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Procºnº372/98 Secção 1ª Consº Vítor Nunes de Almeida
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
1. – A... veio reclamar para este Tribunal da decisão do Tribunal da Relação do Porto que não lhe admitiu o recurso que interpôs do acórdão proferido em 2 de Abril de 1997.
Com efeito, o reclamante foi julgado e condenado no Tribunal Criminal da Comarca de Santo Tirso, em processo comum, pelo crime de ofensas corporais simples, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de
1.500$00, no total de 270.000$0, com a alternativa de 120 dias de prisão.
Inconformado com a decisão proferida, A... interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto que concedeu parcial provimento ao recurso, condenando-o em cem dias de multa à taxa diária de 1.500$00, num total de 150.000$00, com a alternativa de 66 dias de prisão.
Ainda não conformado com o assim decidido, veio A... interpor recurso para o Tribunal Constitucional. Segundo o requerimento de interposição do recurso, este funda-se na alínea g) do nº1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (adiante, LTC) - (Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei nº 85/89, de 7 de Setembro), invocando-se como fundamento o Acórdão nº 695/95, deste Tribunal e referindo que a norma questionada era a do artigo 342º, nº2, do Código de Processo Penal (adiante, CPP), que aquele acórdão tinha julgado inconstitucional e que a 1ª instância tinha aplicado na sua decisão. Invoca, ainda o recorrente, a norma do artigo 374º do CPP interpretada pela decisão recorrida em violação do artigo 32º da Constituição.
Convidado a esclarecer (fls.33) o requerimento de interposição de recurso, o recorrente prestou os esclarecimentos (fls.34 e 35) que julgou convenientes, mas o relator voltou a notificar o recorrente (fls.38) para, face às fotocópias de fls. 112,113 e 114, dizer o que se lhe oferecesse.
Na sequência desta notificação o recorrente veio reafirmar (fls.39) que o recurso de constitucionalidade era interposto apenas ao abrigo da alínea g), do nº1, do artigo 70º da LTC, sendo o acórdão do Tribunal Constitucional invocado como fundamento o nº 659/95 e a norma questionada - a da imposição na audiência ao arguido de declaração dos antecedentes criminais - a do artigo 342º, nº2 (anterior redacção), do CPP, colidindo a interpretação da norma do artigo 126º do CPP também com o mencionado acórdão. Quanto à norma do artigo 374º,nº2, do CPP, também o recorrente entende que a interpretação que na decisão recorrida é feita dessa norma colide (ainda que indirectamente) com a apreciação de inconstitucionalidade feita no referido acórdão.
2. - Face a esta posição, o relator exarou um despacho
(fls.40) no sentido de indeferir o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que fundamentou pela forma seguinte:
'Ficou agora esclarecido pelo recorrente que interpôs o recurso de constitucionalidade ao abrigo – e apenas ao abrigo – da alínea g) do nº 1 do art.70º da Lei nº 28/82, de 15/Novº, o que significa que recorre do acórdão desta Relação de fls.96 a 105 com fundamento em que este aplicou norma já anteriormante julgada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional. Essa 'norma', di-lo o recorrente, é o art. 342º, nº2 do C.Proc. Penal (redacção anterior à entrada em vigor do D.L. 317/95, de 28/Novº), e ainda o art. 374º, nº2 do mesmo C.Proc.Penal. Quanto ao julgamento de inconstitucionalidade do T.C., cita o acórdão 695/95 (in DR, II s, de 24/4/96). Sucede que o art. 374º, nº2 do C.P.P. não é, por uma única vez que seja, referido naquele acórdão nº 695/95, aresto que julgou inconstitucional o art.
342º, nº 2 do C.P.P. Só que o acórdão proferido nos presentes autos não fez aplicação desse art. 342º nº2, antes pelo contrário, já que censurou a sentença na medida em que o tinha feito e tirou daí consequências para a decisão de facto e para a determinação da pena. Nestes termos, deve concluir-se que, mesmo após o suprimento previsto no art.75º-A da Lei 28/82, o requerimento de interposição do recurso continua a estar desprovido da identificação de acórdão do Trib. Const. que, com anterioridade, tivesse julgado inconstitucional norma aplicada pela decisão recorrida, identificação que é exigida no nº 3 do mesmo art.75º-A'.
A... notificado desta decisão veio apresentar a pertinente reclamação, agora em apreciação, tendo o relator determinado a sua autuação por apenso para efeitos do artigo 688º, nº3, do Código do Processo Civil (adiante, CPC).
Entretanto, o relator exarou um despacho (fls.7/verso-8) a manter o despacho reclamado.
Notificado deste despacho, o reclamante veio pedir a sua aclaração por entender que a indagação dos antecedentes criminais do arguido na audiência devia levar à anulação da mesma; ora, o acórdão ao confirmar em parte o decidido, mantém os efeitos decorrentes da violação, pois a simples eliminação do facto dado como provado não altera o que é fundamental, requerendo-se, assim, a aclaração do fundamento do 'douto despacho que mantém o despacho reclamado por ter sido interposto o recurso do acórdão (e não da sentença).'
Este pedido de aclaração foi objecto do seguinte despacho: 'notifique o recorrente de que no despacho aclarando não se contém menção expressa à peça processual de que foi interposto o recurso de constitucionalidade, e que, em tal despacho aclarando se dá por adquirido que o recurso foi interposto do acórdão da Relação.'
