 61/88, 'um encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa'
III. Decisão: Nos termos e pelos fundamentos expostos acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida no que concerne à questão de constitucionalidade suscitada.
Lisboa, 3 de Fevereiro de 1999 Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Vitor Nunes de Almeida Maria Fernanda Palma Artur Maurício Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa