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Proc. nº 690/97
2ª Secção Relator: Cons. Sousa e Brito Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional I – Relatório
1 – M. Pr., melhor identificada nos autos, foi condenada, por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Monção, como cúmplice de um crime de difamação através da imprensa, previsto e punido pelos artigos 164º e 167º do Código Penal de 1982 e pelo artigo 26º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 85-C/75, de 26 de Fevereiro, a uma pena de 60 dias de multa, à taxa de 300$00 por dia, ou, em alternativa, em 40 dias de prisão.
2 – Inconformada, recorreu daquela decisão para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 9 de Julho de 1997, negou provimento ao recurso, confirmando quanto à ora recorrente, na íntegra, a decisão recorrida.
3 – É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da al. b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o presente recurso de constitucionalidade. Pretende a recorrente, nos termos do respectivo requerimento de interposição (já depois da resposta ao convite para dar cabal cumprimento ao disposto no artigo
75º-A da Lei nº 28/82), ver apreciada a inconstitucionalidade e a ilegalidade da aplicação das normas constantes dos artigos 164º e 167º do Código Penal de 1982 e do artigo 26º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 85-C/75, por entender que a interpretação que o douto acórdão recorrido faz destes preceitos viola o disposto nos artigos 26º, 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa.
4 – Já neste Tribunal foi a recorrente notificada para apresentar alegações, o que fez, tendo concluído nos seguintes termos:
'1ª - A recorrente é Directora do jornal X que veiculou a notícia escrita pelo jornalista J. P. alvo de condenação pelo Tribunal Judicial de Monção;
2ª - No exercício das suas funções de Directora, a recorrente leu a notícia, pediu os suportes documentais da mesma e, constatada a veracidade de uns e outros, autorizou a sua impressão;
3ª - Quer o Tribunal de Monção que o Tribunal da Relação do Porto reconhecem que a estrutura e a factualidade relatada na notícia estão correctas;
4ª - Portanto a apreciação que a recorrente fez antes da sua edição era correcta;
5ª - O estilo de um jornalista é um capital pessoal e constitui uma mais valia intrínseca à sua carreira que a recorrente, como profissional, sabe que não deve violar;
6ª - Não podia a recorrente censurar o estilo do jornalista J. P., dotado de carteira profissional e elevado prestígio no exercício da sua actividade de jornalismo de investigação;
7ª - Pelo autor da notícia foram apresentadas antes da sua difusão e durante as sessões de audiência e julgamento as provas que sustentam o que escreveu;
8ª - Agiu bem a recorrente ao reputar de interessante o conteúdo da notícia para informação da audiência regional que o seu jornal atinge, cumprindo o desígnio de informar e sustentar o direito à Informação;
9ª - Está condenada por difamação do assistente sem que tenha escrito o que quer que fosse, sem que tenha agido objectivamente contra ele, sem que tenha veiculado o que quer que seja de falso, menos sério, menos cortês ou sequer mais agreste contra o assistente A. A.;
10ª - Ao reputar como sérias e verdadeiras as informações vertidas nos documentos apresentados pelo jornalista como suporte da notícia a recorrente não cometeu qualquer crime, devendo por esse facto ser absolvida'.
5 – Notificado para responder, querendo, às alegações da recorrente, o Procurador-Geral Adjunto, junto deste Tribunal, concluiu nos seguintes termos:
'1º - Não tendo a recorrente suscitado, de forma idónea e adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que possa suportar o recurso interposto para este Tribunal, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, falta manifestamente um essencial pressuposto de admissibilidade do recurso.
2º - Termos em que não deverá conhecer-se do presente recurso'.