3. - - O Procurador-Geral adjunto em exercício neste Tribunal teve vista dos autos e aí exarou o seguinte parecer:
'A presente reclamação é, a nosso ver, claramente improcedente, já que - em recurso de constitucionalidade fundado na alínea g) do nº1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 - se verifica que:
- o juízo de inconstitucionalidade constante do acórdão -fundamento
(o nº695/95) não tem a mínima conexão com a norma constante do artigo 374º, nº2, do CPP, atinente à fundamentação da decisão condenatória;
- a decisão recorrida não fez da norma constante do nº2 do artigo
342º do CPP a aplicação inconstitucional censurada pelo citado aresto, já que considerou estar vedado que na audiência de julgamento se proceda à demonstração dos antecedentes criminais do arguido através das declarações por si obrigatoriamente prestadas sobre a matéria, sancionando com a nulidade a violação da 'proibição de prova' que daí decorra.
Nestes termos e por não se verificarem os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto, nenhuma censura merece o despacho que o rejeitou'.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
4. - Tal como decorre do teor da reclamação apresentada, assenta ela em dois fundamentos: por um lado, a aplicação da norma do artigo
342º, nº2, do CPP, na redacção anterior ao Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro e, por outro lado, na utilização do artigo 374º, nº2 do mesmo Código na decisão recorrida. O recurso de constitucionalidade cuja não admissibilidade esteve na base da presente reclamação, foi interposto ao abrigo da alínea g) do nº1 do artigo 70º da LTC, ou seja, trata-se de um recurso de uma decisão de um tribunal que tenha aplicado norma anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo Tribunal Constitucional, sendo, por isso, um dos seus requisitos de admissibilidade que o acórdão-fundamento seja anterior à decisão recorrida e que esta decisão tenha efectivamente aplicado a mesma norma que tinha sido objecto do julgamento de inconstitucionalidade.
No caso em apreço, não se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso em causa, o que não pode deixar de levar à improcedência da presente reclamação.
Vejamos.
Desde logo, no que ao artigo 374º, nº2 do CPP respeita,
é manifesto que o mesmo não foi objecto de julgamento no processo de que derivou o Acórdão nº 695/95, pelo que não era possível na parte respeitante a esta norma recorrer, com fundamento na alínea g) do nº1 do artigo 70º da LTC, pois que quanto a tal norma não houve qualquer julgamento de inconstitucionalidade no referido acórdão.
Quanto ao artigo 342º, nº 2, do CPP, importa referir que o acórdão nº 695/95 (in 'Diário da República', IIª Série, nº97, de 24 de Abril de 1996) apenas julgou inconstitucional o nº2 do preceito na redacção do Decreto-Lei nº 78/87, de 17 de Fevereiro que estabelecia: 'Em seguida, o presidente pergunta o arguido pelos seus antecedentes criminais e por qualquer outro processo penal que contra ele nesse momento corra, , lendo-lhe ou fazendo com que lhe seja lido, se necessário, o certificado do registo criminal'.'
Como decorre do acórdão invocado, a Lei nº 90-B/95, de 1 de Setembro, autorizou o Governo a legislar por forma a proceder à adequação do Código de Processo Penal às alterações introduzidas no Código Penal pelo Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março e entre essas alterações previa-se a revogação do nº2 do artigo 342º do CPP. Com efeito, pelo Decreto-Lei nº 317/95, de 28 de Novembro de 1995, o Governo revogou o nº2 do preceito, passando o nº3 do preceito a ser o nº2.
Assim, quando a audiência de julgamento teve lugar, na Comarca de Santo Tirso, a norma que impunha que o presidente do Tribunal interrogasse o arguido sobre os seus antecedentes criminais ou por processos contra ele pendentes tinha sido eliminada do ordenamento jurídico, não resultando também da respectiva acta qualquer referência a tal normativo ou ao seu conteúdo.
De facto, na audiência de discussão e julgamento - que teve lugar no dia 9 de Outubro de 1996 - consignou-se apenas o seguinte:
'Iniciou-se, então, a produção de prova, pela seguinte forma após o Meritíssimo juiz ter advertido e informado o arguido nos termos impostos pelo nº2 do artigo
324º e pelo nº1, do artigo 343º, ambos do Código de Processo Penal. Arguido A..., casado, industrial, que advertido de que era obrigado a responder com verdade às perguntas que lhe iam ser formuladas quanto à sua identificação disse assim chamar-se, ser filho de AF.. e R..., ser natural de Santo Tirso, onde nasceu em 9 de Outubro de 1954 e residente no lugar de S. Roque, Santa Cristina do Couto Santo Tirso. Seguidamente foi o arguido informado que tem o direito de prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto, a tal seja obrigado e sem que o silêncio o possa desfavorecer (artº 343º, nº1, do C.P.P.) ao que o arguido respondeu querer prestar declarações.'
Mas, como o reclamante refere, a decisão recorrida é o acórdão da Relação e, esta decisão não aplicou a redacção do nº2 do artigo 342º do CPP que o Acórdão nº 695/95 julgou inconstitucional com o sentido violador da Lei Fundamental que aquele aresto censurou. Com efeito, o que o acórdão da Relação fez foi modificar a matéria de facto que a primeira instância tinha considerado como provada, por forma a eliminar desses factos o que dizia respeito aos antecedentes criminais do arguido, alterando, em consequência, a medida da pena, por considerar que tal matéria tinha sido considerada provada através de métodos proibidos, pelo que tinha de ser considerada nula.
Tanto basta para concluir que a decisão recorrida não fez aplicação da norma do nº2 do artigo 342º do CPP, já revogada, com o sentido inconstitucional referido pelo recorrente, pois limitou-se a fazer aplicação dos princípios que regem as nulidades em processo criminal e da respectiva normação
(artigos 125º e 126º do Código de Processo Penal).
Assim sendo, não estão verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, pelo que tem de improceder a presente reclamação. III - DECISÃO:
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em
10 UC’s. Lisboa, 16 de Dezembro de 1998 Vítor Nunes de Almeida Maria Helena Brito José Manuel Cardoso da Costa