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Proc. 561/98
1ª Secção Relatora: Cons.ª Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
1. A..., notificado da decisão sumária que negou provimento ao recurso por si interposto junto do Tribunal Constitucional, vem reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional.
2. No requerimento de interposição do presente recurso, o recorrente pedia a apreciação da constitucionalidade 'das normas dos artigos 411º, nº 3, e
420º, nº 1, do Código de Processo Penal, interpretadas e aplicadas com o sentido que lhes foi dado na decisão recorrida', que considerava 'inconstitucionais por ofensa dos direitos, liberdades e garantias previstos nos artigos 32º, nº 1, e
18º, nº 2, da CRP' (v. fls. 185 dos autos).
Não tendo o recorrente explicitado o sentido dado às normas em causa que considerava contrário à Constituição, a relatora do processo, neste Tribunal, atribuíu à decisão recorrida o significado de não aplicar ao caso dos autos o prazo fixado no artigo 411º, nº 3, do Código de Processo Penal para apresentação da motivação do recurso, no caso de recurso interposto por declaração em acta: isto é, o prazo de dez dias a contar da data da interposição do recurso. Com efeito, decidiu-se no acórdão da Relação de Évora, de 23 de Março de 1998, sob recurso no presente processo:
'Porque excepcional, o regime do recurso interposto por declaração na acta não é susceptível de aplicação analógica, por força do princípio geral em matéria de interpretação, consagrado no art. 11º do Cód. Civil.
[...] Não tendo sido apresentada simultaneamente com o requerimento (escrito) de interposição do recurso, como devia, há que concluir que a motivação do recurso da sentença foi extemporaneamente apresentada, o que equivale à sua falta, impondo-se, pois, a rejeição deste recurso, nos termos do art. 420º, nº 1, do C.P.P.' (cfr. fls. 180 v. a 181, 181 v. a 182).
Nesta conformidade, entendeu-se na decisão sumária reclamada que a norma impugnada com aquele sentido não era inconstitucional, tal como se decidira já em anterior jurisprudência deste Tribunal (acórdão nº 488/97, inédito).
3. Vem, agora o reclamante explicitar que a inconstitucionalidade da interpretação feita pelo tribunal a quo dos artigos 411º, nº 3, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal residiria na exigência de apresentação do requerimento de recurso e da fundamentação em simultâneo. Esta interpretação, restritiva do princípio do contraditório (artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), seria desproporcionada, na perspectiva do recorrente, na medida em que abstrai do facto de ele ter efectivamente apresentado a fundamentação do recurso ainda dentro do prazo de dez dias, não o tendo ultrapassado. Haveria, por conseguinte, violação dos critérios de proporcionalidade estabelecidos no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa.
4. Notificado da reclamação, o representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional pronunciou-se no sentido de que a decisão recorrida, proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, traduz um 'excessivo formalismo' e uma 'clara violação do princípio da proporcionalidade', concluindo pelo deferimento da reclamação. Por sua vez, o recorrido (assistente no processo principal) argumentou da seguinte forma:
'A lei processual impõe, de facto, que o requerimento de interposição de recurso seja motivado; As partes não têm que aguardar pelo último dia para apresentarem o recurso; Podem fazê-lo no 1º dia, ou 6º dia; Ao fazê-lo, por exemplo, no 6º dia, estão a prescindir do prazo que faltava; O prazo de 10 dias para a interposição o recurso é peremptório; Logo: ao prescindirem de uma parte do prazo, não podem depois aproveitar-se do prazo em falta para apresentar a motivação, que não acompanhou o recurso; A ser-lhe permitida esta faculdade, também lhe deveria ser permitido alterar a motivação; Depois, se o recurso não está motivado, ele pode logo (ao ser apresentado) ser rejeitado; A ser válida a tese de que no decurso do prazo de 10 dias o recorrente estaria sempre em tempo de apresentar a motivação, o juiz nunca poderia rejeitar o recurso, pois teria que aguardar pelo decurso dos 10 dias. Que a motivação tem de acompanhar o requerimento de interposição é uma conclusão que se impõe, também, a partir da 2ª parte do 411, nº 2 do CPP.'
5. Tendo o recorrente questionado a conformidade constitucional de uma determinada interpretação normativa, competia-lhe explicitar o sentido atribuído
às normas em causa que pretendia ver apreciado no âmbito do recurso de constitucionalidade. Como se afirmou no acórdão nº 367/94 (Diário da República, II, nº 207, de 7.9.1994, p. 9341 ss),
'Ao questionar-se a compatibilidade de uma dada interpretação de certo preceito legal com a Constituição, há-de indicar-se um sentido que seja possível referir ao teor verbal do preceito em causa. Mais ainda: esse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão, em termos de tanto os destinatários desta como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, afrontar a Constituição'.
Na falta de tal explicitação, foi o objecto do recurso de constitucionalidade delimitado pela relatora, a partir da questão discutida na decisão recorrida, e tendo em conta o teor do acórdão do Tribunal da Relação de
Évora, acima transcrito na parte relevante. Não pode agora o recorrente, no âmbito da reclamação da decisão sumária proferida no processo, vir atribuir às normas impugnadas um outro sentido, que não especificou devidamente no momento adequado.
6. Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, negando provimento ao recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta. Lisboa, 9 de Fevereiro de 1999- Maria Helena Brito Vítor Nunes de Almeida Luís Nunes de Almeida