Imprimir acórdão
Processo nº 706/98
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Beleza
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por sentença do Tribunal de Trabalho de Portalegre de 27 de Novembro de 1997 proferida no Processo de Transgressão nº 44/97-T, foi D..., S.A. condenada no pagamento de uma multa de 10.000$00 e de indemnizações, respectivamente, de
175.344$00 à trabalhadora R... e de 68.463$00 à SEGURANÇA SOCIAL, por infracção ao disposto no nº 7 da cláusula 27ª do Contrato Colectivo de Trabalho celebrado entre as Associações Comerciais de Portalegre e Elvas e o Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio e Serviços do Distrito de Portalegre, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, I Série, nº 9, de 8 de Março de
1982, com portaria de extensão de 5 de Maio do mesmo ano, publicada no mesmo Boletim, I Série, nº 19, de 22 de Maio de 1982, com alterações publicadas no Boletim, I Série, nº 11, de 22 de Março de 1984.
É por força da citada Portaria de Extensão que o contrato é aplicável à D.... O Tribunal da Relação de Évora, porém, julgando procedente o recurso interposto da condenação, revogou a decisão da primeira instância, com fundamento na ilegalidade (por violação do disposto no artigos 43º do Decreto-Lei nº 409/71 , de 27 de Setembro, e na al. b) do nº 1 do artigo 6º do Decreto-Lei nº 519-C1/79, de 29 de Dezembro) e na inconstitucionalidade (por violação do princípio, consagrado na al. a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição, de que 'para trabalho igual, salário igual', '... princípio' que 'afinal, é o corolário – para os trabalhadores – de outro mais genérico e abrangente ...', o princípio da igualdade), da norma constante do referido nº 7 da cláusula 27º atrás identificada. O Tribunal da Relação de Évora considerou que a diferença de tratamento, no que toca ao cálculo da retribuição, entre os trabalhadores a tempo completo e a tempo parcial, traduzida num 'injustificado privilégio' para os últimos, não tem justificação substancial, traduzindo um 'puro arbítrio legislativo'. Para o demonstrar, coloca a seguinte hipótese:
'Se, por hipótese, a tabela salarial de um trabalhador de escritório for de
100.000$00 mensais, para o cálculo da retribuição a pagar a um trabalhador que apenas preste 30 horas semanais essa tabela passará automaticamente
(arbitrariamente, sem qualquer justificação objectivada) a Esc. 150.000$00 (‘... acrescida de 50%’). Fazendo, agora o cálculo, tendo em conta a proporção da prestação do trabalho ajustado (30 horas), relativamente a uma prestação de trabalho a tempo completo (40 horas), temos o surpreendente resultado de que o trabalhador das 30 horas semanais – TTP – receberá Esc. 112.500$00
(150.000$00x30:40)..., enquanto o do horário inteiro apenas tem direito aos tabelares Esc. 100.000$00!'
2. Interpôs então o Ministério Público recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, para que se aprecie 'a inconstitucionalidade da norma do nº 7 da Cláusula 27ª do Contrato Colectivo de Trabalho' em causa, 'tendo em conta o disposto no art. 59º, nº 1, alínea a) e no art. 13º da Constituição da República Portuguesa.' O recurso foi admitido pelo Tribunal da Relação. Nas alegações que apresentou neste Tribunal, e que foram apoiadas pela recorrida D..., SA, o Ministério Público sustentou, por um lado, a competência do Tribunal Constitucional para conhecer do objecto do recurso e, por outro, a inconstitucionalidade na norma não aplicada, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
3. Na redacção aplicada pelo acórdão recorrido, o nº 7 da cláusula 27ª do contrato tinha a seguinte redacção:
'Os trabalhadores de escritório em regime de tempo parcial receberão a retribuição calculada em proporção do tempo de trabalho ajustado, tendo por base a presente tabela, acrescida de 50%'. Note-se que o Tribunal da Relação de Évora, no seu acórdão, começa por observar que a sentença de 1ª instância enfermou de um erro de julgamento ao aplicar à trabalhadora em causa, servente de limpeza, 'a norma daquele nº 7, pois na sua previsão estão apenas os ‘trabalhadores de escritório’...' (fls. 30, vº). Todavia, ao conhecer do recurso, não mais colocou esta questão, julgando o processo como se a norma a abrangesse. Houve, portanto, efectiva recusa de aplicação da norma objecto do presente recurso de constitucionalidade, condição indispensável para o respectivo conhecimento por parte deste Tribunal (al. a) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro). Diga-se, aliás, que os serventes de limpeza são abrangidos pelo contrato em causa, como decorre da sua integração no Grupo A, A.4 (Trabalhadores Auxiliares) do Anexo 1 e do disposto na cláusula 5ª. E acrescente-se que, na sequência das alterações ao Contrato Colectivo de 1984, atrás identificadas, veio a ser publicada uma nova Portaria de Extensão, por virtude da qual a cláusula 7ª passou a ter a seguinte redacção:
'7. Os trabalhadores abrangidos por este contrato colectivo de trabalho em regime de tempo parcial receberão a retribuição calculada na proporção do tempo de trabalho ajustado, tendo por base a tabela constante do anexo IV acrescida de
50%'. O Tribunal da Relação não teve em conta este novo texto; dela não resultaria, aliás, qualquer diferença para a definição do regime aplicável ao caso concreto.
4. O presente recurso tem, portanto, por objecto a norma constante da cláusula
7ª acima transcrita que define o modo de calcular o montante da retribuição devida aos trabalhadores em regime de tempo parcial. Tem havido divergências neste Tribunal quanto à questão de saber se cabe ou não na respectiva competência o julgamento da eventual inconstitucionalidade de normas constantes de instrumentos convencionais de regulamentação colectiva do trabalho (cfr. os acórdãos nº 172/93, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., pág. 451 e segs. e nº 637/98, ainda inédito, num sentido, e o Acórdão nº 214/94, publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 27º, pág. 1057 e segs., em sentido oposto). Verifica-se, todavia, que, no caso presente, a norma em crise é aplicável ao litígio por força da Portaria de Extensão de 5 de Maio de 1982, atrás referida; considera-se, portanto, pelos motivos indicados no acórdão nº 392/89 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 13º, t. II, pág. 1035 e segs.), que o Tribunal é competente para seu conhecimento do objecto do recurso.
5. Passando-se, assim, à questão de fundo, cabe dizer, desde já, que se afigura clara a falta de fundamento do presente recurso. Com efeito, e conforme tem sido afirmado por este Tribunal, o princípio 'para trabalho igual, salário igual', consagrado na al. a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição, proíbe que se retribua de maneira diferente trabalhadores que, com as mesmas habilitações, prestem trabalho da mesma natureza e com a mesma quantidade (acórdãos nºs 313/89 e 303/90, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, respectivamente, vols. 13º, t. II, pag. 917 e segs. e 17º, pág.65 e segs.), sob pena de violação da proibição de arbítrio que encerra, em geral, o princípio da igualdade. E está em causa, como é evidente, uma sua aplicação aos trabalhadores em particular.
É óbvio que a quantidade de trabalho prestada por trabalhadores em regime de tempo completo e em regime de tempo parcial é diferente: no caso de que agora nos ocupamos, é este o ponto que distingue trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho com as mesmas habilitações. Assim, a aplicação do princípio referido implica que a diferença de remuneração corresponda à diferença de quantidade de trabalho prestado – regra que a cláusula em crise, manifestamente, não respeita.
É certo que a lei prevê que o regime de tempo parcial seja atribuído a trabalhadores em situações (pessoais) particulares, a saber, com responsabilidades familiares, com capacidade de trabalho reduzida ou que sejam trabalhadores estudantes. Essas situações, todavia, se justificam (do ponto de vista dos valores que estão em causa, e da protecção constitucional que merecem
– cfr. artigos 67º e 68º, 71º, 72º da Constituição) que, nos instrumentos de regulamentação colectiva, lhes seja dada a preferência na admissão em regime de tempo parcial, já não explicam o privilégio em que são colocados face aos trabalhadores em tempo completo, no que toca ao cálculo da remuneração.
Nestes termos, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma constante do nº 7 da cláusula 27ª do contrato colectivo de trabalho celebrado entre as Associações Comerciais de Portalegre e Elvas e o Sindicato dos Trabalhadores de Escritório, Comércio e Serviços do Distrito de Portalegre, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, I Série, nº
9, de 8 de Março de 1982, com portaria de extensão de 5 de Maio do mesmo ano, publicada no mesmo Boletim, I Série, nº 19, de 22 de Maio de 1982, por violação do disposto na al. a) do nº 1 do artigo 59º da Constituição; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida quanto à questão de constitucionalidade. Lisboa, 5 de Maio de 1999- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Messias Bento José de Sousa e Brito Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida