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Proc. nº 32/02 Acórdão nº 107/02
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A ..., Lda., notificada da decisão sumária que, por não estarem verificados os pressupostos processuais exigidos no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, decidiu não tomar conhecimento do recurso por si interposto para o Tribunal Constitucional, veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, nº 3, da mesma Lei, invocando:
'[...] a reclamante discorda do conteúdo da mesma [da decisão sumária proferida], e nos termos do art. 75º-A, nºs 5 e 6, daquela Lei, o requerente tem a possibilidade de responder ao convite do Relator desse Tribunal para indicar os elementos previstos no art. 75º-A referido. Por outro lado, o recorrente não foi notificado nos termos dos nºs 5 e 6 do art.
75º-A, nem a questão é manifestamente infundada ou simples, por já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal, tendo havido violação do disposto nos números 1 e 2 do art. 78º-A da Lei 28/82. Só após a notificação prevista nos nºs 5 ou 6 do art. 75º-A ou após as alegações do recorrente, se a elas houver lugar após resposta ao convite, é que a questão pode ser decidida, dado a recorrente ter arguido inconstitucionalidades em várias ocasiões. Caso contrário, há uma interpretação inconstitucional dos arts, 75º-A, nºs 5 e 6 e nº 1 do art. 78º-A da Lei 28/82, por violação dos arts. 12, 16 (nºs 1 e 2), 20
(nºs 1 e 4), 18 (nºs 1 e 2) da C.R.P., inconstitucionalidade que também se argui.'
2. Notificado para se pronunciar sobre a reclamação apresentada, o Ministério Público respondeu que tal reclamação 'é manifestamente infundada'.
3. A ora reclamante requer a anulação da decisão sumária de fls. 652 e seguintes, sustentando que o artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional apenas permite que seja proferida decisão sumária depois de notificado o recorrente nos termos dos nºs 5 e 6 do artigo 75ª-A da mesma Lei.
Ora, a este respeito, importa distinguir entre os pressupostos do recurso de constitucionalidade, tal como se encontram enunciados nas várias alíneas do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e os requisitos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, a que se refere o artigo
75º-A da mesma Lei.
No caso sub judice, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, nº 1, da mesma Lei, não tomar conhecimento do recurso por não estarem verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – a única alínea susceptível de ser invocada no caso dos autos, muito embora não tenha sido indicada no requerimento de interposição do recurso.
Ainda que a ora reclamante tivesse indicado no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade a alínea do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional ao abrigo da qual o recurso é interposto e a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie (requisitos do requerimento de interposição do recurso), o recurso não poderia ser admitido, por falta de pressupostos processuais.
Com efeito, e como se ponderou na decisão sumária impugnada:
– a ora reclamante não suscitou, durante o processo, de forma clara e perceptível – isto é, não suscitou de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida –, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa;
– a ora reclamante limitou-se a referir, no requerimento de fls.
632, através do qual reclamou para a conferência da decisão do Conselheiro Relator, de 14 de Fevereiro de 2001 (despacho de fls. 627), que havia indeferido o pedido de apoio judiciário, que a mesma decisão era 'inconstitucional por violar norma constitucional de igualdade e acesso ao direito'.
– na expressão utilizada pela ora reclamante não pode ver-se a invocação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, no sentido de inconstitucionalidade reportada às normas aplicadas na decisão recorrida; este aspecto é sublinhado pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de que a ora reclamante pretender recorrer para este Tribunal (acórdão de 20 de Junho de
2001, a fls. 640). Por isso se considerou na decisão sumária reclamada que seria inútil ordenar a notificação da ora reclamante, nos termos do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, para completar o requerimento de interposição do recurso. À ora reclamante seria porventura possível indicar os elementos em falta no requerimento, mas não lhe seria certamente possível suprir a falta dos pressupostos processuais típicos do recurso interposto; isto é, no caso, não lhe seria possível suprir a falta de invocação, durante o processo, da inconstitucionalidade das normas em que se fundamenta a decisão recorrida.
4. Conclui-se assim que a decisão do Tribunal Constitucional foi proferida com total observância das regras legais aplicáveis, porquanto, em síntese:
– se entender que não pode conhecer-se do objecto do recurso, o relator, no Tribunal Constitucional, profere decisão sumária (artigo 78º-A, nº
1, da Lei do Tribunal Constitucional);
– se o requerimento de interposição do recurso não indicar algum dos elementos previstos nos nºs 1 a 4 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional, o relator, no Tribunal Constitucional, convidará o requerente a prestar essa indicação (nºs 6 e 5 do artigo 75º-A da mesma Lei);
– não é lícito realizar no processo actos inúteis (artigo 137º do Código de Processo Civil).
5. Não existe em tal decisão do Tribunal Constitucional qualquer violação de normas ou princípios constitucionais. A Constituição não veda ao legislador ordinário a possibilidade de estabelecer um processo de formação das decisões do Tribunal Constitucional, para os tipos de questões previstas no artigo 78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que assente numa decisão individual.
O legislador ordinário goza de liberdade de conformação na definição das regras relativas ao processo de formação das decisões do Tribunal Constitucional.
Perante o cada vez maior número de processos no Tribunal Constitucional, o legislador ordinário, sem descurar a necessidade de assegurar uma tutela plena dos direitos dos recorrentes, criou a figura da decisão sumária, para acelerar o processo decisório de determinadas questões. Pode – e deve – ser proferida decisão sumária designadamente nos processos em que o relator entenda que não pode conhecer-se do objecto do recurso (cfr. artigo
78º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
Prossegue-se, assim, o objectivo da mais célere administração da justiça, sem esquecer as garantias de defesa das partes. É assegurado o princípio do contraditório, facultando-se ao recorrente a oportunidade de reclamar para a conferência (cfr. nº 3 do referido artigo 78º-A) – oportunidade que aliás a ora reclamante utilizou no presente processo. O regime instituído pelo artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional não ofende o princípio da universalidade (artigo 12º da Constituição), não restringe direitos fundamentais (artigos 16º e 18º, nº 2, da Constituição); de tal regime não decorre qualquer violação das regras constitucionais sobre a garantia do acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20º da Constituição) e sobre a independência dos tribunais e a sua vinculação à lei (artigo 203º da Constituição).
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, não tendo a ora reclamante aduzido razões susceptíveis de modificar a decisão anteriormente proferida, o Tribunal Constitucional decide confirmar a decisão reclamada, de 5 de Fevereiro de 2002, que não tomou conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 5 de Março de 2002- Maria Helena Brito Artur Maurício Luís Nunes de Almeida