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Procº 176/97.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Coimbra e em que figuram, como recorrente, A. e, como recorrido, o Ministério Público, concordando-se, no essencial, com a exposição lavrada pelo relator de fls. 412 a 417, que aqui se dá por integralmente reproduzida, exposição essa à qual o recorrido deu completa anuência e que a «pronúncia» que sobre ela fez o recorrente não abalou, decide-se não tomar conhecimento do recurso, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em oito unidades de conta.
Lisboa, 14 de Maio de 1997 Bravo Serra José de Sousa e Brito Messias Bento Fernando Alves Correia Guilherme da Fonseca Luís Nunes de Almeida
_________________________________________________________________ EXPOSIÇÃO PRÉVIA
Procº nº 176/97.
2ª Secção.
1. Por sentença de 21 de Junho de 1996 proferida pelo Juiz do Tribunal de comarca da Covilhã, precedida de acusação deduzida pelo Representante do Ministério Público junto do mesmo Tribunal, foi A. condenado, por entre o mais, na pena de três anos de prisão - cuja execução ficou suspensa subordinadamente à condição de, em oito dias, proceder ao pagamento da quantia de PTE. 1.900.000$00 e juros vincendos sobre o montante de PTE 1.850.000$00, calculados à taxa legal desde 30 de Abril de 1992 e até integral pagamento -, e isso porque foi dado por assente que tal arguido praticou actos que foram subsumidos à autoria de um crime de emissão de cheque sem provisão previsto e punível pelos artigos 23º e 24º do Decreto nº 13.004, de 12 de Janeiro de 1927, o último na redacção conferida pelo artº 5º do Decreto-Lei nº 400/82, de 23 de Setembro.
Não se conformando com a condenação que lhe foi imposta, recorreu o arguido para o Tribunal da Relação de Coimbra.
2. Na motivação que então apresentou, não suscitou o arguido qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental reportadamente a normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Na verdade, naquela peça processual, quanto a tal particular e no que ora releva, o arguido escreveu, em jeito de sustentação e conclusão:-
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10º - Aliás, no ponto 20, o Meritíssimo Juiz, e erradamente, refere como ponto assente para fundamento da decisão que o arguido tem pendente processo por emissão de cheque sem provisão
11º - Pensava o signatário, que tal facto não constituía ponto relevante na determinação da medida da pena; não é o que diz o artigo 78º do Código penal antigo nem o 71º do vigente, nem tão pouco o artigo 32º nº 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa
12º - Se até condenação transitada em julgado o cidadão é considerado inocente, a existência de outro processo, ainda por cima em situação não esclarecida e que se não procurou esclarecer, não pode pesar numa sentença
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................................................... CONCLUSÃO
1º - Pela prova produzida em julgamento, documentada e que aqui se dá por reproduzida, deveria o arguido ter sido absolvido da prática do crime de que vinha acusado, o que constitui violação dos artigos 23º e 24º do DL 13004, 48º,
49º, 78º do CP antigo 3 32º da Constituição
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3º - O Meritíssimo Juiz ao aplicar o DL 400/82 em vez do DL 48/95, violou o principio da aplicação da lei mais favorável ao agente, consagrado constitucionalmente
4º - O Meritíssimo Juiz não permitiu ao arguido esclarecer ao arguido todas as condições subjacentes à emissão do cheque, em flagrante violação do preceituado nos artigos 120º nº 2 d) e 124º do CPP, gerador de nulidade processual insanável e de diminuição das garantias de defesa do arguido consagradas no artigo 32º da Constituição
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7º - Na determinação da medida da pena atendeu-se á pendência de processo não julgado e transitado em julgado, o que constitui violação dos artigos 78º do CP antigo, 71º do novo e 32º nº 1 e 2 da Constituição Portuguesa
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3. A Relação de Coimbra, por acórdão de 30 de Janeiro de
1997, julgou parcialmente procedente o recurso, vindo a impor ao arguido a pena de dois anos de prisão sujeita à condição de, em quatro meses, ser paga a indemnização arbitrada pela sentença recorrida.
Desse acórdão e da 'sentença de 1ª Instância', fundado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Setembro, recorreu o A. para o Tribunal Constitucional, esgrimindo no requerimento consubstanciador do recurso com a circunstância de ambas as decisões terem feito 'aplicação dos artigos 51º nº 2, 70º, 71º, 72º, 213º, 218º, do C.P. vigente - DL 48/95 de
15/03, artigos 48º, 49º, 78º, CP antigo - DL 400/82, artigos 210º nº 2 alínea d), 124º, CPP, DL 454/91, Lei 15/94 de 11/05, DL 13004 artigos 23º e 24º, de molde a ofender-se o estatuído no artigo 32º da Constituição nomeadamente os seus nºs 1, 2, 5, pelo que tais preceitos e interpretação deles feita estão feridos de inconstitucionalidade material'.
O recurso veio a ser admitido por despacho do Desembargador Relator prolatado em 19 de Março de 1997.
3. Não obstante tal despacho, e porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82), entende-se que o recurso não deveria ter sido admitido; e daí a feitura, ex vi do nº 1 do artº
78º-A do mesmo diploma, da vertente exposição, na qual se propugna por se não dever tomar conhecimento do recurso.
Assim:
3.1. Em primeiro lugar, é por demais evidente que, proferido que foi o acórdão da Relação de Coimbra, o mesmo, dada a decisão nele
ínsita, «consumiu» a sentença proferida no Tribunal de comarca da Covilhã, razão pela qual, logo por aqui, nunca poderia desta última ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional; ao que acresce que, para além dessa razão e de entre o mais, de uma banda, esgotado estava já o prazo - consignado no nº 1 do artº
75º daquela Lei nº 28/82 - para a efectivação do «direito ao recurso» (caso ele pudesse, na presente hipótese, ser exercitado) - e, de outra, porque, tratando-se de um recurso baseado na alínea b) do nº 1 do artº 70º, ainda da mesma Lei, não se verificava, ao menos, o condicionalismo estatuído no nº 3 do dito artigo.
3.2. Concernentemente ao acórdão lavrado em 30 de Janeiro de 1997, obviamente que o recurso intentado interpor não poderia ser admitido.
Efectivamente, e como é por demais sabido, o recurso para o Tribunal Constitucional relativo à fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto normas jurídicas (as constantes do ordenamento infra-constitucional) e não quaisquer outros actos do poder público, designadamente as decisões jurisdicionais.
E, tratado-se, como no caso se trata, de uma impugnação desejada interpor ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, mister é, para além dos demais requisitos, que o recorrente, durante o processo
(ou seja, e segundo uma jurisprudência firme deste Tribunal, em regra, antes da prolação da decisão pretendida recorrer), tenha suscitado a inconstitucionalidade da ou das normas (ou de um seu modo de interpretação) que tiveram, como ratio decidendi, aplicação na peça jurisdicional em crise.
Sendo isto assim, como deflui, quer do próprio teor da mencionada alínea b) do nº 1 do artº 70º, quer de uma postura, sine discrepante, seguida por este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa, torna-se límpido, atento o relato acima levado a efeito, que o ora recorrente, antes do acórdão querido recorrer, nunca assacou a qualquer norma - mormente às referidas no requerimento de interposição de recurso, e dando de barato que todas elas foram aplicadas no aresto intentado pôr sob censura - algum vício de desconformidada com o Diploma Básico.
De facto, o que, na motivação do recurso da sentença proferida no Tribunal de comarca da Covilhã, o agora recorrente defendeu foi que essa sentença ofendia determinadas disposições, quer substantivas, quer adjectivas, de índole criminal, e, do mesmo passo, certos normativos ínsitos na Lei Fundamental. O que, inequivocamente, significa que o arguido elegeu, como objecto da ou das questões de inconstitucionalidade, não qualquer norma jurídica, mas sim, e em verdade, a própria sentença.
Pelo que, minimamente, não cumpriu o ónus decorrente da já várias vezes citada alínea b) do nº 1 do artº 70º, o que conduz a que este Tribunal não possa conhecer do recurso.
Cumpra-se a parte final do nº 1 do artº 78º-A da lei nº
28/82.
Lisboa, 11 de Abril de 1997.