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Proc. nº 513/97
2ª Secção Relator: Cons.º Luís Nunes de Almeida
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – RELATÓRIO
1. R..., LDA impugnou, junto do Tribunal Municipal de Lisboa, a liquidação da quantia de 1.224.000$00, efectuada pela Câmara Municipal de Lisboa, a título de licença sobre o reclamo luminoso da TWA, colocado no telhado do prédio com o nº 23 da Rua Francisco Rodrigues Lobo, em Lisboa.
Considerou para tanto, no essencial, que aquela taxa tinha a natureza de um verdadeiro imposto, concluindo assim pela inconstitucionalidade da norma constante do artigo 18º do Edital nº 100/89 da Câmara Municipal de Lisboa, publicado no Diário Municipal nº 15714, de 15 de Setembro, na qual se baseou a cobrança em causa.
Por decisão de 28 de Julho de 1996 do 5º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa, a impugnação foi julgada improcedente.
2. Inconformada, a impugnante recorreu para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
Nas suas alegações, sustentou a inconstitucionalidade da norma do artigo 18º do Edital nº 100/89 da Câmara Municipal de Lisboa, por violação «do princípio da legalidade fiscal, constante dos arts. 168º, nº 1, alínea i) e
106º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, e o princípio da proporcionalidade, previsto no art. 266º, nº 2 da Lei Fundamental».
Por acórdão de 2 de Julho de 1997, o STA, concluindo que a norma em causa prevê uma taxa, destituída da natureza de imposto, e ainda pela inexistência da desproporcionalidade invocada, julgou o recurso improcedente.
3. É dessa decisão que vem interposto o presente recurso de constitucionalidade, «ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro», para apreciação da «inconstitucionalidade da norma contida no art. 18º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, constante do Edital 100/89 da Câmara Municipal de Lisboa, publicado no Diário Municipal nº
15714, de 15 de Setembro».
Já neste Tribunal, a recorrente concluiu as suas alegações pela forma seguinte:
1ª A quantia cobrada, à Recorrente, pela Câmara Municipal de Lisboa, pela concessão de uma licença para a afixação de anúncios luminosos constitui um imposto e não uma taxa, já que a remoção do obstáculo jurídico à actividade dos particulares não corresponde nem a prestação de qualquer serviço público, nem a utilização, pelo particular, de qualquer bem do domínio público ou de um bem semi-público.
2ª A qualificação de imposto é reforçada pelo carácter anual do pagamento.
3ª A qualificação de imposto é ainda determinada pela falta de proporcionalidade entre a quantia em causa nos presentes autos e o custo de uma qualquer eventual actividade administrativa. (...)
4ª Constituindo um imposto e não uma taxa, a receita em causa está a ser cobrada ilegalmente, já que, tendo sido criada por deliberação da Assembleia Municipal de Lisboa, verificou-se uma violação directa do disposto nos arts.
169º, nº 1, alínea i) e 106º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa (na versão anterior à decorrente da quarta revisão constitucional resultante da Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, hoje arts. 165º, nº 1, alínea i) e
103º, nº 2), ou seja, uma violação directa do princípio da legalidade fiscal.
5ª Assim sendo, a norma contida no art. 18º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, constante do Edital 100/89 da Câmara Municipal de Lisboa, é inconstitucional, por violação directa do princípio da legalidade fiscal.
Se assim não se entender, e sem conceder:
6ª A Assembleia Municipal, ao aumentar em cerca de 6.500% ( de Esc.:
152$00 m2 para Esc.: 10.000$00 m2) a quantia a pagar pela concessão da licença de publicidade no ano de 1990, violou directamente o princípio constitucional da proporcionalidade, a que está adstrita no exercício das suas funções, previsto no art. 266º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
7ª Pelo que a norma constante do art. 18º da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, constante do Edital 100/89 da Câmara Municipal de Lisboa, é inconstitucional, por violação directa do princípio da proporcionalidade.
A representante da Fazenda Pública, nas suas contra-alegações, concluíu que se não verificava «a invocada inconstitucionalidade do artigo 168º, nº 1, alínea i) e 106º, nº 2 (actuais 165º, nº 1, alínea i) e 103º, nº 2) e 262º da CRP», porquanto:
(...) a utilização dos bens semi-públicos é elemento da correspectividade da taxa em causa, deste modo, não ocorrendo ausência de sinalagma como pretende a recorrente.
Do mesmo modo, também não ocorre violação do princípio da proporcionalidade porquanto a manifesta vantagem económica da promoção publicitária proporcionada pela fixação do reclame compensa sobejamente a taxa em causa.
E a circunstância de o montante da taxa haver sido fixado em
10.000$00 o m2 contra 152$00 o m2 anteriormente vigentes é apenas a expressão da actualização realista do montante da taxa.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTOS
4. A norma em causa fixa o valor da «taxa» anual correspondente à publicidade através de anúncios luminosos. A propósito de norma de teor idêntico, mas correspondente à publicidade nos veículos de transporte colectivo e nos veículos particulares, constante do artigo 62º do Regulamento de Taxas e Licenças Municipais da Câmara Municipal de Guimarães, afirmou-se no Acórdão nº 558/98 (publicado em Diário da República, II série, de 11 de Novembro de 1998):
Simplesmente, não será do simples facto de o licenciamento da actividade publicitária competir, na área dos respectivos municípios, às câmaras municipais, que decorre, desde logo e sem mais, que o tributo cobrado pelas edilidades aos responsáveis pela afixação e inscrição das mensagens de propaganda, haja de ser considerado como uma «taxa».
Efectivamente, não passa este Tribunal em claro que, como se disse no citado Acórdão nº 313/92, 'mesmo nas hipóteses em que a actividade dos particulares sofre uma limitação, aqueloutra actividade estadual, consistente na retirada do obstáculo à mencionada limitação mediante o pagamento de um tributo, é vista pela doutrina como a imposição de uma «taxa» somente desde que tal retirada se traduza na dação de possibilidade de utilização de um bem público ou semi-público (cfr., sobre o ponto, Teixeira Ribeiro na citada Revista)', acrescentando-se que, '[s]e este último condicionalismo não ocorrer, deparar-se-á uma situação subsumível à existência de um encargo ou de uma compensação tributo que se aproximará da figura do «imposto» nos termos que a seguir se verão, sem que com isto se queira significar que a imposição de contributo só é recondutível à dicotomia de «taxas» ou «impostos».
Na realidade, assente uma relação sinalagmática característica da «taxa», o que, como é claro, implica uma contrapartida de diferentes naturezas por parte do ente público impositor do tributo, tem a doutrina entendido que são essencialmente três os tipos de situações em que essa contrapartida se verifica e que se consubstanciam na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo mesmo, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares (cfr. Teixeira Ribeiro, ob. e local citados, Pitta e Cunha, Xavier de Basto e Lobo Xavier, também ob. e loc. cits.).
Ora, quando em causa se encontra a terceira daquelas situações (rememore-se, a que consiste no levantamento do obstáculo jurídico ao exercício de determinada actividade por parte do tributado), defende a doutrina que o encargo pela remoção - in casu, a concessão de licenciamento para a afixação ou inscrição de publicidade - só pode configurar-se como «taxa» se com essa remoção se vier a possibilitar a utilização de um bem semi-público (vide autores por último citados e Sousa Franco in Finanças Públicas e Direito Financeiro, 4ª ed., vol. 1, 33, que, em vez de bens semi-públicos, fala de bens colectivos, quer públicos ou privados de uma perspectiva de provisão pública, quer de bens colectivos impuros).
Neste contexto, e não olvidando que a norma sub specie se reporta a painéis publicitários afixados ou inscritos, não em quaisquer bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim em veículos de transporte colectivo ou em veículos particulares (e são desta última espécie os veículos da recorrente), não se lobriga, por um lado, que forma de utilização de um bem semi-público esteja em causa e, por outro, que o ente tributador venha a ser a ser constituído numa situação obrigacional de assumpção de maiores encargos pelo levantamento do obstáculo jurídico.
Mas, mesmo que o tributo criado pela norma em análise, possa ser visualizado como aquilo que certa doutrina (designadamente estrangeira) apelida de contribuições especiais ou tributos especiais (cfr. Perez de Ayala e Eusebio Gonzalez Curso de Derecho Tributário, 1º Tomo, 208), o que é certo é que a doutrina nacional, quase diríamos sine discrepante, tem sustentado que tais contribuições ou tributos não devem, do ponto de vista do seu tratamento, ser vistas diferenciadamente dos «impostos».
Em face do exposto, e porque se não vê, por um lado - perspectivando o tributo em causa como um encargo derivado pelo levantamento de obstáculos jurídicos ao exercício ou ao desenvolvimento de uma actividade por parte de um particular - que haja da sua parte a utilização de um bem semi-público (ou colectivo na linguagem de Sousa Franco) e, por outro, que, mesmo na óptica de nos situarmos perante uma contribuição ou um tributo especial, ele devesse ter um tratamento sui generis diferente do que deve ser conferido aos impostos, uma só solução se nos anteolha. É ela a de a respectiva imposição haver de obedecer aos ditames que pela Lei Fundamental são dirigidos aos «impostos».
E daí que a norma impositora do encargo em apreciação, porque criada por diploma não emanado pela Assembleia da República (ou pelo Governo devidamente credenciado por aquela), deva ser considerada como enfermando do vício de inconstitucionalidade orgânica.
5. No caso vertente, não está em causa a utilização de veículos para publicidade, mas a colocação de reclamos luminosos em telhados de prédios urbanos. Tal, porém, em nada impede a aplicação da doutrina fixada no citado Acórdão nº 558/98, porquanto, também aqui, se não está perante a utilização de bens ou locais públicos ou semi-públicos, mas sim de bens ou locais pertencentes a particulares, conforme iniludivelmente decorre do disposto no artigo 1344º do Código Civil, já que «a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície». Há, assim, que concluir pela inconstitucionalidade orgânica da norma questionada
(no mesmo sentido, cfr. P. Pitta e Cunha, J. Xavier de Basto e A. Lobo Xavier, Os Conceitos de Taxa e Imposto - A propósito de licenças municipais, Fisco, nº
51-52, Fev./Mar. 93, págs. 13 e segs.).
III – DECISÃO
6. Nestes termos, decide-se:
a) julgar inconstitucional, por violação dos artigos 106º, nº 2 e
168º, nº 1, alínea i), da Constituição (versão de 1982), a norma constante do artigo 18º da Tabela de taxas e outras receitas municipais da Câmara Municipal de Lisboa, (publicada no Diário Municipal, 2º suplemento, de 15 de Setembro de
1989);
b) em consequência, conceder provimento ao recurso.
Lisboa, 2 de Fevereiro de 1999 Luís Nunes de Almeida José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento Bravo Serra José Manuel Cardoso da Costa