6 – Notificada para responder, querendo, à questão prévia suscitada pelo Ministério Público, a recorrente veio dizer, a concluir, o seguinte:
'1ª - Na sentença de que ora se recorre está patente um conflito entre dois princípios fundamentais consagrados na Constituição da República;
2ª - O direito ao bom nome e o direito-dever de informar, de se informar e de ser informado são interesses juridico-penalmente protegidos;
3ª - O tribunal de primeira instância condenou o jornalista apenas pelo seu estilo literário, decisão esta confirmada pela Relação do Porto;
4ª - A recorrente não pode ser penalizada por este comportamento que é individual, tendo sido abolida a censura em Portugal;
5ª - Pelas razões apontadas nas motivações, a condenação da recorrente violou os artigos 37º e 38º da Constituição, devendo nesta parte ser considerada inconstitucional;
6ª - Deverá, pois, ser admitido o presente recurso decidindo V. Exas. Pela inconstitucionalidade da sentença na parte em que condena a recorrente, uma vez que;
7ª - Violou os princípios constitucionais preservados pela recorrente que ao permitir a publicação no jornal de que é Directora do artigo escrito pelo jornalista, perfeitamente identificado, comprovando que se tratava de uma transcrição de um jornal espanhol, conhecendo a actividade jornalística do autor do texto e a sua ligação com os meios policiais portugueses e espanhóis, limitou-se a cumprir a função da imprensa que é informar o público numa matéria de interesse público como é a inauguração de uma ponte internacional;
8ª - Deve desta forma ser admitido o presente recurso, julgando-se, a final, a sentença, na parte em que condenou a recorrente, inconstitucional.'
Dispensados os vistos, cumpre decidir. II – Fundamentação
7 - Antes de mais cumpre decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76º, nº 3, da Lei nº 28/82).
8 - O recurso previsto na al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional tem como pressuposto de admissibilidade, além do mais, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica - ou de uma sua dimensão normativa - e que, não obstante, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso. Importa, pois, antes de mais, começar por averiguar se a recorrente suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade das normas cuja constitucionalidade pretende agora ver apreciada por este Tribunal: os artigos 164º e 167º do Código Penal de 1982 e o artigo 26º, nº 2, alínea a) do Decreto-Lei nº 85-C/75, por violação do disposto nos artigos 26º, 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa. Se atentarmos no teor das alegações produzidas no Tribunal da Relação do Porto - para que nos remete o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade - verificamos que, ao contrário do que sustenta a recorrente, aí não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa. A recorrente limita-se, nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, a imputar à própria decisão recorrida - e não a normas que esta tenha aplicado - a violação dos artigos 26º; 37º e 38º da Constituição. Para o demonstrar basta transcrever as passagens das alegações de recurso apresentadas no Tribunal da Relação do porto, para que a recorrente remete no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:
'Ao condenar os arguidos, a sentença recorrida fez errada interpretação, infringindo-os, do que dispõem os artigos 37º e 38º da Constituição, 180º do Código Penal, 25º e 28º da Lei de imprensa e 372º, nº 1, do Código de processo Penal'. (sublinhado nosso). E, mais à frente, nas conclusões 2ª e 3ª:
' 2ª - Os arguidos agiram com o único propósito de cumprir o seu direito-dever de informar, na convicção de que os factos relatados correspondiam à verdade e fizeram fé em informações fidedignas e nos documentos juntos aos autos.
3ª - A sentença recorrida violou as normas jurídicas atrás referidas.'
(Sublinhado nosso).
É, pois, manifesto, como sustentou o Ministério Público no seu parecer, que a ora recorrente não suscitou aí (nem em qualquer outro momento, durante o processo) qualquer questão de constitucionalidade de normas, susceptível de fundar o recurso interposto. Em face do exposto torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do presente recurso, já que a recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa - antes imputando à própria decisão recorrida a questão de inconstitucionalidade. Falta, nessa medida, um dos pressupostos de admissibilidade do recurso que a recorrente pretendeu interpor. III – Decisão Assim, e pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em oito unidades de conta. Lisboa, 2 de Dezembro de 1998 José de Sousa e Brito Guilherme da Fonseca Maria dos Prazeres Beleza Bravo Serra Messias Bento Luis Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa